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Sexta, 03 Mai 2024

Exploração sustentável da biodiversidade, o hoje e o amanhã da Pan-amazônia

Em primeiro plano entendo fundamental reconfigurar, no curtíssimo prazo, a matriz econômica do Amazonas a partir de medidas governamentais destinadas a corrigir graves distorções que se consolidaram desde a criação da Zona Franca de Manaus (ZFM). Concebida, segundo modelo preconizado pelo DL 288/67, para desenvolver, na Amazônia Ocidental, polos industrial, agropecuário e de serviços, equívocos substantivos, todavia, foram cometidos ao longo percurso, até hoje não sanados.

A começar pelo desprezo ao setor sobre o qual as economias historicamente demarram seu crescimento - o primário -, que levou a ZFM a estruturar-se operacionalmente de forma insustentável, posto que sobre um só pilar, o do setor industrial. De tal sorte que, hoje, 85% do faturamento da indústria amazonense concentra-se no Pólo Industrial de Manaus (PIM), levando a ZFM, no conjunto, a responder por cerca de 92% do ICMS arrecadado e 77,5% do PIB estadual.

 Do ponto de vista do desenvolvimento econômico tamanha distorção levou o modelo a fragilizar-se por déficit de solidez estrutural, tornando-se necessário proceder sua correção o quanto antes, e de uma vez por todas. Dentre os caminhos a serem trilhados nesse sentido, ao que penso, o ponto de partido consiste em ampliar a matriz econômica pela incorporação, em termos complementar ao PIM, da bioeconomia por meio da exploração sustentável dos recursos da biodiversidade e do ecoturismo e de um polo de exportações, nas proporções do diagrama incluso neste estudo.

O projeto Rota da Biodiversidade, em gestação na Secretaria de Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Sedecti) propõe-se atender, no longo prazo, a esses objetivos. Ao que pude constatar da leitura de seus pontos centrais, necessita, contudo, presumo eu, sofrer alguns ajustes em relação à sua concepção original. Com efeito, para o alcance de seus objetivos, da própria necessidade de diversificação da economia estadual, em última instância, entendo como de fundamental interesse e máxima prioridade, dispensar atenção aos quatro pontos estratégicos descritos a seguir:

1. Complementação do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) ajustado ao MacroZEE nacional e da Amazônia, já implantado nos demais estados da região, só não no Amazonas. O ZEE determina cientificamente as vocações econômicas de cada mesorregião, permitindo assim a elaboração de projetos técnicos e de viabilidade econômica, os aportes de investimentos, tecnologias empregadas e a expectativa de geração de emprego individualizado por cadeias produtivas identificadas pela ferramenta. O ZEE, por outro lado, impactará a grade curricular das universidades instaladas no interior, priorizando a formação de mão de obra especializada, que poderá, em convênio com a Sepror/Idam exercer assistência técnica junto aos produtores rurais.

2. Promover intenso esforço de integração da universidade e entidades de pesquisa de modo a proporcionar sustentação técnica às cadeias produtivas, em cada calha de rio, ajustando-as às assimetrias de nossa biodiversidade, na verdade, a base da bioeconomia. Entendo que essa integração deve se processar no plano pan-amazônico tendo em vista o capital científico desenvolvido na Amazônia sul-americana, notadamente na Tríplice Fronteira formada por Brasil, Colômbia e Peru, somada ao Equador, pelo seu potencial pesqueiro e a existência de porto no Pacífico.

Refiro-me à rota ligando o Norte do Brasil ao porto equatoriano de Manta, o chamado eixo Manta-Manaus. Ao longo dos últimos anos foram elaborados diversos projetos para criar a infraestrutura necessária para que os produtos brasileiros possam cruzar para o outro lado da América do Sul e atingir a Ásia via Oceano Pacífico. Além dessa alternativa, existe a Rodovia Interoceânica, que liga o Brasil, via Assis Brasil, Acre, aos portos de Callao e Matarani, em Lima, e Paita, em Piura, passando pela Amazônia peruana e os Andes.

Em 2014, os presidentes do Brasil, Peru e China assinaram um memorando de entendimento visando construir a ferrovia transcontinental, ligando o Rio de Janeiro à costa peruana, mas o projeto ainda não saiu do papel. O eixo multimodal Manta-Manaus, que é visto com ceticismo por alguns analistas, seria um corredor logístico unindo o porto equatoriano à capital amazonense como resultado da integração das cuencas, as bacias hidrográficas formadas pelo rio Amazonas e o rio Napo, na Amazônia equatoriana.

A partir dessa base logística e de infraestrutura de transporte e comunicações abrem-se portas para o incremento da corrente de comércio (exportações mais importações) e do turismo pan-amazônico, potencial até hoje praticamente inexplorado.

3. Diversos campos da ciência são desenvolvidos na Pan-amazônia, em sua imensa maioria desconhecidos, por meio do Instituto SINCHI e da Universidad Nacional de Colombia, sede Letícia; do Instituto de Integración de la Amazonía Peruana (IIAP), base Iquitos, e da Universidad Central del Ecuador. O Comando Militar da Amazônia (CMA) é peça fundamental para viabilizar a logística desta integração, associado à Suframa, Cba, Ufam, Uea, FioCruz e Inpa, com a participação de toda a base de ensino e pesquisa instalada na região.

4. A partir da amarração desses pontos, o Amazonas estaria apto a desenvolver amplo programa de investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I), fundamental à implantação de cadeias produtivas prioritárias identificadas pelo ZEE. Destaco: projetos de Manejo Florestal Sustentável, Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF) no Sul do Amazonas e nas mesorregiões eleitas; programa de produção de alimentos tendo por suporte, dentre outras possibilidades, a piscicultura, avicultura, fruticultura, a exploração de plantas amazônicas não cultivadas (PANCs), pecuária intensiva e indústria de laticínios e torrefação de café, com plantas já instaladas em Santo Antônio do Matupi e Apuí, dentre outras alternativas. A identificação de cadeias produtivas ajustadas às características edafoclimáticas das mesorregiões, todavia, não é suficiente. Tão importante quanto é o desenvolvimento de sistemas de produção (pacotes tecnológicos) referentes às cadeias de produção eleitas em parcerias com Embrapa, Universidade e centros de pesquisa locais, de forma a possibilitar a exploração racional e sustentável da atividade agro-florestal eleita pelo ZEE.

Estas as premissas, indicativos de projetos ou programas subjacentes à base científica que almeja contribuir para a viabilização do florescimento das atividades ligadas à bioeconomia, à exploração sustentável da biodiversidade, como produção de alimentos, manejo florestal, mineração ou turismo ecológico. Estados campeões de produção agropecuária historicamente incrementaram ad infinitum a exploração de seus recursos naturais, potencializando suas vocações econômicas. Citando, no Norte do país, o Sul do Amazonas, naturalmente vocacionado para a pecuária, indústria de laticínios e manejo florestal sustentável; o Pará, detentor do segundo maior rebanho pecuário e, pari passu com o Paraná, disputa a ponta da produção nacional de mandioca; Rondônia, terceiro maior rebanho pecuário, polo produtivo de laticínios, de café e de pescados. E assim exemplificando com estados do porte de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, todos de base econômica agropecuária.

Nova matriz econômica

O futuro da Zona Franca de Manaus, vale dizer da economia amazonense liga-se intimamente a esses pontos. Há de se entender que o setor agropecuário, gerador primário de capitais, tem o poder de permitir a solidificação da economia de um país, como assim se verifica ao longo da história. Não se constrói casa pelo telhado, erro maior da Zona Franca de Manaus. 

Urge, com efeito, preparar a base de uma nova economia de sorte a conferir competitividade internacional ao modelo. Há bastante tempo até 2073 para ajustar políticas públicas e estratégias. O caminho do Japão, nos anos 1950, do pós II Grande Guerra, 1960 e 1970, e depois da Coreia do Sul, dos Tigres Asiáticos, e mais recentemente da China são exemplos contundentes da economia contemporânea. A ZFM, ajustando-se a estratégias ora em formatação do governo brasileiro, terá de estar preparada para se posicionar comercialmente ante a inevitabilidade da abertura da economia brasileira em escala mundial, adequando-se e organizando-se operacionalmente em termos de tecnologia de processos e produtos, e de logística comercial e de transporte.

Em qualquer circunstância investimentos em CT&I são fundamentais, a base estrutural do processo. 

Como se pode verificar, hoje, a política de incentivos fiscais, centrada no Polo Industrial de Manaus, não foi suficiente para a soit disant interiorização do desenvolvimento, que supostamente a ZFM haveria de proporcionar ao estado do Amazonas e à Amazônia Ocidental, nos termos do Decreto-Lei 288/67. 

Com efeito, tomando por pressuposto as premissas iniciais deste estudo, entendo que a matriz econômica do futuro deverá assumir a configuração expressa no diagrama que segue. Esta formatação do modelo econômico do Amazonas encontra-se detalhadamente estudado em meu novo livro DA ECONOMIA DA BORRACHA À ZONA FRANCA DE MANAUS - Uma análise comparativa, ora em fase final de edição pela EDUA/UFAM, que deverá ser lançado logo finda a crise do covid-19. 

A Zona Franca de Manaus, certamente, cresceu nesse meio século de existência a partir de um parque fabril, segundo os termos da política nacional de substituição de importações vigente em 1967, vocacionado ao mercado doméstico. Não há como negar méritos, a partir, especialmente, de haver possibilitado a inserção do Amazonas no concerto da economia brasileira. Igualmente, não se pode omitir as fragilidades que marcam e expõem a questionamentos pontuais quanto aos efetivos benefícios sociais alcançados. 

Creio uma questão de responsabilidade política o reconhecimento, do ponto de vista da economia do Amazonas, das contradições estruturais, praticamente insanáveis, que permeiam e fragilizam o modelo nesses seus primeiros 53 anos de existência.


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