Brasil, 31 de março, passado-presente e a eterna busca de um norte

Não obstante todos esses dramas vividos e que perduram até os dias de hoje, o Brasil ainda busca um norte em relação ao sistema político que governa o país

A história do Brasil, desde o período Colonial, avançando pela Monarquia, Independência e República, doloroso constatar, tem sido marcada por sucessivos eventos tragicômicos. Não foi diferente no tocante aos diversos golpes, contragolpes, mini “revoluções” (como a de 30), ditaduras, aberturas, novas ditaduras, novo período de redemocratização como o que o país vive desde 1985.

Foto: Arquivo/EBC

Uma característica comum a esses períodos de nossa história: o Brasil permanece sem rumo político definido. Não tem sido capaz de conceber e promulgar atos e consolidar princípios constitucionais que auscultam nossa diversidade sociocultural, econômica e política. Salvo em favor dos que detêm o poder, as elites, termo muito ao gosto de correntes políticas pseudo esquerdistas ou falso revolucionárias.

Exatamente essas forças “transformadoras” não raro vêm se constituindo em renomados fracassos políticos, cujos líderes, inspirados em seus gurus de procedência soviética, maoista, chavista, dentre outras, quando no poder, atropelando o marxismo, o leninismo-estalinismo ou o Livro Vermelho de Mao Tse-Tung, tornam-se, na verdade, fiéis consumidores de whisky 12 anos, vinhos acima de U$ 2,500.00 a garrafa, automóveis importados, iates e sítios cinematográficos, apartamentos triplex em balneários exclusivos, fazendas milionárias; ternos confeccionados por costureiros famosos, cujos preços invariavelmente superam R$ 10.000,00 e viagens internacionais em jatos particulares. Entregaram-se, tais “revolucionários”, na verdade, a ominoso processo de corrupção que enlameou o governo brasileiro até recentemente “como nunca antes visto na história deste país”, segundo frase preferida do líder petista, o presidiário Lula da Silva.

1964 foi simplesmente mais um equívoco histórico brasileiro. O “golpe” não podia ter acontecido. Com efeito, o momento, convulso desde a renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961 exigia convergência das inteligências e lideranças políticas. O que não ocorreu. Jango era um presidente em certo sentido fraco, claudicante, indeciso e sem propostas concretas para a crise que se arrastava e que recrudesceu ao se deixar levar por quimeras e utopias revolucionárias de inspiração bolchevique. Entretanto, segundo o historiador Boris Fausto, o Brasil vive era de terríveis pressões ideológicas internacionais movidas pela Guerra Fria, que dividiu o Planeta ao final da II Grande Guerra (1939-1945), em dois pólos dicotômicos: o Ocidental, democrático – supostamente “bom” – e a Oriental, comunista – presumivelmente “mal”.

Por outro lado, entre o final de janeiro de 1961 e 31 de março de 1964, o país definitivamente perde o rumo e a governabilidade. A geração de então, a minha, viveu aquele período de singular turbulência política e assistiu a única experiência parlamentarista da era republicana. A vivência neste breve e mal sucedido sistema teve três presidentes, cinco chefes de governo e seis ministros da Fazenda. Jango tentou algumas soluções, promovendo reformas ministeriais, sem sucesso. A rotação no comando da política econômica contribuiu para a perda progressiva do controle da inflação, do desemprego e da credibilidade do próprio governo, dentre outras variáveis macroeconômicas.

O ano de 1963 chega ao final com inflação próxima a 80%, desaceleração econômica severa, que se intensifica ao longo do segundo semestre, em especial no tangente à atividade industrial, que sofre gravemente com escassez de energia, contração da liquidez, onda de greves (motivadas pela escalada inflacionária) e escaramuças generalizadas, que desaguam no maior processo de guerrilha urbana jamais vivida no Brasil. Movimento que, convém salientar, não tinha uma proposta concreta de reformas de base, mas simplesmente entregar o país ao jugo da ditadura do proletariado soviético.

1964, em síntese, teria se tornado em novo engodo? De um lado, é verdade, livrou o Brasil da ditadura do proletariado, pregada subrepticiamente pelos grupos pseudo-esquerdas encastelados nos colégios, nas universidades, nos sindicatos e por comandos enviados de Cuba para ensinar técnicas guerrilheiras e dar suporte ao “processo revolucionário”, que se instalaria no país a partir de Conceição do Araguaia e da guerrilha urbana (comandada por tantos falsos democratas hoje membros do Congresso Nacional). O propósito desses “movimentos” e de seus “aparelhos”, na verdade, era, incontestavelmente solapar e corromper a frágil democracia brasileira liderada por um presidente da República despido de coragem política e autoridade de governo.

Por outro lado, os governos da Revolução falharam em muitos setores essenciais, como na Educação, e na própria Economia, deixando fracassar o “milagre brasileiro” dos tempos doa ex-ministros da Fazenda Mário Henrique Simonsen, Delfim Netto, Roberto Campos, Otávio Gouveia de Bulhões e outros economistas de grande respeito, hoje raríssimos. Acertaram, todavia, em livrar o Brasil da economia planificada que levou a Rússia e seus satélites à ruína e ao mar de corrupção dos anos 80, que a Perestroika – literalmente “reconstrução” ou “reestruturação” – em conjunto com a Glasnost, uma das políticas introduzidas na União Soviética por Mikhail Gorbachev, em 1986 -, conseguiu evitar.

Reformas de base

Um capítulo fundamental de nossa história diz respeito à Reforma Agrária, até os dias correntes inconclusa. Proposta pelas Ligas Camponesas, inspiradas em Miguel Arrais, então governador de Pernambuco, e lideradas por Gregório Bezerra e Francisco Julião, os sindicatos rurais, as frentes revolucionárias, como a ALN, MR-8 e setores da Igreja progressista, a história o comprova, perdem o rumo ao se tornar um movimento simplesmente levados por hordas incendiárias. Torna-se evidente que não se pretendia resolver, como não se resolveu até hoje, o problema da terra, do campesinato, da produção agrícola, mas convulsionar o campo e deixar o circo pegar fogo. Processo que, de fato, interessa à linha pró-União Soviética-China e seu braço avançado na América Latina, Cuba. Afinal, aqui Fidel Castro recebe guerrilheiros brasileiros para treinamento e suporte financeiro com recursos oriundos do conhecido “Ouro de Moscou”, destinados ao suporte da “obra revolucionária” no país.

Quanto à reforma urbana, promulgada por Jango, pretendia criar condições pelas quais os inquilinos poderiam se tornar proprietários dos imóveis alugados. Os primeiros sinais da propriedade coletivizada (nos meios urbanos e rural) introduzida no mundo soviético e chinês, e que resultou em estrondoso fracasso culminado com a queda do Muro de Berlim em 1989 e a subsequente derrocada da Cortina de Ferro. Outros movimentos apontavam nessa direção. As chamadas reformas de base, pelas quais o movimento estudantil tanto lutou, sobretudo da educação, a reforma agrária e da economia, segundo o historiador Boris Fausto, no final das contas limitavam-se a medidas nacionalistas, prevendo uma intervenção mais ampla do Estado na vida econômica.

Dentre essas medidas, destacam-se: nacionalização das empresas concessionárias de serviços públicos (então predominantemente estrangeira, como a Light, ITT, etc.), dos frigoríficos e da indústria farmacêutica. Exatamente na contramão da conjuntura de nossos dias, onde o governo se vê induzido, por razões econômico-financeiras irreversíveis, e, de acordo com tendência do mundo contemporâneo, a promover a privatização desses e dos demais setores da economia.

Brasil, um país sem rumo político?

Não obstante todos esses dramas vividos e que perduram até os dias de hoje, o Brasil ainda busca um norte em relação ao sistema político que governa o país.

Estribadas em “conquistas” sociais e liberalidades genéricas da Constituição de 1988, conveniências ideológicas à esquerda e à direita, de fato continuam predominando sobre políticas econômicas e sociais que levem em conta prioritariamente a consolidação de ganhos que venham de encontro às necessidades da cidadania, às carências do povo, em nome do qual gira ou deveria girar o poder político. Nosso sistema político, contraditoriamente, regrediu com a redemocratização de 1985. Assim como os subjacentes sistema educacional, da saúde, da segurança, da infraestrutura, do saneamento básico, etc. No lugar de avançar, todavia, o Brasil estacionou e até, sob certos ângulos, retrocedeu institucionalmente. Consequentemente, o país se vê imerso em profunda clivagem social e recorrentes processos de radicalização política que tantos prejuízos causam à nação.

A economia brasileira,durante toda a República, tem sido vítima, com raros períodos de estabilidade, de grave processo, ação contínua e prolongada de deterioração, culminando na mais profunda recessão econômica que o governo petista de Dilma Rousseff fez mergulhar o país no período 2014-2017.

Desemprego, inflação, desarranjo das contas públicas, cujo déficit em 2018 chegou a R$ 115 bilhões, bem menor do que os resultados negativos de 2016 (R$ 154 bilhões) e 2017 (R$ 170 bilhões). Além de um profundo esquema de corrupção que alcançou diversas instâncias dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e de empresas estatais, como Petrobrás, Caixa, Correios, Agências Reguladoras e BNDES.

A sociedade precisa se dar conta seriamente desse conjunto de adversidades e lutar para superar tantos males que causam ao país e ao povo brasileiro. Só há, na verdade, um meio de chegar a um desfecho positivo: o estabelecimento de um pacto de boa vontade, a um acordo de governança capaz de conciliar as forças antagônicas que levam ao descrédito do sistema político e da governabilidade. Desta forma criar um novo país alicerçado na confiança, na solidez institucional, social e econômica, na modernização tecnológica, na geração de empregos, no fortalecimento da condição social e econômica sedimentada pelo saneamento, educação, segurança e saúde pública de qualidade. 

Sobre o autor

Osíris M. Araújo da Silva é economista, escritor, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), da Academia de Letras, Ciências e Artes do Amazonas (ALCEAR), do Grupo de Estudos Estratégicos Amazônicos (GEEA/INPA) e do Conselho Regional de Economia do Amazonas (CORECON-AM).

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

 

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