Manuscrito de ‘Vermelho’, música de Chico da Silva. Foto: Reprodução/Instagram-chicodasilvaoficial
VERMELHO.
Muito mais do que designar uma cor, esta palavra virou símbolo cultural nas vozes do povo mundo a fora e na história do compositor amazonense Chico da Silva. A canção que recebe esse nome ganhou vida própria, sendo adotada por gerações de torcedores do Boi Garantido, de Parintins, e ultrapassando os limites da arena para se tornar parte da identidade da região Norte. Mas qual foi a origem dessa música?
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Recentemente, o cantor publicou em suas redes sociais uma relíquia: o manuscrito da canção. Em entrevista ao Portal Amazônia, Chico da Silva relembrou como a música surgiu, ainda nos anos 1990. “Eu não fiz ‘Vermelho’ para ser uma música de boi. Eu fiz como uma toada romântica”, contou o compositor.
A letra e melodia, inicialmente despretensiosas, logo caíram no gosto popular e começaram a ganhar espaço nos eventos ligados ao Garantido, até se consolidarem como símbolo máximo da paixão encarnada.
A canção foi eternizada nacionalmente na voz da cantora Fafá de Belém, que a gravou e ajudou a popularizá-la em todo o Brasil. No entanto, para Chico, o verdadeiro sucesso de ‘Vermelho’ veio das arquibancadas, das ruas de Parintins e dos corações vermelhos e brancos.
“O Garantido é a minha origem. É uma ligação que nunca vai se apagar. Quando ouço o povo cantar ‘Vermelho’, eu vejo ali o coração batendo da nossa cultura”, afirmou.
‘Vermelho’ e a busca pela valorização regional
Apesar do sucesso com suas canções, o compositor alerta sobre o cenário atual em que muitas produções artísticas da região são avaliadas de forma superficial. Segundo ele, obras com grande profundidade cultural ou social muitas vezes não recebem o reconhecimento merecido por conta de decisões influenciadas por critérios subjetivos ou interesses pessoais.
Um exemplo citado foi a toada ‘Lamento de Raça‘, escolhida pelo Garantido em um dos festivais. A canção abordava questões sociais sensíveis e possuía forte carga emocional, mas, segundo Chico, “não recebeu o devido destaque na arena”.
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O motivo, para ele, está relacionado à forma como certas decisões são tomadas nos bastidores da cultura: “Tem muita coisa que é julgada não pela qualidade, mas por quem fez”.
O compositor também destacou que, por vezes, há resistência dentro dos próprios círculos culturais quanto à inovação e à liberdade criativa. “Antigamente, já se impunham muitas ideias e limitações. Hoje ainda vemos isso, em menor escala, mas presente. Existe influência de determinadas pessoas na escolha e na valorização das toadas”, disse.
Ainda assim, Chico da Silva vê esperança no poder do povo. Ele acredita que canções como ‘Vermelho’ sobrevivem e crescem justamente por criarem laços diretos com as pessoas. “A música passou a ser cantada espontaneamente. O povo colocou ela no lugar que tem hoje. E isso não tem júri que apague”, afirmou.
A aceitação popular, segundo ele, é uma das maiores formas de validação artística. Mesmo diante da ausência de prêmios ou reconhecimentos institucionais, algumas músicas conseguem ganhar força por meio da conexão emocional que constroem com o público.
“O sucesso de ‘Vermelho’ veio da rua, veio do povo. É isso que dá sentido à arte que fazemos aqui”, declarou.
Por outro lado, Chico também aponta a necessidade de um investimento maior na valorização da cultura local. Ele afirma que o talento da região amazônica é vasto, mas que ainda falta apoio para garantir visibilidade e sustentabilidade a esses artistas. “O povo do Norte é criativo, é resistente, é brilhante. Mas sem apoio e sem visibilidade, essa luz não chega longe”, observou.
Ao falar sobre o futuro da cultura amazônica, Chico defende um olhar mais justo e plural. Para ele, é fundamental superar preconceitos e interesses particulares para que a produção cultural da região possa se desenvolver plenamente. “A cultura é mais do que aplauso momentâneo. Ela precisa tocar, transformar e representar o povo”, concluiu.
E, para ele, a trajetória de ‘Vermelho’ mostra exatamente isso, como uma música pode se tornar um símbolo de resistência e pertencimento. Composta inicialmente como uma canção romântica, tornou-se hino de um povo, elo entre gerações e bandeira da luta por reconhecimento artístico e cultural. Em cada verso entoado nas arquibancadas, o que se ouve é mais do que uma toada: é a afirmação da força cultural que pulsa na Amazônia.
