Saiba qual vila histórica amapaense tentou “virar país” três vezes no século 19

As três tentativas de independência ocorreram nos anos de 1886, 1887 e em 1892. Nenhuma teve êxito por conta de que a área já estava na disputa entre Brasil e França.

A Amazônia amapaense abriga uma vila histórica que tentou “virar país independe” três vezes. O atual distrito de Cunani, no município de Calçoene, a cerca de 426 quilômetros da capital Macapá, tentou se tornar uma república independente pela primeira vez no dia 23 de julho de 1886.

As demais tentativas ocorreram em 1887 e 1892 e também não foram reconhecidas pela comunidade internacional. Elas fracassaram após neutralizações dos governos francês e brasileiro na época. No período, o Brasil e a França disputavam a área que compreende o atual Rio Oiapoque ao Rio Araguari, no que foi chamado de Contestado Franco-Brasileiro.

O Cunani foi fundado pelo francês Prosper Chaton e se chamava “Guanany” que na língua Tupi significa Tucunaré, uma espécie de peixe em abundância na região. Apesar de ter um nome indígena, a vila foi formada principalmente por escravizados fugitivos, aventureiros e comerciantes franceses e brasileiros.

Após a descoberta de ouro em Calçoene, houve um crescimento significativo de moradores em busca do metal na região em meio à disputa econômica, geopolítica e militar. De acordo com o historiador Célio Alício, houve a emissão de moedas próprias e selos postais da “República Independente da Guiana”, ou “República do Cunani”.

“A comunidade surge no contexto do Contestado Franco-Brasileiro, região rica em minério que foi encarada como um ‘Eldorado” desde o século 17 e desde então ocorreu uma disputa que durou mais de 200 anos. Primeiro foi entre Portugal e França e depois entre Brasil e França, após a independência”, descreveu o historiador.

Distrito do Cunani, no município de Calçoene. Foto: Rafael Aleixo/Rede Amazônica

As tentativas de independência: 1886, 1887 e 1892

As três tentativas de independência ocorreram nos anos de 1886, 1887 e em 1892. Nenhuma teve êxito por conta de que a área já estava na disputa entre Brasil e França.

As duas ações foram lideradas pelo escritor e jornalista francês Jules Gros, integrante da Sociedade de Geografia Comercial de Paris. Apesar da área do possível “novo país” estar localizado na América do Sul, ele era governado de Paris, de onde o fundador emitia as moedas e selos.

Brasão, bandeira e a condecoração Ordem da Cavalaria Estrela de Cunani também foram criados. Ainda de acordo com o historiador Célio Alício, a criação da república e o seu governo a partir da Europa evidenciam os fins comerciais dos idealizadores e não de interesse em ajudar a população local.

Ainda segundo o historiador, as pessoas que recebiam as comendas não precisavam necessariamente ser simpáticas à causa, mas apenas comprar o título de nobreza ou as comendas. A terceira tentativa de independência ocorreu de 1892 a 1911 e foi liderada pelo francês naturalizado brasileiro Adolph Brezet.

Telha importada de Marseille, na França, que foi usada na antiga igreja de Cunani. Foto: Rafael Aleixo/Rede Amazônica

O Cunani em 2024

Em 2020, a vila recebeu o certificado como remanescente de quilombo. O acesso remoto, parte pelo oceano e parte pelo Rio Cunani, além das más condições da única estrada que liga a vila com a sede do município de Calçoene, tem dificultado a vida de quem ainda reside no distrito.

Com o passar dos anos, os moradores foram abandonando o local por falta de escolas para a educação dos filhos. De acordo com o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 56 pessoas moram em Cunani.

O agricultor Rodivaldo Alves Chagas, de 68 anos, nasceu e cresceu na vila. Ele colhe cacau para produzir chocolate caseiro, técnica que aprendeu com os pais e avós.

Outro destaque na economia local é a produção de açaí, considerado um dos melhores do norte do país. De acordo com uma pesquisa da Embrapa Amapá, o fruto da região possui um alto teor antocianinas, característica que deixa a polpa mais arroxeada e priorizada no mercado internacional.

*Por Rafael Aleixo, da Rede Amazônica AP

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