Saiba por que a data de fundação de Cruzeiro do Sul está ligada ao fim da escravidão no Brasil

Data foi pensada baseada na aprovação da Lei do Ventre Livre, promulgada em 28 de setembro de 1871. Historiador relembra que a cidade é uma das poucas planejadas da Amazônia.

Centro Cultural em Cruzeiro do Sul. Foto: Edson Fernandes/Secom AC

A segunda maior cidade do Acre, Cruzeiro do Sul, completa 119 anos em 28 de setembro de 2023 e muitas curiosidades fazem parte da história do município conhecido por suas ladeiras, farinha e povo acolhedor. Mas, você já parou para pensar o motivo de a data de fundação ter sido pensada e programada justamente para 28 de setembro? E mais, você sabia que essa data é emblemática, uma vez que faz referência à Lei do Ventre Livre, promulgada em 28 de setembro de 1871?

Em 28 de setembro de 1904, Cruzeiro do Sul foi fundada pelo militar Gregório Thaumaturgo de Azevedo, conhecido por Marechal Thaumaturgo, com desfile cívico, discursos de seringalistas e outras personalidades.

“Cruzeiro do Sul nasceu para ser grande”

A cidade, segundo o historiador Antônio Franciney Rocha, é uma das poucas da Amazônia que foi planejada. Com medo de que os peruanos invadissem o território, já garantido brasileiro pelo Tratado de Petrópolis, Marechal Thaumaturgo pensava em tornar a cidade uma espécie de “fortaleza militar”.

“Cruzeiro do Sul nasce da ideia de se construir uma fortaleza militar, seria uma forma de impedir que os peruanos mantivessem as pretensões nesse território, que estava em disputa. Por conta do Tratado de Petrópolis essa área já pertencia ao Brasil, mas precisava ser ocupada de maneira administrativa para afastar de vez as pretensões peruanas. E o hino da cidade conta o início disso tudo. Cruzeiro do Sul nasceu para ser grande”, 

conta.

E a data de fundação, assim como toda a planta da cidade, não foi escolhida por acaso. Rocha relembra que Marechal Thaumaturgo era maçom, com alto grau dentro da organização filantrópica, e escolheu a data porque coincidia com a promulgação da Lei do Ventre Livre, em 28 de setembro de 1871.

A lei abolia gradualmente a escravidão no Brasil, ela determinava que os filhos de escravizadas nascidos a partir de 1871 seriam considerados livres e foi usada pelo movimento abolicionista para a escravidão acabasse de vez no Brasil.

“Essa era uma data muito festejada na República. Ela foi antes da Lei Áurea, então a data de fundação da cidade não foi por acaso, foi por ser uma data importante para a República”, conta.
Cidade foi planejada, diz historiador. Foto: Tácita Muniz/g1 Acre

“Onde o raio do progresso chegou”

O hino da cidade, escrito pelo diplomata português Fran Pacheco, amigo de Marechal Thaumaturgo, conta justamente essa cidade planejada que começava tomar forma.

“Inclusive, Fran Pacheco foi o primeiro redator do jornal O Cruzeiro do Sul, que era o órgão principal da prefeitura e é um hino muito bonito, que fala da exuberância da mata e flora naquela época, que na época já haviam sido exploradas, mas que ainda eram visíveis e aí vai contando como desponta uma cidade em região inóspita”, pontua o historiador.
O hino descreve ainda a presença dos indígenas, provavelmente do povo Nawa, que foi considerado extinto por 100 anos e depois reconhecidos novamente. Inclusive, essa história foi contada em um documentário. E é por conta disso que Cruzeiro do Sul também é conhecida como a Terra dos Náuas, fazendo referência aos indígenas que ocupavam a região antes da chegada dos donos de seringais na época do boom da borracha no Acre.
Ocupantes de uma terra que começava a ser explorada, o povo dos Náuas era conhecido por ser guerreiro. Inclusive, um trecho do hino da cidade faz essa referência:

“Pasma o índio bravio confundido
Empolgando uma flecha nos ares
Ao ouvir que é tão repetido
Vosso nome nos nossos palmares”

Porém, para o estudioso, essa é uma parte da história que não deve e não pode ser romantizada. “Náuas é um povo guerreiro, tenazes na defesa de seu território e eles dominavam todo o estirão dos Náuas, como nós conhecemos hoje. É uma pena que ainda não tenhamos vestígios arqueológicos desse povo, mas era uma tribo guerreira. Temos essa mania de matar os indígenas e só depois tentar resgatá-los, colocando o nome deles em ruas, times de futebol e empresas”, lamenta.

Praça da Bandeira seria marco zero em Cruzeiro do Sul. Foto: Adelcimar Carvalho/g1 Acre

Marco zero 

A ideia de alguns historiadores é de que a chamada praça da bandeira em Cruzeiro do Sul, que fica logo atrás da Catedral – principal ponto turístico da cidade, se torne o marco zero da cidade.

É nesse local onde está a casa mais antiga da cidade, é lá onde está a primeira casa particular construída em alvenaria no ano de 1940. O prédio que pertencia ao português e patrão de seringal, Joaquim Maria Ruela, remete ao tempo em que a borracha era a principal atividade econômica da região e responsável por transformações culturais e sociais do estado do Acre.

Na mesma região, há o cais, já que as movimentação comerciais naquela época eram feitas exclusivamente pelo Rio Juruá.

“Antes mesmo de tomar forma, Cruzeiro do Sul já tinha uma planta. Nós somos uma das poucas cidades da Amazônia que nasceu com um planejamento. E, apesar das alterações, que são naturais em cada cidade devido à ocupação urbana, nós ainda temos muitas características originais de 1904 e 1905. Alguns historiadores são a favo de que a Praça da Bandeira se torne o marco zero da cidade, porque a cidade nasceu ali. A casa dos Ruelas é o endereço mais antigo da cidade, era o barracão do Pernambuco”, 

esclarece.

Casa de 1904 fica bem no Centro de Cruzeiro do Sul. Foto: Tácita Muniz/g1 Acre

Constelação 

O nome de Cruzeiro do Sul é justamente por conta da constelação, que, inclusive a descoberta está atrelada ao período histórico das Grandes Navegações, e a importância dessa constelação está ligada a sua utilização em termos de orientação e localização. O que faz todo sentido para a cidade acreana, que tinha grandes rotas comerciais feitas pelos rios da região.

A bandeira da cidade é simples e traz esse símbolo. O historiador também diz que é na cidade onde a constelação pode ser vista com mais clareza. 

“A bandeira de Cruzeiro do Sul, a gente não encontra no início dos jornais, ela vai surgir na década de 60 mais ou menos, aquele quadrado com aquela constelação de Cruzeiro do Sul, tem três ou quatro cidades com esse nome, mas a mais antiga é a nossa. Aqui também é o local onde a constelação é bem mais fácil de identificar, bem mais vista, se tivermos em uma noite bem estrelada”.

A população da cidade de Cruzeiro do Sul (AC) chegou a 91.888 pessoas no Censo de 2022, o que representa um aumento de 17,04% em comparação com o Censo de 2010. Com isso, ela é a segunda cidade mais populosa do Acre e a 30ª da Região Norte com mais número de habitantes.

*Por Tácita Muniz, do g1 Acre 

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

Árvore amazônica, Samaúma é escolhida como logomarca do Brics Brasil

Com cores relacionadas às bandeiras dos países-membros e gigante da floresta amazônica como inspiração para a logo, a Presidência do Brasil apresenta projeto visual do Brics 2025.

Leia também

Publicidade