O autor não só trata da eurocentrização da produção audiovisual na construção de narrativas que afetam a periferia como também se aprofunda no Coletivo Telas em Movimento, formado por pessoas negras e periféricas que produzem cinema em Belém.
No telão, na TV, no computador ou em um festival ao ar livre, o cinema é um modelo de produção presente na vida de muitos brasileiros. A “sétima arte”, como também é chamado, tem seu acesso facilitado pela internet e pelas plataformas de streaming. E quando o assunto é o conteúdo audiovisual?
Capaz de ratificar narrativas por meio de histórias que exibe, o cinema, por vezes, ratifica enredos recheados de preconceitos e pautados em uma visão eurocêntrica que deturpa grupos periféricos. Dentro do contexto brasileiro, por exemplo, a Região Norte recebe pouco protagonismo em produções nacionais ou, quando recebe, é retratada de tal maneira que pouco traduz a realidade. A periferia e a população majoritariamente negra que habita essa região são retratadas em contextos de pobreza, criminalidade e drogas, reiterando um sistema que marca seus corpos, suas histórias e suas vidas.
Mas de que forma é possível repensar esse processo? Essa é a discussão central levantada pela dissertação ‘Audiovisual, resistência e educomunicação na Amazônia paraense: a experiência do Telas em Movimento’. Com autoria de Valdecir Ramos da Silva Junior e orientação da professora Célia Regina Trindade Chagas Amorim, o trabalho foi defendido no Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia da Universidade Federal do Pará, em 2022. Na pesquisa, o autor não só trata da eurocentrização da produção audiovisual na construção de narrativas que afetam a periferia como também se aprofunda no Coletivo Telas em Movimento, formado por pessoas negras e periféricas que produzem cinema para falar da realidade da periferia, na cidade de Belém (PA).
Valdecir teve o primeiro contato com o Projeto Telas em Movimento em 2019, quando estava construindo seu projeto para o processo seletivo de mestrado. Na ocasião, o pesquisador buscava uma forma de tratar o cinema e o audiovisual sob uma nova perspectiva. Nesse momento, ele entrou em contato com a primeira edição do Festival Telas em Movimento, observando a pauta principal do coletivo, que propõe democratizar o cinema dentro das periferias, tanto no consumo quanto na produção. Assim, Ramos conduziu sua produção com um enfoque decolonial, que se afasta das visões de pensamento brancas e eurocêntricas, para pensar o Projeto Telas em Movimento como o espaço plural que representa a comunidade negra e periférica para além dos mecanismos de controle e dominação de um mundo capitalista e globalizado.
Periferia
“O Telas surge como um megafestival nas periferias da Região Metropolitana de Belém e, em quatro anos, está em outros estados. A ideia do festival surge nas mãos de pessoas muito talentosas que buscaram seu lugar no mercado de trabalho, com muita garra e muita luta. O festival entra como um retorno dessas pessoas que alcançaram as universidades públicas por meio de programas de incentivo ao ensino superior e agora buscam dar um retorno para a sociedade. O Telas é isso, uma janela do cinema para a periferia, mas também uma janela da periferia para as telas de cinema. Então acredito que o Telas mostra resultados consolidados”, avalia Valdecir.
O Projeto Telas em Movimento é produzido pelo Coletivo Negritar e reúne jovens negros de diversos segmentos culturais e de serviço das periferias de Belém, envolvendo cinema e audiovisual, produção artística, artesanato, música e moda, para propor um espaço de contribuição, tanto econômica quanto social, que constrói essa plataforma não hegemônica de produção e movimentação cultural.
Tais produções surgem da inquietação da juventude de periferia, que não se vê representada ou respeitada pelas iniciativas tradicionais. Desde 2019, já foram produzidos três Festivais de Cinema das Periferias da Amazônia, realizados anualmente, a Campanha “Fica no teu setor”, a Série “Produz no teu setor” e o Projeto “Telas da esperança”, desenvolvidos em 2020, de maneira on-line, em razão da pandemia da covid-19. Na mesma época, também foram realizadas distribuições de cestas básicas, kits de higiene e máscaras, cartilhas de prevenção da covid-19 e mobilização de agentes de saúde, com campanhas de divulgação que utilizavam a colagem de pôsteres com a técnica do lambe, grafite e estêncil.
“Numa perspectiva histórica, o projeto busca mostrar outro lado da periferia. Falar, sim, de violência, do abandono por parte do poder público, mas também mostrar outras narrativas. Colocar a periferia como centro de cultura, centro econômico e como centro dos principais processos de coletividade sensorial numa sociedade urbanizada, numa perspectiva social, é mostrar o potencial da juventude periférica, que, por muitas vezes, é subestimada na educação, no mercado de trabalho e em diversos outros espaços negados para esses jovens. Colocá-los como produtores de seus conteúdos possibilita-lhes que se envolvam nos espaços e decidam suas próprias estratégias de luta, de crescimento e de desenvolvimento na sociedade atual”, acrescenta o pesquisador.
Sobre a pesquisa
A dissertação intitulada ‘Audiovisual, resistência e educomunicação na Amazônia paraense: a experiência do Telas em Movimento’ foi defendida por Valdecir Ramos da Silva Junior no Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia da Universidade Federal do Pará, com orientação da professora Célia Regina Trindade Chagas Amorim.
*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Jornal Beira do Rio, da UFPA, escrito Jambu Freitas