Portovelhês: conheça o “jeitinho” de falar na capital rondoniense

Cada estado tem seu vocabulário próprio, como o amazonês e o acreanês, mas muitas dessas expressões acabam sendo parecidas devido a proximidade regional.

Quem não é de Porto Velho (RO), ao conversar com um nativo da capital rondoniense, pode ficar sem entender uma parte do diálogo. É que muitos moradores têm expressões peculiares para definir coisas do cotidiano, vocabulário conhecido como “portovelhês“.

Cada estado tem seu vocabulário próprio, como o amazonês e o acreanês, mas muitas dessas expressões acabam sendo parecidas devido a proximidade regional.

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A doutora em linguística Nair Ferreira Gurgel do Amaral, reuniu mais de 500 verbetes no livro ‘Carapanã encheu, voou: o portovelhês’, em que identifica e busca explicar as origens e uso de expressões dos moradores dessa “terra de muro baixo” (que acolhe todos que chegam).

Destacando que a língua é dinâmica e não pode ser delimitada rigidamente, Nair Gurgel explica o porquê de haver variações nas expressões e sotaques entre cidades de Rondônia.

“Tudo na língua depende do processo de colonização. Nosso jeito de falar tem muita influência, mas como eu disse, a língua é dinâmica, ela não para, ela muda, sofre influência e é por isso que Porto Velho e Guajará-Mirim, que são os dois primeiros municípios que foram criados têm sotaques diferentes do restante do estado”.

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Durante a década de 1970, com projetos de colonização, milhares de migrantes chegaram em Rondônia para ocupar a parte ao sul da capital. Os municípios que surgiram nesse período foram formados em maior quantidade por paranaenses, catarinenses, gaúchos e mineiros, explica Gurgel.

“Com o boom do “eldorado”, a construção da BR-364 e a vinda das pessoas do sul e sudeste pra cá é que foram surgindo novos municípios, entre eles Ariquemes. Então de Ariquemes pra lá, seguindo o eixo da BR tem outro jeito de falar por conta dessa influência”, explica.

Já em Porto Velho, a ocupação maior é de nordestinos que chegaram na cidade no segundo ciclo da borracha. A professora acredita que, na influência da fala, pouca coisa restou do primeiro ciclo da borracha que levou muitos barbadianos, ingleses e americanos à cidade.

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Já no segundo ciclo, durante a Segunda Guerra Mundial, muitos nordestinos que foram trabalhar como soldados da borracha se fixaram na cidade e deram tom ao jeito de falar em Porto Velho. “Maceta”, de origem cearense, “brocado”, “rangar” e “telezé” são algumas das influências nordestinas.

Na cidade, há também influência portuguesa de forma indireta, vinda de Manaus (AM). É chiado na letra “s”, lembra a professora. Outra influência portuguesa apontada por ela é o uso do “tu”.

“Não tem muita influência indígena no nosso sotaque, mas no vocabulário temos tudo, e na culinária que é toda baseada na cultura indígena, o tucupi, a farinha, macaxeira, tapioca”.

Hoje aposentada, Nair segue como professora voluntária da Unir e vende itens como camisas e chaveiros com as expressões típicas de Porto Velho.

Como prova do dinamismo da língua ela pontua que mesmo dentro de Porto Velho há variações entre grupos e localidades. Alguns exemplos são os pescadores, ribeirinhos e lavadeiras. Agricultores da região dos distritos de União Bandeirantes e Rio Pardo também têm um sotaque mais parecido com o das cidades do interior, já que foram formados por maioria mineira, paulista, gaúcha, etc.

Uma expressão comum a Porto Velho e o restante do estado é “piseiro”, lembra Nair. No entanto, ela explica que mesmo alguns achando que ela é originária de Rondônia, na verdade, durante uma das pesquisas, ela descobriu que “piseiro” vem de de Goiás e Mato Grosso.

“Onde cria muito gado, ele fica preso e de tanto pisotear, chamava aquilo de piseiro. Depois, os bailes no interior eram de chão batido também e chamavam de piseiro onde tem festa”, diz.

Confira algumas das expressões do dicionário portovelhês:

  • Arrumação – invenção
  • As mina pira – gíria utilizada por adolescentes para dizer que as meninas gostam muito
  • Assear – tomar banho
  • Baixa-da-égua – lugar para onde se manda quem está chateado, lugar distante
  • Bagaço – cansado
  • Baladeira – estilingue
  • Banho – balneário
  • Banzeiro – movimento das águas dos rios, produzido pelo vento ou quando passa uma embarcação; ondas no rio agitado
  • Beradeiro – pessoa que mora na beira do rio ou que sente orgulho de ser portovelhense. Antigamente, era utilizado para pessoa cafona, brega.
  • Brocado – fome
  • Cair na buraqueira – cair na gandaia, ir pra farra
  • Carapanã – nome dado aos mosquitos sugadores de sangue
  • Carapanã encheu, voou – provérbio usado quando uma pessoa faz uma visita rápida, come alguma coisa e vai logo embora
  • Casão – presídio
  • Catar – pegar algo
  • Cega – mentira ou não comparecer a um evento
  • Cemitério – jogar queimada
  • Chabocar a venta – dar murro na cara
  • Cuidar – fazer algo rápido
  • Dar fé – perceber
  • Dar uma pedrada na gatinha – xavecar, aproximar-se de uma garota
  • Desmantelado – desarrumado
  • Eita pau – expressão de espanto, surpresa
  • Enxerido – intrometido
  • Espocar – estourar
  • Fuleragem – não presta
  • Gaiato – fazedor de graça
  • Galeroso – marginal
  • H (agá) – papo furado
  • Ir pra Juquira – ir pro mato
  • Jauera (já era) – já foi, perdeu
  • Lazarento – infeliz
  • Leseira – preguiça, falta de atenção
  • Maceta – coisa grande
  • Mais sujo que acari-bodó em poço de lama – pessoa que deve muito ou que já cometeu muitos crimes
  • Mangar – tirar sarro, caçoar
  • Mana – amiga, colega
  • Meu ovo! – discordância com algo
  • Moscar – faltar atenção
  • No doze – algo muito bom
  • Nem com nojo – não mesmo
  • Noiado – usuário de entorpecente
  • Orelha seca – ajudante de pedreiro
  • Papagaio – pipa
  • Peia – coça, pisa, surra
  • Peteca – bola de gude, bolita
  • Presepada – ato vaidoso ou extravagante para atrair a atenção, palhaçada, confusão
  • Que só, oh! – representa grande quantidade
  • Rabeta – pequena embarcação tipo canoa usada por ribeirinhos e movida a motor de baixa potência
  • Refrigerante de dois litros – pessoa que vai bem até a metade, depois perde o gás
  • Saltenha – salgado de origem boliviana recheado com frango e batata
  • Só a capa da gaita – pessoa magra demais
  • Te mete! – ir bem em algo, humilhar
  • Telezé – tu é leso, é?
  • Tô mesmo (Tô mermo) – confirmação
  • Tobó – bobo, imbecil, idiota
  • Zoada – barulho, gritaria

*Com informações da reportagem escrita por Diêgo Holanda, da Rede Amazônica RO

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