De acordo com o arqueólogo Márcio Amaral, os muiraquitãs mostram a complexidade dos antigos povos da Amazônia.
Um objeto de pedra verde, feito em forma de rã ou sapo e que cabe na palma da mão. Essa é a versão mais conhecida dos muiraquitãs, artefatos da Amazônia antiga que permanecem muito vivos na cultura local. Os “sapinhos” verdes atualmente são símbolos de sorte, proteção e amor.
Para arqueólogos, como Márcio Amaral, eles também representam evidências de um passado movimentado e complexo em terras amazônicas. Uma jornada que começou bem antes do contato com os europeus e teve continuidade durante a colonização.
De acordo com o pesquisador, ao longo de diversos trechos da Pan-Amazônia, existiam “extensas e ramificadas redes de trocas, que integravam diversidade étnica e mantinham relações conexas e intrínsecas em torno dos objetos de pedras verdes”.
Os muiraquitãs tinham alto valor, funcionando como moedas da época, e circulavam por diferentes sociedades que habitaram esse território séculos atrás, atravessando até milhares de quilômetros.
“Já foram encontrados muiraquitãs no Maranhão, nas Antilhas, nas Guianas, o que indica um extenso fluxo entre esses povos antigos”, conta o arqueólogo do Instituto Mamirauá.
Os objetos estavam ligados “a rituais de fertilidade, à água, à fartura. Então tinha toda uma simbologia e ideologia tanto política, quanto religiosa, que era pano de fundo do muiraquitã”.
Um dos maiores centros de produção dos amuletos verdes ficava na região hoje conhecida como Baixo Amazonas, que abrange municípios paraenses como Prainha, Monte Alegre e Santarém. Esse foi o ponto de partida de Márcio Amaral, que buscou identificar as ferramentas e reproduzir a maneira como os muiraquitãs eram manufaturados pela sociedade indígena Tapajós, provavelmente, a partir do século 8 d.C. (depois de Cristo), em um tempo e contexto onde os metais não estavam na lista de ferramentas.
Para a pesquisa, foram analisados muiraquitãs arqueológicos da coleção Juma Janaína, pertencente à Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa). “Conseguimos estabelecer uma linha de pesquisa e, por meio de uma série de testes, reproduzir como esses materiais eram fabricados”.
Além da manufatura em si, Márcio traçou um panorama espacial e histórico das relações sociais envolvendo os muiraquitãs. “Fomos atrás de subsídios, desde a construção e formação de paisagens na Amazônia, trocas entre grupos indígenas que estavam geograficamente muito distantes, e questões ligadas à religião, à guerra, a fontes de matéria-prima e ao material utilizado para a confecção”.
O estudo foi realizado com orientação do Prof. Dr. Claide de Paula Moraes, dentro da graduação em Arqueologia da Ufopa, que Márcio Amaral cursou entre os anos de 2012 e 2017. Apesar de ser recém-formado, o pesquisador tem grande experiência na área, e atua como técnico de campo e laboratório desde o início dos anos 2000, tendo trabalhado com grandes nomes da arqueologia amazônica, como Anna Roosevelt e Denise Schaan.
A monografia, chamada “Contextualização espacial histórica e tecnológica dos muiraquitãs amazônicos”, foi escolhida com unanimidade pelo júri do prêmio Luiz de Castro Faria – 2018.
Para Márcio Amaral, que desde 2015 integra o Laboratório de Arqueologia do Instituto Mamirauá, o reconhecimento com o prêmio Luiz de Castro Faria-2018 é “um estímulo, saber que o trabalho que se faz vai servir de referência para outras pesquisas. É assim que o conhecimento é ampliado e a ciência avança”.
A premiação é realizada desde 2013 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) junto ao Centro Nacional de Arqueologia (CNA). Também foram reconhecidos artigos científicos, uma dissertação e uma tese, todas no campo da preservação do patrimônio nacional e da arqueologia.