‘Faço por amor’: parteira já ajudou no nascimento de mais de 200 crianças no Amapá

Ela trabalha 'aparando' crianças desde 1974, já fez 202 partos e conta que cada situação foi marcante e importante para a sua história como parteira.

A dona Maria Raimunda de 74 anos, mais conhecida como ‘Tia Raimundinha’ mora na Vila de Mazagão Velho, no Amapá, e mantém a tradição das parteiras viva há mais de 48 anos na Vila Queiroz, um lugar com apenas quatro residências.

Leia também: Ofício, saberes e práticas das parteiras tradicionais são declarados Patrimônio brasileiro

Ela trabalha ‘aparando’ crianças desde 1974, já fez 202 partos e conta que cada situação foi marcante e importante para a sua história como parteira. ‘Tia Raimundinha’ contou que possui essa paixão desde muito nova, sendo uma tradição passada de mãe para filha.

“Esse é um dom que Deus me deu. Minha mãe era parteira mas nunca me ensinou a fazer um parto. Vi pela primeira vez quando ainda era menina, íamos fazer um parto que acabou sendo antes da hora, e gostei muito de fazer aquilo e até hoje faço por amor”, contou.

Paixão pelo trabalho

Com os anos, ela buscou aprimorar o serviço, modernizando os equipamentos. Mesmo sem saber ler ou escrever ou mesmo ganhar algum dinheiro com os partos, ela não deixou de se capacitar na área onde ama atuar e até hoje guarda todos os certificados que adquiriu de todos os cursos de parteira que fez.

Raimundinha fez a maioria dos partos sozinha, inclusive em outros municípios, além de Mazagão. Ela orientava as parturientes sobre os cuidados que deveriam ter antes de dar a luz.

“Eu mandava ela tomar um banho, depois tomar um caribé bem forte para as dores, pra ficar bem forte as dores nela. Eu dizia pra ela, não fazer força antes de vir a dor. Por que pode dilatar a veia aqui do pescoço”, disse.

Ela mostrou também os cuidados com o bebê após o nascimento e que sempre tratou todos com muito carinho, imaginando seus próprios filhos.

Dona Raimunda buscou modernizar e aprimorar o trabalho durante os anos, sem ganhar nada em troca. Foto: Isadora Pereira/Rede Amazônica

Oficialmente, não há registro de nascimento dos bebês, mas a parteira com seu próprio caderno de registros anota cada uma das crianças em que contribuiu no nascimento. Nos livros, são anotados os nomes, o peso, data de nascimento e estado de saúde de cada vida.

Dona Raimunda sempre pede aos filhos para que anotem sua história. Em sua mesa, inúmeros cadernos com anotações são encontrados, inclusive, o de ‘como fazer um parto tradicional’.

Todas as receitas de remédios caseiros que faz com plantas medicinais cultivadas na sua própria horta também são anotadas em um caderninho, segundo ela, as receitas são sagradas e milagrosas, já que além de parteira, ela também é curandeira.

A Maria Luiza Barriga de, 69 anos, também parteira e técnica em enfermagem, era uma das parceiras da ‘Tia Raimundinha’ e a ajudou em alguns partos. As duas, são as únicas nessa função nas redondezas do município de Mazagão.

“Eu gosto, mas é muito difícil fazer um parto e hoje em dia não tenho mais muita saúde. Minha bisavó e a mãe da Raimunda foram as primeiras parteiras daqui, depois essa tradição passou pra gente, já fizemos muitos partos”, disse.

Maria e Raimundinha realizaram inúmeros partos no interior do AP. Foto: Isadora Pereira/Rede Amazônica

Fé cristã

A fé é um pilar para Raimundinha, que possui inúmeras figuras de santos e segue tradições da igreja católica. Ela contou que além de anotados e registrados, cada bebê também recebe uma oração própria e a mãe quando está prestes a dar a luz, recebe o ‘amuleto sagrado’, que conforme ela, faz o processo acontecer sem complicações.

O amuleto é colocado em volta do pescoço da mãe. A parteira contou que ele sempre funciona, já que nenhum dos 202 partos que fez, tiveram qualquer tipo de interferência ou dificuldade.

Reencontro com um dos ‘filhos’

Durante a entrevista, a dona Raimundinha encontrou de forma emocionante um dos 202 bebês que ajudou no parto. A Francisdalva Silveira, que já tem 33 anos e é enfermeira. Ela contou que já foi da área da educação, mas suas raízes a levaram de volta para a saúde.

“Eu tive a honra de nascer pelas mãos dessa mulher, que eu gosto de chamar de vó pois tenho um carinho muito grande. Tenho orgulho de dizer e maior orgulho mesmo ainda de estar com ela presente na minha vida, me acompanhando e ter o privilégio de conhecer a mulher que fez o meu parto”, contou a enfermeira.

Dona Raimunda contou emocionada sobre a gratidão de poder ver um de seus ‘bebês’, crescendo e se transformando em uma pessoa amável e trabalhadora.

*Por Isadora Pereira, da Rede Amazônica AP

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