Saiba quais são as lendas, mitos e rituais levados ao bumbódromo no 57° Festival Folclórico de Parintins

Para cada ano, lendas, mitos e rituais indígenas são escolhidos e apresentados ao público, revelando a riqueza ancestral da Região Norte.

A cultura amazônida em plena exaltação é encontrada no Festival Folclórico de Parintins, no Amazonas. Para cada ano, lendas, mitos e rituais indígenas são escolhidas e apresentadas ao público, relevando a riqueza ancestral da Região Norte.

Para 2024 não poderia ser diferente. Aliás, alguma diferenças são apresentadas pelos bois-bumbás Caprichoso e Garantido este ano, como a participação de representantes dos povos originários. Confira o que é apresentado ao público na 57ª edição da festa:

CAPRICHOSO

1ª noite – 28 de junho

Lenda amazônica: A dona da noite

“A cultura é uma expressão de várias vozes, guardadas no tempo pela sabedoria que vai se transmitindo de geração a geração”, assim explica Gilvana Borari, mulher indígena do Conselho de Artes do Boi Caprichoso.

Reconhecemos nossa raiz entrelaçada à oralidade dos povos originários. A cobra grande é um elemento onipresente no imaginário local, raiz de uma cultura intricada com o meio ambiente, em que ser humano e natureza formam uma unidade. A lenda amazônica é uma história que ilustra a cultura dos povos da Amazônia, inserida no contexto do Boi de Parintins. Nesta primeira noite, ela emoldura nossa ancestralidade por intermédio de uma narrativa indígena, remetendo-nos à raiz do saber dos povos da floresta.

A noite, com suas mil estrelas, símbolo do Boi Caprichoso, durante muito tempo, não existia na terra. Escondida no fundo do rio, ela dormia no Reino da Cobra Grande. Ninguém sabia de sua existência. Naquele tempo, de dias ensolarados, muitos animais ainda não existiam e tudo o mais falava com os seres humanos, como as pedras e as plantas.

Um dia, a filha da Cobra Grande, Inhambu, uma mulher que habitava no rio escuro, abandonou seu reino e foi viver na floresta. Lá, conhecera Tacunha, líder do povo tupi e, com ele, decidiu se casar. Após o casamento, Tacunha chamou a esposa para a sua rede, mas a Filha da Cobra Grande se recusou e disse que só iria deitar-se com ele caso trouxesse a noite, que Tacunha desconhecia, mas que estaria dentro do caroço de tucumã guardado pela Cobra Grande, a poderosa Boiuna, mãe de Inhambu.

Tacunha atendeu o pedido de sua amada e partiu para o Reino da Serpente. Ao receber o caroço da grande Boiuna, Tacunha retornou para sua aldeia, porém num ato de desobediência, a curiosidade de saber o que tinha dentro do caroço tomou conta dele e de outros guerreiros, fazendo que abrissem o caroço proibido e libertassem o manto escuro da noite.

A escuridão invadiu toda a mata cobrindo rios e árvores: uma gigantesca esfera luminosa, a lua, emergiu no céu ladeada por inúmeras estrelas. Assim, todas as coisas da floresta foram se metamorfoseando – cestos trançados em onças pretas e pintadas, troncos e pedras em pássaros, como o gavião, galo da serra, socó, araras, tucanos, colibris e outros bichos, como camaleões e lagartos, que embelezaram a vida e transfiguraram a raiz cultural de nosso povo.

Imagem: Reprodução/Revista oficial Boi Caprichoso 2024

Encontro cerimonial: Muaritisawá, o renascer de Abya Ayla

Continuando nossos saberes que entrelaçam gentes e lutas, mais um momento de dança cerimonial dos originários da terra se inicia no solo sagrado Caprichoso. O retorno e a defesa das ancestralidades têm nas mulheres indígenas da Amazônia a sua maior força e expressão. Os tambores rufam, tocam e sibilam; são elas, com tacapes, bordunas, flechas, incensos e pinturas, uma multidão de corpos em um só corpo e espírito, em defesa de seus territórios.

Muatirisawá é palavra de origem indígena que significa união. E é pelo conceito de união que as mátrias ameríndias cantam e dançam. Abya Ayla e Pachamama se unem nas mesmas dores, unindo os continentes de uma ponta a outra para resistir às opressões do colonialismo, do patriarcado e do capitalismo. Cantar e dançar para o sagrado, para que se complete o ciclo de trocas. Pegar algo sem deixar nada no lugar é usurpação. Por isso, nossos povos indígenas, unidos, retribuem todo o afeto de Abya Ayla renascida, entregando seus corpos em movimento para Pachamama se sentir agraciada por vidas felizes que de seu ventre saíram.

Na tradição de lutas, as mulheres se conectam aos deuses e às deusas, em movimentos sincopados e com destreza. Aliás, a Amazônia tem muitas mães, mães-guerreiras, Ceucis e Nhanderequecis, que se reconhecem enquanto povo ao ouvirem o ecoar do tambor. “Chega meu povo que a dança começou!”, dizem elas. “E nossa dança é guerra!”. Eis o prenúncio para a chegada de nossas tuxauas.

Imagem: Reprodução/Revista oficial Boi Caprichoso 2024

Momento coreográfico: Bicho folharal, o espírito da luta dos povos-floresta

“Os entes são nossos exemplos e são eles que nos orientam e nos ensinam”, diz Ira Maragua, tuxaua do Boi Caprichoso.

Os personagens dos mitos são os seres sobrenaturais e a Amazônia é o território sagrado onde ainda existe unidade entre o pensamento e a vida, o imaginário e o fazer diário, o sonho e a realidade. O Bicho Folharal é um dos representantes das entidades encantadas que guardam a Amazônia, raiz da luta pelo território que herdamos de nossas matrizes indígenas.

Aliás, uma raiz que fortemente adentra o solo e dele se nutre: aprendemos com as culturas dos gentes-floresta a sermos nós também vários “Bichos Folharais”, guerreando sem parar contra toda ganância predatória que sobre nosso solo, regado de cuidado por nosso povo, possa se abater pelo Capital que não vê nada além do lucro. Antes de entrar na floresta, peça licença!

O Bicho Folharal é um dos seres mais fantásticos do imaginário popular da Amazônia. Em todas as suas representações, costuma ser uma entidade protetora que afugenta os invasores e destruidores dos rios e das florestas. Seu corpo é coberto de folhas e galhos, suas pernas são troncos e cipós, seus olhos lampejam luzes fumegantes que assustam e cegam os gananciosos inimigos da floresta. Camuflado, ele se aproxima sem ser notado e pune severamente madeireiros, garimpeiros e quaisquer outros que ousem retirar da floresta mais do que o necessário para sobreviver.

Camuflados em folhas, bichos e mimetismos outros, vamos, cada um a seu modo, tentando unir forças com o guardião do nosso hábitat, obviamente, tendo em vista que opressões estruturais só podem ser efetivamente combatidas por respostas coletivas.

Imagem: Reprodução/Revista oficial Boi Caprichoso 2024

Ritual indígena: Rito de transcendência Yanomami – Mothokari, a fúria do sol

Em sua estada em Parintins, a convite do Boi Caprichoso, Davi Kopenawa Yanomami nos contou que recebeu o nome “Kopenawa” em referência à bravura do espírito da “vespa” que o acompanha em suas viagens ritualísticas.

Com sua voz rouca, o guardião da floresta nos ensinou que, ao inalar a yãkoana, a sua alma deixou o corpo e, pela primeira vez, voou ao peito do céu onde contemplou as faces iluminadas dos Xapiris e pôde ver o que acontecerá com o futuro do seu povo e da sua amada Hutukara, se a ação predatória da floresta não for contida.

Esse relato está contido também na obra ‘A queda do céu’, escrita em parceria com o etnólogo francês Bruce Albert. Na leitura artística do Festival de Parintins, recriaremos, na criatividade dos artistas do Boi Caprichoso, o ritual de transcendência Yanomami, em que o pajé, por meio do xamanismo de cantos, danças e o inalar do paricá, lutará contra a fera de fogo Mothokari.

O ser Sol desce do céu, libertado pela fragilidade de sua casca que a cada dia aumenta, em consequência das atividades do garimpo, derrubada de árvores, da mineração desenfreada e outras tantas profanações que acometem a terra. Mothokari se aproxima de Hutukara para devorar os humanos, deixados, por seu calor, cansados e doentes, como o próprio David Kopenawa nos ensina em ímpar figura de linguagem: “como se fossem macacos moqueados”.

O pajé, unido de outros Xamãs, incorpora o espírito de vespa para juntos travarem a grande batalha, aplacando a fúria de Mothokari que se apazigua diminuindo um pouco mais do calor que assola todo o nosso planeta.

Imagem: Reprodução/Revista oficial Boi Caprichoso 2024

2ª noite – 29 de junho

Lenda amazônica: O engeramento de Chico Patuá, um herói da resistência popular

“Até hoje, quando nós passamos pela frente de certas comunidades ribeirinhas, muitos correm para dentro de suas casas com medo. São lembranças da violência das milícias legalistas da época da Cabanagem” – Prof. Dra. Iolete Ribeiro, pesquisadora da Universidade Federal do Amazonas.

Neste momento, iremos narrar o fruto da memória dos remanescentes do maior levante popular brasileiro, ocorrido na região do Grão-Pará, no Período Regencial: a Cabanagem.

Os antigos contam que entre as forças rebeldes, formadas majoritariamente por negros, indígenas, mestiços e demais camadas empobrecidas da população, surgiram muitos heróis representantes do levante popular, os quais, juntos de companheiros de luta, resistiram às forças legalistas e escreveram suas histórias para sempre nas memórias das pessoas, especialmente as elites econômicas brasileiras que passaram a temer outras revoltas nos moldes cabanos.

Assim é a história de Chico Patuá, um herói do povo protegido pelo sagrado patuá, um amuleto herdado de sua avó indígena. Descendente de pessoas escravizadas, criado sem saber quem era o seu pai e após passar por muitos infortúnios, Chico teve seu corpo fechado ainda criança. Com a morte da mãe, foi criado pela avó, que a ele ensinou o segredo das ervas e modos de obter domínio sobre as forças e entes da natureza. Durante a Revolução, Chico liderou um grupo para permanecerem na luta pela liberdade.

Camuflado pela escuridão da noite, Chico despistava seu antagonista, o impiedoso Dom Rodrigo, figura controversa que serviu aos interesses dos legalistas, os quais não hesitaram em perdoar seus crimes, desde que o vilão trouxesse o lendário Chico Patuá para ser exemplarmente punido. Enquanto isso, temido por uns e venerado por outros tantos que se alimentavam e se inspiravam com as suas conquistas que eram contadas ao longo dos beiradões de rio, o lendário Chico Patuá crescia e se fortalecia.

Mas qual era o segredo de Chico Patuá para resistir a tudo isso? O amuleto protegia o corpo do herói que seguia sua empreitada, que se engerava em bicho durante os combates e conseguia aliados entre os encantados da floresta. Chico poderia virar pássaro negro, onça, sucuri, morcego, aparecendo em um canto e reaparecendo em outro.

O movimento cabano pereceu, mas Chico Patuá não. Seu último segredo, após derrotar o assassino Dom Rodrigo, foi sumir na derradeira batalha junto de sua companheira. Hoje nos perguntamos: para onde foi o temido Chico Patuá? Sumiu nas águas escuras do rio? Incorporou-se em Andirá para nunca mais voltar? Somente de uma coisa temos certeza: o seu legado permanece vivo na tradição do povo da Amazônia.

Imagem: Reprodução/Revista oficial Boi Caprichoso 2024

Ritual indígena: Rito de transcendência Marubo

O povo indígena Marubo reside ao sudoeste do Amazonas, no alto curso dos rios Curuçá e Ituí, na Terra Indígena Vale do Javari. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), os Marubo possuem uma cosmogonia complexa: acreditam que o cosmos é formado por várias camadas celestiais e a origem de todas as coisas está nas formas da natureza.

As narrativas dessa ritualística cosmogonia Marubo são feitas de forma cantada pelo Romeyá ou Xamã. Devido à quantidade de detalhes, estes cânticos são ensinados para as crianças desde cedo. É na oralidade que se encontram os fundamentos do nosso ritual, a viagem cósmica do herói mítico Vimi Peya. O velho Romeyá aspirou rapé, tomou ayahuasca e cantou os iniki.

Vimi Peya adquiriu todo o conhecimento Marubo em sua viagem ao mundo das águas. Encantado por duas mulheres-peixe Machin Mashe e Machin Rani que o levaram para o seu mundo tornandose suas esposas, desta forma, permaneceu no fundo do rio aprendendo os segredos dos kenes das águas.

Em noite de escuridão, o grande Vimi Peya, xamã Marubo, chamado pelas águas e sacralizado pelo ayahuasca, teve o corpo transformado em gigantesco animal nas margens do rio, para nele imergir e ressurgir como sacaca. Em suas visões transcendentes, rasteja com os bichos e vê revelado o segredo da maloca profunda.

Cabe a ele trazer do fundo essa aldeia erguida, por ser a morada dos espíritos, com suas falanges de jacarés regendo a transmutação humana. Desnudem o ritual pelo olhar transcendente do grande Vimy Peia, o pajé Marubo.

Imagem: Reprodução/Revista oficial Boi Caprichoso 2024

3ª noite – 30 de junho

Lenda amazônica: Do cataclismo Macurap ao reflorestar da vida

O narrador indígena Buraini Andere Macurap nos conta sobre o cataclismo criado pelos irmãos Nambuê e Beüd, do Povo Macurap.

Em noite de lua, o xamã Macurap previu em seu transe que uma gigantesca alagação aconteceria: era Beüd que desceria dos céus ladeado por borboletas negras, trazendo muitas chuvas. Na pajelança, o xamã foi alertado por Nambuê que ainda existiria uma esperança para seu povo.

Nambuê avisou que se deveria pegar um curumim e uma cunhantã, animais de todas as espécies e sementes de todas as árvores e frutas, juntar tudo e colocar dentro do oco da maior samaumeira de todas, aquela nascida no cimo da colina. Assim foi feito.

Após o transe, o xamã e seu povo recolheram as crianças, bichos e sementes, colocando dentro da grande samaumeira. A árvore foi fechada com cera de abelha e logo foram ouvidos os primeiros trovões que anunciavam a dolorosa alagação. Muitos dias difíceis se passaram.

Quando não mais se ouvia barulho do lado de fora da samaumeira, eclodiu o grasnar de uma arara: era o canto da arara juba e sua plumária amarela, anunciando dias melhores a caminho.

O curumim e a cunhantã saíram da grande samaumeira libertando todos os animais e replantando um jardim de esperança e de uma nova consciência para a vida. A terra-vida torna-se plena, verdadeira, equilibrada, perfeita. É batizada pelos Macurap de Kaleá. Os Macurap, por meio da narrativa aqui desenvolvida, alertam que Kaleá precisa ser cuidada constantemente. Infelizmente, hoje ela está de novo adoecida pela ganância humana

Imagem: Reprodução/Revista oficial Boi Caprichoso 2024

Ritual indígena: Rito de cura da terra – Awa Guajá, o esperançar da floresta

“O tempo é agora, o futuro não demora. A ganância é a corda que nos enforca”.

Quanto tempo nos resta? Para esmiuçarmos essas reflexões do reflorestar das consciências, recorremos ao povo indígena Awa Guajá. Para os Awa Guajá, sem a caça, o mel e a água terrena, a vida fenece. O desequilíbrio ecológico é também um desequilíbrio cósmico, pois os karawara, como chamam as entidades com as quais mantêm contato no universo extrafísico, vêm para a aldeia em busca de alimentos. O fim da vida pode ser trazido pelo desmatamento e degradação do ambiente, viralizando penúria, dor e lamento.

Longe de serem fatalistas, os Awa Guajá lutam pela floresta de pé, pois o mundo dos espíritos está em consonância com o mundo dos Awa. Neste rito, caminhamos para finalizar a noite com a esperança da estrela, ecoando a mensagem da continuidade da fauna, da flora e dos seres humanos. Inclusive, para os Awa Guajá, cantar é um aspecto central, praticando o jã paryhy (cantar bonito), que implica cantar forte. Oferecemos aos karawara as oferendas para que a floresta nunca pereça, tal qual nossos irmãos e irmãs Awa Guajá o fazem em seu rito festivo e de esperança.

Imagem: Reprodução/Revista oficial Boi Caprichoso 2024

GARANTIDO

1ª noite – 28 de junho

Lenda Amazônica: Noçokem

Contam os sábios Sateré-Mawé que antes havia somente uma pedra e nela desenhos de todos os seres que viriam a ganhar vida: plantas, animais e humanos.

O mundo e tudo que nele vive se originou neste local sagrado, o Noçokem, localizado no coração da floresta amazônica. Sucede que, quando essa pedra se movimentou, a Cordilheira dos Andes se ergueu e deu início a um mundo novo: a floresta encantada surgiu e o tempo passou a ser regido pelos poderes de Onhiamuaçabê, a criadora do mundo Sateré-Mawé.

Mas, Onhiamuaabê, seduzida pela luz, engravidou de uma cobra e, que gerou fúria nos seus irmãos Ocuamatô e Icuaman, que a expulsaram da floresta. Quando Onhiamuaçabê deu à luz ao seu curumim, os tios odiosos o mataram. Onhiamuaçabê em prantos, recolhe o corpo do filho, plantou o olho direito na terra amarela e, assim, nasceu o çapó, o verdadeiro guaraná.

As outras partes do corpo ela enterrou nas cabeceiras do rio Marau. Dele brotaram todos os animais que hoje habitam a floresta. O último ser a sair da cova foi o próprio filho de Onhiamuaçabê. O curumim ressuscitou, dando origem ao povo Sateré-Mawé. O amor no coração de Onhiamuaçabê fez a humanidade nascer e crescer na floresta encantada do Noçokem.

Imagem: Reprodução/Revista oficial Boi Garantido 2024

Ritual Indígena: Transcendência Kanamari

No tempo mítico Kanamari, o Céu Antigo, Kodoh Kidak, desabou, mas logo surgiu um Céu Novo, o Kodoh Aboawa. É dentro do Kodoh Naki que vivem os Kohana e a maioria das almas dos mortos. Na visão Kanamari, o mundo é delimitado pelo jaguar onipresente, um dyohko.

O poder sobrenatural deste ser é capaz de equilibrar forças contrárias, afastar pessoas sinistras e espíritos imprestáveis, os adyab, curar enfermos, e conduzir os mortos ao bom céu. Quando flechas invisíveis enfeitiçadas atingem os Kanamari, doenças e mortes os atormentam, a alma dos mortos apavora os vivos. Os adyab, para os Kanamari, são a personificação dos coronéis de barranco do tempo da borracha e dos garimpeiros invasores de hoje.

Só o pajé, com seus poderes superiores, pode neutralizar e vencer as forças maléficas que afligem seu povo. Por isso, é que ele viaja para outros mundos, de onde lança ventos de um novo alvorecer, que afastam as doenças e os fantasmas das malocas Kanamari. A cura da terra virá com força do coração do jaguar, no ritual de transcendência Kanamari.

Imagem: Reprodução/Revista oficial Boi Garantido 2024

2ª noite – 29 de junho

Lenda Amazônica: As icamiabas

Em 1542, os anhangás kariwas liderados pelo espanhol Francisco Orellana, desceram o Grande Rio. E, aqui, na região de Tupinambarana, na foz do rio Nhamundá, foram confrontados e derrotados pela força, habilidade e inteligência das belas cunhãs Ycamiabas, lideradas por Ikonori. O padre Gaspar de Carvajal, escriba da expedição de Orellana, as definiu como as Amazonas.

No imaginário de nossa gente, essa história, passada de geração a geração, fala sobre mulheres guerreiras, cujo valor moral maior é a liberdade! Montadas em bichos das matas e do fundo do rio, “ingerandas” de poder sobre-humano, surpreendem o inimigo por terra e água.

Suas flechas e lanças certeiras não deixam alternativa ao invasor que, derrotado, o que lhe resta é fugir. Para celebrar a mais bela representação da fibra e coragem da mulher amazônica, o Garantido apresenta a Lenda das Amazonas.

Imagem: Reprodução/Revista oficial Boi Garantido 2024

Ritual Indígena: Huni-Kuin

O mundo vive em constante ameaça e suscetível a transformações. Para o povo Huni Kuin, as doenças, os inimigos e as catástrofes naturais são manifestações da força maléfica de Nawa.

Quando forças do mal permeiam a vida, o pajé Huni Kuin viaja para desenhar um mundo sem males. A chacrona em seus olhos abrirá sua visão; ingerado em jiboia ele é possuído pelo saber superior ancestral. Ayahuasca é servida e ele viaja em busca do Yuxibu, o pai do desenho verdadeiro.

Então, pajé Huni Kuin chega um espaço sobrenatural, canta com os espíritos e, juntos, redesenham o mundo. A jiboia se transforma em onça e devora todo o mal. A ganância cai, a ambição desmedida se desfaz. Em seu ritual, os Huni Kuim mostram que um mundo sem males é possível.

Imagem: Reprodução/Revista oficial Boi Garantido 2024

3ª noite – 30 de junho

Lenda Amazônica: Uirapurú

O uirapuru é uma ave majestosa da nossa fauna. Seu cantar é tão belo e singular que faz o imaginário amazônico fluir em inúmeras histórias encantadas. Em cada lugar da Amazônia sempre há alguma testemunha do canto afetuoso que deixa em êxtase os demais animais da floresta.

Contam os antigos Sateré-Mawé que, quando o rio Andirá não existia, suas malocas estavam longe do Tapajós, o rio mais próximo. Por isso, os indígenas precisavam caminhar horas e até dias para alcançar o único rio, onde eles pescavam, se banhavam e contemplavam as suas águas verdes.

Certo dia, o guerreiro Wassiri, o grande amor da cunhã Yaci, em caminhada pela floresta, foi enfeitiçado pela cobra jararaca e se perdeu na mata para sempre. Yaci em prantos caiu em tristeza profunda! De suas lágrimas nasceu o rio Andirá, e para lá o povo Sateré-mawé foi morar.

Compadecido com o sofrimento de Yaci, Tupã a transformou no uirapuru, o pássaro cujo canto expressa o verdadeiro amor.

Imagem: Reprodução/Revista oficial Boi Garantido 2024

Momento Folclórico: Yara e o Boto

O curral do Boi Garantido é na beira do rio Amazonas e, temos orgulho de ser perreché. Nossos vaqueiros são varzeiros da fé em Nossa Senhora e do respeitam os encantados do fundo do rio, a Yara e o Boto são seres dessa convivência no habitat do Boi do povão.

Imagem: Reprodução/Revista oficial Boi Garantido 2024

Ritual indígena: Jeroki Kaiowá

Para o povo Guarani Kaiowá, o sol é o segredo da vida, fonte de toda ternura que traz leveza aos corações, a força vital que sustenta todos os seres. Pa’i Kuara, o pajé ancestral, ser celestial e criador do universo, é o próprio sol.

Se o sol se for para sempre o caos se instalará, a vida na terra desaparecerá. Para que o Deus Sol, não se vá para sempre, todas as noites os Guarani Kaiowá realizam o ritual Jeroki.

Assim, ainda quando o sol está vermelhando no poente começam os preparos, os Kaiowá se adornam com jeguaka, cocares, colares, pinturas corporais, juntam os instrumentos musicais (mimby, mbaraka, tapuaku) na Oga Gusu, maloca que é templo e casa do Pajé.

O Pajé com a ajuda dos espíritos se movimento em gestos de limpar o caminho e limpar os corpos dos participantes. Jeroki é um ritual xamanístico cotidiano que religa os Guarani Kaiowá ao Pa’i Kuara, sua função é o equilíbrio do cosmos, a garantia da vida. Mas para chegar à aldeia divina e ancestral onde pa’i kuara faz morada, é preciso percorrer o jeguaka, a trilha do relâmpago, um caminho sobrenatural repleto de feras e seres malignos.

Uma luz espiritual ilumina o pajé, dando-lhe sabedoria e força, revitalizando os corpos, trazendo ternura, paz e vigor para os enfretamentos do dia-a-dia. Para o Deus Sol, os humanos são como pássaros, e os alerta para terem força e lutarem pelos seus territórios invadidos e devastados pelo homem branco.

O ritual jeroki Guarani kaiowá faz o mundo girar, é certeza que após a noite o dia virá, a perpetuação da vida pelo ato de cantar. Com o ritual Jeroki o equilíbrio do cosmos está garantido.

Imagem: Reprodução/Revista oficial Boi Garantido 2024
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