Grafismo indígena: a importância da arte como símbolo de resistência dos povos originários

Além da pintura corporal, o grafismo pode ter diversas outras funcionalidades. Está presente em quadros, paredes e até mesmo roupas.

Na cultura indígena, existem várias manifestações artísticas que representam tradições, pensamentos e formas de expressão. Não só as populações indígenas, mas a sociedade em geral, em diversos momentos, transmitiu conhecimento e informação ao longo de gerações por meio da arte.

📲 Confira o canal do Portal Amazônia no WhatsApp

Uma dessas manifestações que possui influências majoritariamente dos povos africanos e indígenas é o grafismo. Essa arte prioriza linhas, formas, cores, técnicas detalhadas e pode se utilizar de elementos da natureza.

“Por trás de todos esses traços vem uma história sendo repassada, relatam sobre as nossas lutas, as simbologias vem tratando dos animais, vem tratando da floresta, da nossa medicina indígena, que para nós é algo bem espiritual”, aponta o indígena Amadeu Sateré-Apurinã.

Foto: Amadeu Sateré-Apurinã/Acervo pessoal

Há uma década, Amadeu, que hoje tem 19 anos de idade, realiza pinturas corporais com grafismos indígenas em Manaus, desde que se mudou para a capital amazonense para estudar e se estabeleceu com a família na comunidade indígena Parque das Tribos, no bairro Tarumã Açu.

Localizada na zona oeste da capital amazonense, a comunidade é um espaço multiétnico que é exemplo de resistência e união entre os povos tradicionais indígenas. Primeiro bairro indígena de Manaus, o local foi fundado em 2014 e abriga mais de 35 povos indígenas e uma diversidade de mais de 20 idiomas.

Contudo, não foi nesse lugar que a história de Amadeu, descendente das etnias Sateré-Mawé e Apurinã, e sua relação com o grafismo, tiveram início.

Arte a partir da perda

Natural da Comunidade Santo Antônio do Mucajá, no município de Maués, distante 287 quilômetros de Manaus, Amadeu mudou-se ainda criança para a capital, aos 6 anos de idade. Na época, ele tinha um irmão dois anos mais velho que ele e, após uma tragédia, seu irmão faleceu.

Ao Portal Amazônia, Amadeu conta que, a partir daí, vivenciou um intenso período de luto e trauma. 

“O único meio de eu fugir desses pensamentos, dessa negatividade, foi eu entrar no ramo da arte, da pintura. Foi então que a minha mãe me apresentou, o meu pai também me apresentou, os meus povos indígenas, que é o Sateré e Apurinã. Então eu busquei procurar em cada um dos povos indígenas os seus grafismos, a sua importância. E também poder repassar tudo isso, todo esse conhecimento que eu adquiri para as pessoas. Então foi a partir daí que eu comecei na arte do grafismo”, relembrou.

Grafismo com fruta amazônica

O grafismo corporal, além de pintura corporal por si só, pode também ser considerado uma forma de comunicação visual entre povos de uma mesma etnia ou até mesmo de outras. Dependendo do povo, essa manifestação artística pode estar relacionada ao papel social de um indivíduo naquela sociedade.

Força, resiliência, sabedoria, estado civil e até identificação de algum tipo de rito são alguns dos principais simbolismos dos grafismos. Contudo, Amadeu afirma que, antes de tentar ‘decifrar’ algum grafismo, “é preciso conhecer os povos indígenas, cada um em específico, e entender como são os traços deles, sua importância e para qual momento ele é usado”.

Outra questão no grafismo indígena é que ele é feito a partir de materiais encontrados na natureza, como o urucum, jenipapo e outros. Por isso, é comum que as linhas, que formam retas, triângulos, quadrados e círculos se concentrem no vermelho, preto e marrom.

Amadeu Sateré-Apurinã conta como utiliza o jenipapo, fruta típica da Amazônia.

Foto: Isabelle Lima/Portal Amazônia

Em primeiro lugar, o jenipapo é ralado e colocado em um recipiente. Em seguida é fervido até escurecer e ficar totalmente preto. A partir daí, o indígena coloca partes do jenipapo já fervido em um pano e espreme até extrair a tinta do jenipapo. O processo se repete até não haver mais tinta.

Vale ressaltar que Amadeu mistura a tinta do jenipapo com lascas de carvão, que também é ralado, para dar uma tonificação à mistura. O grafismo corporal pode ser feito, então, com um pedaço de palha.

Moda e grafismo

Além da pintura corporal, o grafismo pode ter diversas outras funcionalidades. Está presente em quadros, paredes e até mesmo roupas. Com essa perspectiva, Amadeu uniu suas habilidades à moda, criando uma marca de moda indígena, a Am’Mawé.

Foto: Amadeu Sateré-Apurinã/Acervo pessoal

“Essa junção surgiu de uma necessidade dos nossos povos indígenas de sermos representados por uma marca que é nossa. Antigamente a gente usava algumas peças de outras marcas que nós não sentimos a vontade através de usá-las, porque a gente não era representado através dela, não era a nossa identidade. A partir do momento que a gente pega algo que é nosso, que está na nossa essência, a gente começa a entrar num espaço político de luta e se manifestar através disso”, acrescentou.

.
Foto: Amadeu Sateré-Apurinã/Acervo pessoal

As peças de roupa são exibidas em exposições, eventos sobre sustentabilidade, desfiles de moda e em outros espaços.

Mais recentemente o artista viralizou por vestir a finalista do BBB 2024, Isabelle Nogueira, cunhã-poranga do Boi Garantido.

Ao Portal Amazônia, Amadeu reproduziu um de seus grafismos na repórter Isabelle Lima: o grafismo da pena da arara que, segundo ele, representa resistência e é muito utilizado por lideranças indígenas.

“Eu utilizo no meu trabalho representar através das telas, que remete muito a uma história. Então, eu transmito nas telas, transmito também em paredes, faço em paredes. Através mesmo dos artesanatos, inclusive essa pulseira, como tem grafismo corporal. Essas são as outras formas de a gente representar o grafismo indígena. Até nos nossos corpos, que a gente se sente mais representado, é quando a gente não pode estar com uma peça indígena, mas a gente está com um grafismo aqui na nossa pele, a gente se sente representado. E isso é uma grande simbologia de força, de resistência e de muito fortalecimento”, finalizou Amadeu.

Foto: Isabelle Lima/Portal Amazônia
Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

Victor Xamã: a renovação do rap que vem da Amazônia

Expoente do estilo na região Norte, artista chama atenção por timbre grave e rimas que falam do cotidiano de quem vive entre as agruras da cidade grande e a maior floresta do mundo.

Leia também

Publicidade