O que era para ser um grupo de ciranda na capital amazonense, Manaus, tornou-se um dos seis bois-bumbás que animam a cidade. Criado entre o fim de 1995 e início de 1996, o grupo se tornou o Boi Bumbá Clamor de um Povo.
Ao Portal Amazônia, uma das presidentes do bumbá, Alessandra Oliveira, relembra a história do boi e também destaca momentos difíceis vivenciados pelo Clamor de um Povo.
Boi Aurinegro
Com as cores oficiais amarela e preta, o Boi-Bumbá Clamor de um Povo é aurinegro. Contudo, o boi em si, é branco e o símbolo dele é um cocar na testa, além da barra dourada.
“Um grupo de amigos queria montar uma ciranda, mas não deu muito certo porque a gente tinha mais meninas do que meninos. E aí foi aquele momento de transição onde o Boi [a cultura bovina] começou a crescer em Manaus. E aí é quando a minha falecida sogra vem e diz assim: ‘Por que você não monta um grupo de dança mais voltado para o Boi? Que é algo regional, é algo mais característico da nossa região’. E assim nasceu o Clamor de Um Povo”, relatou Alessandra.
Domingas Matos foi então a responsável pelo surgimento do grupo. Hoje o boi é presidido pelo filho de Domingas, Wallace Wando, e a nora, Alessandra Oliveira. No início, o grupo de dança participava de festivais no seu bairro de origem, Compensa. Em seguida, transferiram-se para o Beco do Macedo.
Evoluções
O nome Clamor de um Povo se deu devido a defasagem de homens no grupo. Em 2001, o grupo de dança mudou para a categoria ‘tribo’ e, através da extinta Associação de Grupos Folclóricos do Amazonas (AGFAM), passou a integrar o Festival Folclórico.
Em 2015, ocorre a última transição e da categoria ‘tribo’, o Clamor de um Povo se torna oficialmente boi-bumbá. Porém, passaram a concorrer oficialmente no Festival somente em 2016.
”Quando nos tornamos um boi-bumbá, tentamos concorrer na categoria de acesso, porém, não fomos classificados. No segundo ano, em 2016, entramos no Festival. A partir daí participamos da categoria bronze, prata, ouro, master B e tudo começa a tomar um novo rumo, pois a disputa começa a ficar cada vez mais acirrada, o que passa a nos engrandecer”, pontuou Alessandra.
Renascendo como Fênix
“A única coisa que eu tenho a dizer é agradecer, porque nossas vidas foram preservadas. É uma mistura de sentimentos, porque é o decorrer de uma vida inteira, não só pessoal, mas profissional e folclórica. Tudo acabou nas cinzas com o fogo”.
A declaração de Alessandra é sobre um dos fatos que marcaram a história do bumbá: um incêndio no “QG” (“quartel general”) do boi que destruiu alegorias nas vésperas da live do Festival Folclórico do Amazonas de 2021. A apresentação ao vivo pela internet foi programada para ocorrer devido à pandemia de Covid-19 e, naquele ano, o evento não ocorreria nos moldes tradicionais, em formato de competição.
Na época, Alessandra tinha uma filha com 16 anos que não poderia participar da live, pois devido à pandemia ainda não havia completado o ciclo vacinal. No dia 17 de agosto daquele ano, a organização do evento libera a participação de jovens até 17 anos caso tivessem tomado apenas uma dose da vacina.
Foi enquanto estava tomando a vacina, com seus pais, que o local que servia de base de produção para o Boi, localizado no Tarumã, onde moravam, foi tomado pelas chamas.
“E nesse período aí foi o momento que aconteceu, tanto que foi muito rápido, foi incendiado, mas graças a Deus vidas, não só as nossas como dos vizinhos ao lado, foram preservadas, dos lados, atrás. A gente mora no Tarumã, só que assim, tem casa para trás, tem casa para os lados, e o fogo ficou contido, então por isso eu sempre digo que tem que ter gratidão”, lembra emocionada.
A apresentação, que seria no dia 18 de agosto, foi cancelada, mas Alessandra refletiu: “Diante de tudo que aconteceu, nós iremos ressurgir das cinzas, como uma Fênix”.
Com apelo da população, ainda no dia 18, vários voluntários, em meio aos entulhos, buscavam ajudar de alguma forma.
“Tinha um monte de gente que trouxe material, que veio de longe, pessoas que nem nos conheciam, mas sabiam quem nós éramos, porque a gente faz muita postagem nas redes sociais, e vieram nos ajudar, nos doaram camas, roupas, fogão. Então assim, nós fomos acolhidos da mesma forma que, por várias vezes, mesmo tendo pouco, a gente tentou acolher e ajudar outras pessoas”, comentou a presidente.
Atualmente
Artista de alegoria, Janailton Nogueira ficou um tempo afastado devido a um acidente que sofreu e neste ano retorna como o responsável pelas alegorias do Boi. Ele conta um pouco sobre seu processo criativo:
“Primeiramente a gente tem uma conversa com a diretoria, idealizamos o projeto e assim, com a sinopse, eu passo a fazer o desenho, eu começo a criar alegoria conforme a sinopse, as ideias que passam para mim, eu começo a criar também junto com eles [outros artistas]. Até chegar à alegoria final, existem dificuldades no caminho, principalmente devido a pouco tempo para fazer alegoria, mas a gente faz uma equipe especializada, que já trabalha comigo há muito tempo, trabalha no Carnaval também e são bastante experientes”.
Com um legado que passa pelas gerações, o Boi Bumbá Clamor de um Povo possui cerca de 200 pessoas que trabalham direta e indiretamente em suas apresentações. São artistas de alegorias, a vaqueirada, costureiras, artesãos, pintores, soldadores, além de brincantes.