Terçado de infantaria foi levado ao Museu Joaquim Caetano, em Macapá. Foto: Isadora Pereira/Rede Amazônica AP
Uma nota técnica realizada por um pesquisador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) revela que a suposta espada curta da infantaria de Napoleão, encontrada por banhistas em um rio de Calçoene, se trata, na verdade, de um terçado de sargento de 1831.
O terçado encontrado foi entregue no dia 27 de maio ao Museu Histórico Joaquim Caetano da Silva, no centro de Macapá. O terçado vai passar pelo processo de curadoria e limpeza antes de ser exposto à população.
Segundo o Iphan, a arma de modelo francês foi utilizada pelo exército europeu e brasileiro em um extenso período.
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O modelo do terçado em questão tinha uma lâmina reta de dois gumes e uma guarnição em latão de uma única peça, assim como a encontrada no rio do interior do Amapá.
O Iphan foi ao encontro de Rafael Gomes, morador de Calçoene, que encontrou o artefato e o matinha guardado em casa, mas expressava interesse em doar o objeto para um museu do estado.
O superintendente do Iphan no Amapá, Michel Flores, explicou que a população, ao encontrar artefatos históricos, deve deixar o objeto no local onde foi encontrado e não o tocar.
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O melhor a se fazer, é fotografar o objeto e indicar onde se encontra, para que o Iphan faça a retirada e análise completa.
“É muito importante que uma instituição de guarda e pesquisa receba os materiais, porque se a gente encontra o material e leva para casa, o material vai acabar oxidando, ele vai enferrujar e a gente vai perder. Então além de perder a informação, de tirar o material do seu contexto original, a gente vai acabar perdendo o material e a informação”, disse.

O superintendente explicou que os materiais originais inseridos neste contexto histórico, são o terçado e bainha de couro e ferro.
“Não sabemos se tem outros materiais associados, poderia ter uma farda, poderia ter medalhas, moedas […] A gente não sabe se o contexto em que ele estava, se era uma casa ou se era um contexto em ele pode ter sido perdido. Então existem várias possibilidades sobre a história desses artefatos”, disse.
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Michel contou ainda que Rafael vai levar a equipe do Iphan até o local onde o artefato foi encontrado, para que seja feito um estudo aprofundado que busque a origem.
A nota que contextualiza o terçado foi feita pelo historiador Adler Homero Fonseca de Castro, no Rio de Janeiro, no início do mês de maio, para que o artefato pudesse ser transferido para o museu com um contexto histórico. A análise do material foi feita com base em imagens.
“Frisamos que não é impossível que a arma encontrada no Amapá seja um terçado de uso das forças armadas brasileiras, muito possivelmente do 3º Batalhão de Artilharia a Pé, que fazia o serviço de guarnição da fortaleza de Macapá e cujos soldados seriam usados no patrulhamento do interior da região”, diz a nota.
Destaca-se que os terçados de modelo curvo e reto possuem origem francesa, fabricados na França, mas foram comprados pelo exército brasileiro e distribuído para as tropas.
Sobre o terçado encontrado no Amapá
A espada tem uma lâmina reta com uma crista na região central e uma guarnição em latão com uma cruzeta plana e empunhadura com cordões e pomo. Analisando a empunhadura é possível ver os números “654” e “655-2” gravados na cruzeta, que parecem ser números de distribuição dentro de um batalhão ou regimento.

Segundo a análise feita, os números visíveis não são números de série, pois a prática não era realizada em armas brancas.
“Parecem ser números de distribuição dentro de um batalhão ou regimento. Esse dado é relevante, pois indica que foi uma arma efetivamente usada pelo Exército Francês, pois gravar números de distribuição não era uma prática comum no Exército Brasileiro”, aponta Adler na pesquisa.
Ainda segundo o estudo de Adler, a espada encontrada em Calçoene, especificamente, foi possivelmente usada pelo Exército Francês. A datação da espada é entre 1831 e 1866, com uma data mais provável na década de 1830.
Foi averiguado ainda que um desgaste em um dos lados da lâmina, mas não há sinais de uso em combate. A ferramenta está em estado de conservação razoável, sem sinais de oxidação prolongada ou perda grande de material.
História do modelo ‘terçado’
Segundo a pesquisa, o instrumento era utilizado em massa no Brasil colonial e imperial. Devido à necessidade de tropas armadas para combate corpo-a-corpo. Esses instrumentos evoluíram ao longo do tempo e foram empregados em diversas situações.
- No século 16, os espanhóis desenvolveram uma especialidade em tropas armadas, com a utilização de espadas curtas, semelhantes ao terçado, e escudos no combate de falanges e piqueiros. Mas o material acabou entrando em desuso na Europa.
- No século 17, o uso do terçado era recorrente no Brasil e continuava a ser distribuído entre os mais fortes fisicamente, ou seja, os que partiriam para a luta corporal, sendo eles: os granadeiros – soldados especializados no lançamento de granadas – em sua maioria, além de artilheiros e fuzileiros.
A arma foi utilizada em diversas batalhas e conflitos, incluindo a Guerra dos Guararapes e a Guerra do Paraguai. No entanto, a ferramenta, além de servir para a defesa, era utilizada para outras tarefas pelos artilheiros.
“Além de lhes servir de ornato, de defensa pessoal, e de instrumento para cortar cordas, paus de pouca grossura e consistência, lhes serve também para fazer continências”, diz a pesquisa.
O estudo mostra o uniforme e equipamento utilizado pelos brasileiros, onde é possível observar a lâmina com o soldado granadeiro.

Alguns modelos, como o sabre de tropas a pé modelo 1831, tinham lâminas retas ou curvas e eram feitos de materiais como aço e latão. O design e funcionalidade dos terçados variaram ao longo do tempo.
“Deve-se observar que a iconografia e os exemplares existentes em museus no Brasil mostram um sabre do modelo francês do ano IX (1801), de lâmina curva, mas há menções documentais à compra de terçados de lâmina reta”, detalha o estudo.
Ainda no século 19, por volta de 1858, a menção aos terçados em lutas passa a diminuir. Foi nesse período que o Brasil passou a adquirir as armas à Minié – rifles carregados pela boca, com maior precisão e alcance – que eram utilizadas junto a um novo tipo de sabe que substituía o terçado.
Esse novo modelo incluía o sabre-serra, que era uma lâmina curta, reta, com o dorso serrilhado, que podia ser usado como facão e como serrote.
A história aponta que este tipo de arma também era utilizada para reprimir indígenas e quilombolas, pelos ‘pedestres’. Estes eram soldados que andavam constantemente em região de mata e usavam os terçados como facões para se deslocarem na floresta.

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*Por Isadora Pereira, Rede Amazônica AP