O projeto consiste em registros audiovisuais de formas de expressão linguística e cultural dos povos originários.
Desde a colonização dos portugueses na América, os povos originários sofreram um impacto muito grande na sua cultura, religião, alimentação e vários outros aspectos por meio da imposição dos costumes europeus. Para além desses aspectos, os portugueses impactaram diretamente na transmissão dos saberes originários através das línguas indígenas.
Os idiomas não são apenas um instrumento de comunicação, são também o patrimônio de um povo. É a principal forma de diálogo e de transmissão de informação e cultura.
Estima-se que no século XVI havia cerca de 1200 línguas indígenas distintas. Atualmente, de acordo com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Brasil registra cerca de 274 línguas faladas por 305 povos. E o número tende a diminuir cada vez mais.
Por conta disso, com o objetivo de fortalecimento e documentação dos processos de produção de conhecimento e transmissão dos saberes relacionados à línguas dos povos indígenas em um contexto de ameaças, o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) tem desenvolvido tecnologias sociais para preservação dessas línguas.
A tecnologia é o Acervo de Línguas Indígenas do Museu Emílio Goeldi- ALIM e tem como idealizadora a pesquisadora titular do Museu, linguista e coordenadora da comissão de línguas indígenas da Associação Brasileira de Linguística (Abralin), Ana Vilacy Galucio.
O que são tecnologias sociais?
O tema foi abordado em uma live realizada pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) em alusão à semana dos povos indígenas. Na transmissão ao vivo, Ana Galucio define tecnologias sociais como “produtos, técnicas, metodologias e processos que se caracterizam, sobretudo, por serem de uso aberto, de baixo custo e com uma simplicidade que permita sua replicação e que seja construída em processo de interação contínua e direta com essas populações locais”.
Além disso, o conceito de tecnologia social remete para uma proposta inovadora de desenvolvimento, considerando uma abordagem construtivista na participação coletiva do processo de organização, desenvolvimento e implementação, aliando saber popular, organização social e conhecimento técnico-científico.
Contexto geral
A cultura indígena é importante no que se refere ao surgimento das sociedades modernas, além de possuírem riqueza linguística, cultural, de costumes e alimentação.
A pesquisadora informa que, no mundo, são cerca de 7 mil línguas indígenas e a América do Sul, em especial a Amazônia, apresenta uma enorme variedade linguística tanto em número quanto em grupos familiares linguísticos.
Esses dados são retirados do Atlas Mundial das Línguas em Perigo (Atlas of the World’s Languages in Danger), que foi pensado para reunir informações sobre as línguas mais usadas e classificar as que correm perigo de extinção.
Ana sustenta com os dados do Atlas que a grande maioria das línguas no Brasil são vulneráveis ou criticamente ameaçadas e afirma que o principal fator é o “silenciamento histórico e sistemático das línguas dos povos originários”.
Línguas ameaçadas
Dentre a relação entre línguas ameaçadas e o número de falantes fluentes, a linguista exemplifica:
Língua Puruborá | 2 falantes |
Língua Kanoé | 1-2 falantes |
Língua Wayoro | 1-2 falantes |
Língua Sakurabiat | 9-12 falantes |
Língua Oro Win | 8 falantes |
Língua Moré | 12 falantes |
Dicionários indígenas
É por esse panorama que surgiu o Acervo de Línguas Indígenas do Museu Goeldi (Alim). O acervo conta, atualmente, com mais de três terabytes de informações linguístico-culturais.
O Alim consiste basicamente em registros audiovisuais de formas de expressão linguística dos povos originários. A pesquisadora revelou que o trabalho sistemático no Museu começou a partir da década de 80.
O acervo de dicionários conta com mais de 1600 horas de áudio e mais de 500 horas de vídeo de 83 línguas de povos originários catalogadas. Além disso, é elaborado em parceria pelos próprios indígenas como forma de fortalecimento e até revitalização de línguas que não eram mais utilizadas.
“Os dicionários vem para solucionar essa questão e são multimídias pois estamos também trabalhando com jovens, com crianças que não aprenderam a língua no geral e que querem aprender. Aí a tecnologia, o celular, está inserido na vida de quase todo mundo e vai estar cada vez mais. Então isso é uma forma de integrar essas pessoas e até motivar de uma maneira mais lúdica”,
refletiu a pesquisadora.
Software aberto
Além do software ser livre, open source e de metodologia replicável, a sua utilização é possível sem a necessidade do uso de internet. Nele é possível obter a palavra, tradução, imagem, som (pronúncia) e em alguns casos o contexto em que é utilizado.
Ela explicou que também estão sendo produzidos manuais de como utilizar a plataforma para que qualquer usuário, seja linguista, estudante, ou outra categoria, consigam utilizar sem ter que necessariamente entender sobre programação.
Por fim, os materiais se encontram registrados e catalogados em fichas com metadados no formato IMDI, pertencente a plataforma LAT-Language Archiving Technology, desenvolvida pelo Instituto Max Planck para Psicolinguística, sediado em Nijmegen, Holanda.