Magia, rituais e ancestralidade: a vida das bruxas contemporâneas do Amapá

Estudos e acolhimento marcam a rotina de 'Wiccanos', bruxas que desafiam padrões e resgatam memórias. A prática é caracterizada como um estilo e filosofia de vida, com adeptos de todas as classes, profissões e religiões.

Foto: Isadora Pereira/Rede Amazônica AP

A imagem da bruxa como uma mulher malvada, de nariz pontudo e caldeirão borbulhante, ainda povoa o imaginário popular. Mas, no Amapá, essa figura ganha novos significados. Longe dos estereótipos, as chamadas ‘bruxas modernas’ são pessoas que praticam a Wicca — uma religião contemporânea politeísta baseada na conexão com a natureza, no autoconhecimento e no respeito à diversidade.

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Entre elas, estão a grã-sacerdotisa Samara Oliveira de 38 anos, ou Aislin Acy, e Everaldo Terceiro de 48 anos, que adotou o nome espiritual Galdax Sokarh.

O casal se conheceu por meio da Wicca e está junto desde 2013. Pais de duas filhas pequenas, eles compartilham a rotina entre família, estudos e rituais da tradição.

Samara é psicanalista clínica e começou a praticar a Wicca em 2000, após um trabalho escolar de ensino religioso.

“Comecei a estudar, me aprofundar, e nunca mais parei. A Wicca entrou na minha vida como um resgate. Foi como se eu tivesse reencontrado um lugar onde já estive, uma memória espiritual que voltou. A religião me trouxe ferramentas para olhar para mim mesma, para entender minhas luzes e minhas sombras. Não é só sobre magia, é sobre mergulhar fundo, se reconhecer e se transformar. Desde então, ela tem sido meu caminho, minha prática e minha cura”, disse.

Everaldo é servidor público e contou que o interesse pela prática começou ainda quando era criança, após se deparar com um tarô.

“É um caminho de estudo, de prática e de desconstrução. A imagem da bruxa como algo ruim foi construída por uma sociedade que não aceitava o diferente. Mas aqui, a bruxaria é cura, é acolhimento, é reconexão com a natureza e com quem somos de verdade”, contou Everaldo.

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Sobre a ‘Wicca’

A Wicca é uma religião oficialmente reconhecida na década de 1950, quando a bruxaria deixou de ser crime na Inglaterra. Desde então, se espalhou pelo mundo como uma prática espiritual que valoriza a liberdade, a inclusão e o respeito aos ciclos da vida.

Foi nesse período que Gerald Garder, ocultista e escritor britânico escreveu o primeiro livro sobre o tema, apresentando a Wicca como a ‘religião da Grande Mãe’.

A prática, antes marginalizada, passou a ser vista como uma forma legítima de espiritualidade, ligada principalmente à natureza e energia feminina.

bruxas wicca contemporâneas do Amapá
Foto: Isadora Pereira/Rede Amazônica AP

Com a onda de movimentos culturais e sociais, como o Woodstock nos Estados Unidos, a Wicca se espalhou e passou a atrair pessoas em busca de liberdade, inclusão e reconexão com as raízes ancestrais.

Para os praticantes, ela representa um espaço de acolhimento, onde cada indivíduo pode se reconhecer fora dos padrões patriarcais e construir a própria jornada espiritual.

“A Wicca abraça minorias e pessoas que não se encaixam nos padrões da sociedade patriarcal. É uma filosofia de liberdade, mas também de responsabilidade. Você pode fazer o que quiser, desde que não machuque ninguém — nem a si mesmo”, diz Everaldo.

Ela e o marido fazem um estudo profundo sobre a religião, e já passaram por diversos rituais em outras partes do Brasil.

Bruxas Wicca possuem rituais marcados por elementos da natureza

Os rituais wiccanos são marcados pela presença dos quatro elementos — água, fogo, terra e ar — e por símbolos como o cálice e o caldeirão, que representa o útero da Deusa.

“O caldeirão é o início e o fim de tudo. Ele carrega a energia da criação e da transformação”, explica Samara.

O único grupo de pagãos no estado é o ‘Amapagão’, fundado em 2013 por Samara e atualmente possui pelo menos 20 integrantes. São dois tipos principais de celebrações:

  • Sabás: festivais maiores, realizados oito vezes ao ano, que acompanham os ciclos da natureza;
  • Esbás: celebrações lunares, voltadas para os ciclos da lua.
Foto: Isadora Pereira/Rede Amazônica AP

Uma das datas mais importantes é o Samhain, celebrado em 31 de outubro, que para os demais, é a data conhecida como o ‘Dia das Bruxas’.

“É o nosso ano novo. Marca o fim de ciclos, de relações, de projetos. É o momento de deixar para trás o que não queremos levar para a nova roda”, diz Samara.

A Wicca também propõe uma revisão histórica sobre o conceito de bruxaria. Everaldo explica que muitos símbolos considerados negativos, como o diabo com chifres, têm origem em divindades celtas ligadas à natureza.

“A imagem da bruxa malvada foi construída por uma sociedade cristã que condenou práticas naturais como pecado. O Natal acontece perto do Yule, que marca o renascimento do Deus. A Páscoa tem relação com o festival de Ostara. Com o tempo, essas festas foram ressignificadas e apresentadas como verdades absolutas”, diz.

*Por Isadora Pereira, da Rede Amazônica AP

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