Que o lixo pode gerar lucro, todo mundo já sabe. Mas para os consumidores em geral, o que se arrecada com a reciclagem feita em casa dificilmente é convertido em renda. Mas uma notícia pode animar aquelas pessoas que já tem a preocupação de separar e reciclar o próprio lixo. Estudos feitos na área do aproveitamento do biogás – gás produzido pela decomposição de resíduos orgânicos que se transforma em energia com aplicação residencial e industrial, mostram que o potencial de transformação de dejetos em energia limpa vai além do lixo produzido pelas pessoas.
Pesquisadores da Universidade do Estado do Pará (Uepa) trabalham com a aplicação das macrófitas – plantas aquáticas que dominam a superfície dos lagos – encontradas no Parque Estadual do Utinga (Peut) para a produção de um gás de qualidade. Nocivas para a biodiversidade dos lagos Bolonha e Água Preta e fruto da poluição destes, essas espécies podem se transformar em energia e economia para o Estado.
Dói no bolso pagar aqueles R$ 60 para recarregar o botijão de gás de cozinha? A conta de energia elétrica está pesando no orçamento? Agora pense na quantidade de lixo orgânico que você produziu no último ano?. Tudo isso pode ter sido, literalmente, dinheiro jogado fora. A Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) estima que o Brasil produza diariamente 260 toneladas de lixo, sendo que 52% desse total são resíduos orgânicos. Se utilizada para alimentar biodigestores – estruturas que captam os gases produzidos na decomposição – a energia gerada poderia abastecer umas sete mil residências. E a captação deste tipo de energia pode ser complexa como uma planta biodigestora anaeróbia, com funcionamento similar a uma termoelétrica, ou simples como um pequeno biodigestor caseiro, alimentado e manejado por qualquer pessoa.
“Todo lixo orgânico gera biogás em sua decomposição. Esse gás é uma fonte alternativa de energia renovável que pode ser utilizada para a produção de eletricidade, queima direta em fogões e aquecimento de animais em fazendas e sítios. Além de reduzir a emissão de gases do efeito estufa, é uma alternativa ecologicamente correta para a destinação dos resíduos orgânicos, uma vez que a biomassa é tratada por digestão anaeróbia e não polui os lençóis freáticos, que seriam contaminados pelo chorume”, afirma o engenheiro ambiental Gabriel Holanda, que contou com a ajuda do também engenheiro florestal Salomão Salim e a orientação do professor doutor em Engenharia de Recursos Naturais, Marcelo Raiol, na elaboração do seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). O material servirá como subsídio para uma tese de mestrado.
Na pesquisa, eles se dedicaram à otimização da quantidade e qualidade do biogás expelido na decomposição das macrófitas do lago Bolonha. “Essas plantas crescem o ano inteiro e existem custos para a manutenção do lago com a retirada delas. O que queremos é melhorar nossos resultados, testar outras metodologias e avaliar a quantidade de energia gerada através do aproveitamento desse resíduo. No entanto, é necessário investimento para dar continuidade à pesquisa”, ressalta Salomão. Para ampliar a disponibilidade do gás, eles incluíram no processo a etapa de trituração das plantas, que é um dos diferenciais do método desenvolvidos pelos pesquisadores.
“As pesquisas realizada no Centro de Ciências Naturais e Tecnologia (CCNT) da Uepa e na literatura especializada têm mostrado que o biogás produzido a partir de resíduo animal ou vegetal possui a mesma qualidade, ou seja, concentração de metano, variando entre 50 e 70%. Apesar disso, existem diferenças na produção da quantidade de biogás, pois quando a biomassa é de origem animal a produção de biogás é ligeiramente maior. No entanto, quando há um tratamento da biomassa de origem vegetal como trituração, esta diferença basicamente deixa de existir”, esclarece Raiol. A pesquisa segue, com acompanhamento do Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-bio) que, baseado nos resultados apurados, pode vir a desenvolver uma aplicação prática da técnica.
Energia limpa
Países como a China e a Índia são pioneiros no uso desse tipo de energia e lideram as pesquisas e aplicação da coleta e uso do biogás. No Brasil, essa tecnologia é mais difundida no Sul e Sudeste. “Existem fazendas em que a produção do biogás foi tão significativa na conversão de energia elétrica que o excedente foi vendido para as concessionárias locais”, conta Holanda. A Embrapa Suínos e Aves também realizou alguns trabalhos que comprovaram a viabilidade desses biodigestores na geração de energia e, de quebra, com aproveitamento da conversão do biogás em crédito de carbono.
Estes resultados animam os pesquisadores com as perspectivas futuras de uso do biogás como fonte de energia renovável em comunidades e residências no Estado, que por ter o segundo maior rebanho bovino, já se destacaria nesta produção. Seu uso é variado e pode se dar desde a alimentação de biodigestores anaeróbios para geração de gás metano – usado para alimentar fogões e lampiões em pequenas comunidades isoladas e fazendas -, até em grandes cidades, onde o lixo orgânico recolhido na coleta seletiva, juntamente com o chorume produzido pelos aterros sanitários já existentes, podem produzir gás metano a ser distribuído como complemento ao gás de cozinha comum de uso da população, diminuindo assim o custo com o gás de petróleo.
Além disso, o biogás produzido em um aterro sanitário pode se transformar em energia elétrica se destinado à plantas biodigestoras anaeróbias, onde o mesmo queima no interior de motogeradores de combustão interna. “Esta energia elétrica produzida pode ser conectada à rede da concessionária, trazendo ganhos como diminuição do custo com energia elétrica ao consumidor; diminuição da emanação de metano para atmosfera, reduzindo o impacto para o efeito estufa, e aumento da disponibilidade de energia elétrica produzida por hidroelétricas. Fora isso, há ainda o efeito social, com a geração de empregos para a instalação de plantas termoelétricas à biogás, etc”, enumera Raiol.
Apesar das inúmeras vantagens para a exploração do biogás, existem alguns cuidados que precisam ser observados. ”Embora o biodigestor que utilizamos seja de fácil reprodução, o mesmo ainda precisa ser melhorado e testado para que os riscos de trabalhar com gases com propriedades explosivas sejam minimizados ao máximo”, observa Holanda. No entanto, ele acrescenta que já existe uma tecnologia israelense que melhorou os biodigestores chineses e indianos, com um modelo caseiro que consegue aproveitar o resíduo orgânico doméstico garantindo uma produção diária de energia e biofertilizante. “Então, tudo é uma questão de pesquisa e aperfeiçoamento das tecnologias. Claro que estudos em relação ao aproveitamento, rendimento e produção ainda são necessários para a otimização deste processo. Contudo, o biogás, sem dúvida, possui um grande potencial”, finaliza o pesquisador.