Pesquisadores brasileiros e do exterior identificaram nas Américas amostras de Plasmodium vivax (P. vivax), parasita causador da malária, com diferenças genéticas em relação aos encontrados na África e na Ásia. De acordo com os cientistas, o parasita teria cumulado mutações genéticas que o ajudaram na sua adaptação ao continente. E tudo isso para driblar os mecanismos de defesa de seus hospedeiros e principais vetores, os mosquitos do gênero Anopheles.
De acordo com o professor Marcelo Urbano Ferreira, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), um dos integrantes da equipe de cientistas, foram analisados materiais genéticos de 182 amostras do parasita obtidas em 11 países da África, Ásia e América Latina. “O Brasil contribuiu com 20 amostras coletadas em Acrelândia, no Acre”, conta o pesquisador. Um artigo sobre a pesquisa foi publicado no ultimo mês de junho, na revista Nature Genetics. Os pesquisadores envolvidos no estudo são coordenados pela bióloga Jane Carlton, da Universidade de Nova York (EUA).
O P. vivax é uma das cinco espécies do gênero Plasmodium que causam a malária, mas a infecção causada por esse parasita não chega a ser fatal. As outras espécies são o P. falciparum, P. ovale e P. malariae. Há ainda a espécie zoonótica P. knowlesi, que provoca malária em macacos e pode causar infecções graves em humanos. A malária acontece quando o Plasmodium introduz no sistema circulatório da fêmea do Anopheles microorganismos presentes em sua saliva, que irão se alojar no fígado, onde se reproduzem.
O P. vivax ainda é pouco estudado. Isso acontece, em parte, porque é quase impossível cultivá-lo em laboratório. Mesmo não sendo um parasita da malária considerado mortal, nos últimos anos começaram a surgir casos de pessoas diagnosticadas com a doença causada pelo P. vivax que, em alguns casos, morriam. Além disso, a partir dos anos 1990 foram verificados casos de resistência à cloroquina — o antimalárico mais usado no mundo — na América Latina.
Sem vacinas
Sem vacinas
Por meio da técnica denominada seleção híbrida, os cientistas isolaram o material genético do protozoário a partir do sangue de pessoas infectadas. As amostras foram sequenciadas e, em seguida, comparadas entre si. “Do ponto de vista genético, as cepas de P. vivax provenientes da África e da Ásia eram bem diferentes das dos países da América Latina”, conta Ferreira.
Segundo ele, foi detectado um “repertório mais amplo de variantes genéticas que conferem ao P. vivax maior capacidade de se adaptar ao meio em que vive, o que inclui a capacidade de driblar as defesas do hospedeiro e a desenvolver resistência às drogas usadas no tratamento da doença”. Isso significa que, por ora, nenhuma vacina ou medicamento seria completamente efetivo no controle do parasita.
Os cientistas concluíram que a variedade genômica do P. vivax é muito maior do que a do P. falciparum, espécie predominante no continente africano e responsável pela forma mais agressiva da malária. Outra hipótese aventada pelos cientistas é que parte dos parasitas que circulam nas Américas seja descendente de exemplares vindos há mais de 10 mil anos, a partir do leste asiático, com as primeiras migrações humanas.