Na ciência
Uma das primeiras mulheres que fizeram parte das descobertas científicas na região amazônica foi Alexandrina, aprendiz do naturalista do século 18, Louis Agassiz, que realizou uma longa expedição ao Brasil, passando inclusive pela Amazônia. Alexandrina foi recrutada em Tefé para ajudar a família Agassiz na expedição.
No diário Alexandrina é descrita como uma “mistura de sangue índio e sangue negro”. Seus cabelos, por mais longos que fossem se mantinham em pé. Elizabeth Agassiz, esposa de Louis comenta em seu diário: “A pobre menina faz de tudo para penteá-lo; eles ficam em pé em sua cabeça e se eriçam em todas as direções, como se estivessem eletrizados”.
Louis Agassiz era reconhecidamente um dos principais defensores do racismo científico, um conjunto de argumentos científicos que tentavam provar a diferença entre raças. Louis acreditava que Alexandrina “parecia reunir a inteligência do índio à adaptabilidade maior do negro”, e por isso a recrutou para auxiliar nas suas pesquisas.
Alexandrina foi extremamente útil à expedição não só pelo conhecimento em caminhar pela mata como também em identificar espécies de plantas. Elizabeth Agassiz comenta no seu diário: “Ela distingue imediatamente as menores plantas em flor ou em fruto. Agora então que ela sabe o que eu procuro, é uma auxiliar muito eficiente”. Graças ao precioso auxílio de Alexandrina, as coleções de plantas se avolumavam rapidamente a tal ponto que os desenhistas não conseguiam tempo para desenhá-las na mesma velocidade.
Segundo a historiadora, Patrícia Sampaio, atualmente casos de mulheres que ficaram somente nos bastidores do trabalho científico e não tiveram seus trabalhos reconhecidos começam a vir à tona. “Na escrita contemporânea da História da Ciência, há um reconhecimento progressivo do lugar destes personagens “ajudantes de cientistas”, inclusive considerando-os como figuras decisivas na construção dos saberes sobre o Brasil”, afirma a historiadora.
Outro caso interessante da participação de mulheres na ciência na Amazônia foi a partir da criação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). A historiadora Angela Panzu realizou um estudo intitulado “Mulher e Ciência: as pioneiras do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia”.
De acordo com a historiadora, mulheres dos Estados da Amazônia e oriundas de outros Estados foram chamadas para trabalhar logo nos primeiros anos do instituto. Na criação do Inpa haviam aproximadamente 50 homens e 30 mulheres trabalhando. “O que é um número relativamente alto levando em consideração o nível de estratificação social do Brasil naquele período”, afirma a pesquisadora.
Segundo a historiadora, ao observar a vida dessas pioneiras e os dados recolhidos dessas análises foi possível reconhecer alguns padrões alarmantes. Uma das principais barreiras na carreira científica para as mulheres naquela época não se referiam apenas ao grau de escolaridade, mas principalmente a profissão cônjuge, a divisão do trabalho doméstico e até mesmo do incentivo da família.
Segundo Angela, muitas mulheres deixaram de lado algumas oportunidades em prol dos trabalhos domésticos e do cuidado com os filhos. “Muitas dessas mulheres se destacaram em seus trabalhos no Instituto, mas em algum momento de suas carreiras tiveram que abrir mão de oportunidades por causa da família”.
Mesmo assim não foram poucos os casos onde o destaque se tornou uma marca de seu trabalho. Entre várias podemos citar a cientista Elizabeth Maria Nery Santana. Reconhecida nos primeiros anos como uma das melhores alunas do curso de Geomorfologia Aplicada, além de participar e liderar expedições do Inpa nos campos de Roraima. Contribuiu imensamente ao conhecimento da ictiofauna dos lagos amazônicos e sendo uma das principais contribuintes do coleção ictiológica do Inpa, classificando milhares de amostras de peixes ao longo dos anos.
Outra importante figura foi Maria de Nazaré Corrêa Góes, pesquisadora do Inpa com mais de 50 trabalhos científicos em revistas nacionais e internacionais voltados para o estudo da química de lagos e igapós da Amazônia Central que lhe trouxeram condecorações importantes como Honra ao Mérito pelo Inpa em 1978 e a Medalha dos 30 anos do CNPQ. De 1985 a 1990 foi designada como vice-diretora do Inpa na gestão de Herbert Otto Roger Schubart, se tornando a primeira mulher a alcançar o cargo.
“Muita dessas mulheres foram cruciais para o desenvolvimento científico na região. Sem elas o Inpa e a produção científica na região seriam muito diferentes do que nós conhecemos hoje”, afirma Angela Panzu.
Meio Ambiente
Em 1989 foi realizado o 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em Altamira no Pará, e tinha por objetivo protestar contra as decisões tomadas na Amazônia sem a participação dos índios e contra a construção do Complexo Hidrelétrico do Xingu. A reunião contou com lideranças indígenas, o então presidente da república, Fernando Henrique Cardoso, o presidente da Eletronorte, José Antônio Muniz Lopes, o então presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Fernando César Mesquita.
Durante a exposição do projeto da construção da usina Kararaô, a índia Tuíra, prima de Paiakan, levanta-se da platéia e encosta a lâmina de seu facão no rosto do diretor da estatal num gesto de advertência, expressando sua indignação. A cena é reproduzida em jornais de diversos países e torna-se histórica.
A ação de Tuíra foi um importante marco socioambiental brasileiro. Outras mulheres fizeram e fazem parte da luta pelos direitos indígenas e pelo desenvolvimento sustentável da Amazônia. Especialistas e a mídia destacam o trabalho de algumas mulheres nessa área, uma delas é Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e uma das principais lideranças nacionais e internacionais na luta pelos direitos indígenas.
Graduada em letras e enfermagem, defensora de direitos humanos foi premiada com a Ordem do Mérito Cultural, do Ministério da Cultura. Atualmente Sônia trabalha em Brasília, mobilizando e informando diretamente povos indígenas sobre projetos de leis no Congresso Nacional que atacam os direitos conquistados por esses povos.
Outra mulher que tem atuado diretamente pelos direitos indígenas é Joenia Wapichana, a primeira mulher brasileira de origem indígena formada em Direito. Indígena do Povo Wapichana de Roraima, Joenia atuou na demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, trabalha no departamento jurídico do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e na defesa de direitos de indígenas à posse de suas terras na Região Norte do Brasil. Foi também a primeira presidente da Comissão de Direitos dos Povos indígenas da OAB, criada em 2013. Recebeu em 2004 o Prêmio Reebok pela sua atuação na defesa dos Direitos Humanos.
Ivaneide Bandeira Cardozo é indigenista e desde 1992 lidera a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, cuja atuação se estende a 52 etnias indígenas. A organização atua na defesa dos povos indígenas e já esteve a frente de expedições para prender invasores invasores de terras e madeireiros ilegais, além de ter colaborado com diversas aproximações com povos até então isolados.
Ivaneide também é formada em História pela Universidade Federal de Rondônia com mestrado Geografia. Seus trabalhos com indígenas da região são reconhecidos em todo mundo, inclusive sendo convidada pelo príncipe Charles, da Inglaterra, para visitar o Palácio de Buckingham o conhecer de perto sua persona.
Dorothy Stang
Um dos casos mais famosos do trabalho de resolução de conflitos agrários na Amazônia foi Dorothy Stang, missionária assassinada em 12 de fevereiro de 2005, no interior de Anapu, cidade na beira da Transamazônica, no Pará. A irmã Dorothy buscava uma reforma agrária justa, observando principalmente as desigualdades entre os pequenos agricultores e os grandes donos de terra.
Dorothy Stang mantinha mantinha intensa agenda de diálogo com lideranças camponesas, políticas e religiosas, na busca de soluções duradouras para os conflitos relacionados à posse e à exploração da terra na Região Amazônica. Ela foi assassinada a mando do fazendeiro Vitalmiro Moura, o Bida, incomodado pelas atuações da missionária.
O documentário norte-americano “Mataram irmã Dorothy” de 2009 mostra a irmã Dorothy Stang afirmando em frente as câmeras “Não vou fugir e nem abandonar a luta desses agricultores que estão desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzir com dignidade sem devastar”.