Índios e colonos reivindicam solução para a Terra Indígena Alto Rio Guamá

Foto: Reprodução/Incra

O Ministério Público Federal (MPF) promoveu nesta quinta-feira, 29 de junho, audiência pública em Paragominas, nordeste do Pará, com a presença de indígenas Tembé, pequenos agricultores e autoridades de vários órgãos, para discutir o plano de desintrusão (a retirada de não índios) da Terra Indígena (TI) Alto Rio Guamá, onde vivem cerca de dois mil índios e um número incerto ocupantes não indígenas que devem ser retirados por força de sentença judicial.

Muitas das famílias de posseiros foram assentadas por ações governamentais, tanto da União quanto do Estado do Pará, mas com a homologação definitiva da TI, com 279 mil hectares, em 1993, todos os ocupantes devem ser retirados, com indenização de benfeitorias e direito a reassentamento no caso dos posseiros considerados de boa-fé. Diante da demora do estado brasileiro em concluir a desintrusão da área, o MPF entrou com ação judicial pedindo a reintegração de posse em favor dos indígenas e obteve a sentença ordenando a retirada em 2014.

A audiência pública de hoje é uma etapa fundamental para a conclusão do plano de desintrusão, que deve ser feito pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e envolver outros órgãos que têm atuação sobre a questão, como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a Polícia Federal e o próprio MPF. As questões apontadas pelos presentes deverão ser contempladas no plano. Entre as instituições convidadas pelo MPF apenas o Incra não mandou representante para a audiência pública. Estiveram presentes, além da Funai, a Polícia Federal (PF), a Polícia Civil, a prefeitura de Paragominas, vereadores de Nova Esperança do Piriá e Garrafão do Norte, o Batalhão de Polícia Ambiental da Polícia Militar e o Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado (Ideflor-Bio).

Logo no começo da audiência, o cacique Sérgio Tembé resumiu os problemas enfrentados pelo povo indígena. “A desintrusão está parada, ninguém sabe se por falta de recurso ou por falta de vontade e os conflitos estão piorando. A invasão de madeireiros está muito grande e em pouco tempo eles vão acabar com a floresta lá. A gente quer sair daqui com uma data definida para a desintrusão e queremos saber se o Incra já tem terra para os colonos, que eles prometem desde 96 e 97 e até agora não apresentaram. Queremos uma definição de tudo isso”, disse.

O procurador da República Fabrizio Predebon, que coordenou a audiência, disse que fez contato com a diretoria de proteção territorial da Funai e teve a informação de que a TI Alto Rio Guamá é uma das maiores do país ainda pendente de desintrusão e que as recentes restrições orçamentárias no órgão indigenista impedem que seja dada prioridade a essa ação. O representante da Funai, Juscelino Bessa, confirmou os problemas orçamentários e afirmou que outras desintrusões foram priorizadas dentro do cenário de orçamento apertado: da Terra Indígena Maraiwatsédé, dos Xavante, em Mato Grosso, da Terra Indígena Awa-Guajá, da etnia de mesmo nome, no Maranhão, e da terra Apiterewa, dos índios Parakanã, no Pará.

Juscelino Bessa lembrou dos conflitos já provocados pela longa história de invasões no território Tembé. Como o chamado Conflito do Livramento, em 1996, quando colonos, estimulados por um vereador do município de Garrafão do Norte, Evilácio Costa, fizeram índios de reféns e quase provocaram uma guerra aberta entre indígenas e não indígenas, evitada pela intervenção do MPF e da Funai na época. O vereador chegou a ser preso, acusado de cárcere privado. “A Terra Indígena foi criada por uma doação do então interventor Magalhães Barata em 1945, mas o objetivo não era doar terras aos Tembé e aos Ka’apor, mas em vez disso retirar-lhes terras, reduzindo-os ao território que é o mesmo hoje demarcado e liberando o restante de suas terras para a colonização”, recordou.

Como resultado da doação, os Tembé perderam a maior parte de seu território original e as terras que foram doadas a eles representam hoje a última porção de floresta amazônica em toda a região nordeste do Pará. A representante do Ideflor-Bio, Cláudia Kawhage, apresentou estudo feito na região que confirma a informação. “A TI é o último grande fragmento florestal, o único remanescente de florestas primárias em toda a região nordeste do estado. É uma área de refúgio para a maioria das espécies animais que estão ameaçadas de extinção na região. O prejuízo ambiental é dos indígenas mas também é dos municípios”, disse. O estudo foi entregue aos presentes.

Vereadores dos municípios que serão afetados pela desintrusão, principalmente Nova Esperança do Piriá e Garrafão do Norte, estiveram presentes na audiência pública. Elias Freitas, representante da Câmara de Vereadores de Nova Esperança, disse que o município não pode ser chamado de invasor. “Na minha conta, 71% do município está dentro da terra indígena. O nosso município não é intruso. Não aceito essa marginalização dos colonos. Quase sempre se coloca os colonos como traficantes e plantadores de maconha. Nós temos 14 escolas municipais com mais de 30 alunos funcionando dentro da Terra Indígena. Somos solidários aos índios, mas somos solidários aos nossos colonos”, disse.

O vereador Flavio Souza, de Garrafão do Norte, morador da mesma colônia do Livramento onde houve o conflito de 1996, acusou o Incra pela criação de assentamentos no interior da TI e também pela ausência nas discussões sobre a desintrusão. A representante da prefeitura de Paragominas, Mozimeire Costa, pediu uma solução que contemple os direitos indígenas e os direitos dos colonos também.

Antônio da Silva Ferreira, morador de uma das vilas de colonos que fica dentro da TI, também pediu uma solução negociada. “Dependemos da terra para colher nosso arroz e nosso feijão. Somos sofredores da mesma forma como nossos parentes indígenas. Só podemos sair dali se tivermos terra e meios de transporte, financiamento, para podermos continuar vivendo. É necessário que o Incra faça um levantamento completo para que nenhuma família fique de fora do reassentamento”, disse.

O delegado Jorge Eduardo Ferreira, da PF, explicou que existe um protocolo interno para reintegrações de posse coletivas, como é o caso da desintrusão de uma Terra Indígena. Ele lamentou a ausência do Incra, que é um ente fundamental no processo para o reassentamento dos colonos. “O respeito à dignidade da pessoa humana é o foco do protocolo de reintegração. Se for necessária a execução de mandados com força policial a transparência é essencial, com estímulo à filmagem e registros jornalísticos de toda a operação como forma de controle social”, afirmou.

Histórico

A TI Alto Rio Guamá, com pouco mais de 279 mil hectares, é uma das mais antigas da Amazônia e teve o território reconhecido em 1945 por Magalhães Barata, então governador do Pará. Em 1988, durante o processo de demarcação federal, o ministro da Reforma Agrária à época, Jader Barbalho, dividiu a terra dos Tembé, criando vilas agrícolas no meio do território indígena e abrindo terreno para as invasões em vários pontos.

Em 1993, a divisão feita por Barbalho foi anulada pelo então presidente da República, Itamar Franco e a TI Alto Rio Guamá teve a demarcação definitiva homologada pelo governo federal, em toda sua extensão. Mesmo assim, até hoje as consequências dos erros governamentais provocam situações de conflito e a permanência dos não índios no interior da Terra Indígena.

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