Dia do Orgulho LGBT+: a jornada de autodescoberta de indígena que saiu do Acre para encontrar a própria identidade

Jornalista e antropólogo, Ykarunī Costa da Silva Nawa é um exemplo de que uma pessoa pode passar por diversas trajetórias de aceitação.

Ykarunī Costa da Silva Nawa nasceu em Mâncio Lima, no interior do Acre, e luta em Brasília pelos direitos indígenas. Foto: Marcela Jeanjacque

Ykarunī. Um nome com origem em língua indígena que significa ‘pássaro que voa na mata’. Foi esse o nome recebido por um jovem nascido em Mâncio Lima, no interior do Acre, descendente do povo Nawa. O jornalista e antropólogo Ykarunī Costa da Silva Nawa, de 29 anos, é um exemplo de que uma pessoa pode passar por diversas jornadas de autodescoberta durante a vida. Apesar da origem Nawa, sua família imediata não vivia na Aldeia Novo Recreio, de onde vem sua linhagem, e aderiu à fé católica.

Após a infância no catolicismo e a mudança para a capital Rio Branco, em 2009, ele passou a frequentar uma igreja evangélica, que passou a ser seu refúgio religioso. O convívio com as crenças e tradições religiosos formaram boa parte de sua personalidade.

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Neste sábado (28), quando é lembrado o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, Ykarunī relembra as fases que viveu até se reconhecer como homem homossexual. Foi somente após deixar o Acre, no início de 2015, que ele encontrou uma forma de enxergar melhor esta característica.

A passagem dos anos também levou Ykarunī a abraçar suas raízes enquanto pertencente a um povo originário. Agora, atuando como assessor de comunicação na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), ele também encara um novo papel na valorização da diversidade.

Questionamento e autodescoberta

“Foi todo o processo de primeiro se negar e achar que aquilo tudo era um problema. Que eu tava possuído por algum espírito maligno que estava me conduzindo. E pedir muito a Deus que aquilo fosse extraído do meu corpo. Porque, enfim, eu estava no adoecimento mesmo”, relata.

Foi assim que Ykarunī, que era registrado como José Tarisson, ficou quando passou a se perceber como homem gay.

Nessa época, em meio à autonegação e a busca por uma “solução” religiosa, ele também tinha muito receio de magoar a família. Foi um período de muitas dúvidas e questionamentos.

“Eu acho que o simples processo de viver dentro da igreja e perceber que aquilo não tava sendo alterado, já foi um motivo de perceber que tinha alguma coisa errada, de que a igreja não era o caminho adequado. Pelo contrário, tava me maltratando, me violentando mais. Começou a mudar quando eu entrei na universidade”, relembra.

Para ele, a entrada no curso de comunicação social na Universidade Federal do Acre (Ufac) em 2014 marcou o início do seu percurso de autodescoberta, com o maior acesso à informação. Entretanto, ele ficaria pouco tempo em seu estado natal a partir dali.

Ele voltou a fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e alcançou mais de 900 pontos na redação. Foi aí que o jovem do interior, que viria a ser batizado em alusão ao pássaro que voa longe, viu a chance de alçar voos ainda mais longos.

“Quando eu fui pra Foz do Iguaçu, no Paraná, porque a Unila [Universidade Federal da Integração Latino-Americana], que é a universidade lá, tinha muita discussão de sexualidade, gênero. Foi aí que começou a mudar. Nossa, foi uma transformação de pessoa. E de me aceitar. De me sentir melhor, sabe? Eu me senti realmente muito adoecido por não aceitar isso”, conta.

O então José Tarisson adotou o nome em sua língua materna: Ykarunī, o pássaro que voa sobre a mata. Foto: Ykarunī Costa/Acervo pessoal

Formação e busca pelas origens

Após o interior do Paraná, ele ainda passou por Ceará, Paraíba e Pernambuco, onde se formou em jornalismo. À época, inclusive, o Grupo Rede Amazônica chegou a contar a história do trabalho de conclusão produzido por ele, que contava a história do povo Nawa.

A essa altura, o jovem já havia compartilhado com a família sobre sua orientação sexual, e também estava em busca de uma nova descoberta: de suas origens indígenas.

“Depois que a gente se aceita, tem o movimento de falar com a família. Só que aí no nosso caso, de pessoas indígenas, a gente tem um diferencial. Geralmente as pessoas se assumem pra mãe ou pro pai. A gente se assume pro povo. Principalmente pras lideranças. Fiz também esse movimento de retorno para o próprio território. Eu também precisei conversar com minhas lideranças sobre isso [homossexualidade]. E eu fui super respeitado. Nunca me desrespeitaram”, diz.

Só então ele pôde se sentir completo. A partir desse momento, ele só aprofundou cada vez mais a proximidade com o povo Nawa e com o ativismo pelos povos originários.

No início deste ano, ele conseguiu retificar a certidão de nascimento, com a adoção do nome Ykarunī, que lhe foi dado por uma líder também Nawa. A conquista foi obtida por meio de uma ação da Defensoria Pública da União (DPU), com apoio do governo do Acre, que garantiu a indígenas que vivem na região da Serra do Divisor o nome em língua materna.

“O fato de eu ter ido pra fora [do estado] me fez ver outros mundos possíveis. E perceber que o mundo que eu tava vivendo, era um mundo que eu não cabia. Mas que existiam outros mundos. E que eu cabia nesses outros mundos. Então foi muito isso. Morar fora, perceber a existência de outros mundos”, acrescenta.

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Orgulho e dever

Superando as amarras das quais se desenlaçou ao longo da vida, Ykarunī, como um pássaro inquieto, seguiu voando. Além do orgulho, por ter se conectado consigo mesmo, ele também enxerga um dever de contribuir.

“Eles sempre me respeitaram. E hoje eu faço parte das lutas. Estou em Brasília como ponto focal do povo. Então, a partir daqui eu realizo diálogos. Eu acho que eu crio uma outra dinâmica na situação. Não só envolvendo o território. Porque aí, é um parente que é LGBT, e que está no território, mas tem abertura para estar nas principais pautas”, enfatiza.

*Por Victor Lebre, da Rede Amazônica AC

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