Em cinco dias de reunião, representantes de diversos grupos indígenas discutem meios de alcançar direitos fundamentais, como demarcação de terra e preservação; encontro retoma discussões feitas em 2020.
Lideranças indígenas de todo o País se reuniram na aldeia Piaraçu, território kayapó, em São José do Xingu, Mato Grosso, atendendo ao chamado de Raoni Metuktire, cacique conhecido internacionalmente por sua luta pela preservação da Amazônia e dos povos nativos. O evento intitulado ‘Grande encontro das lideranças guardiãs da mãe terra’ aconteceu de 24 a 28 de julho em busca de discutir questões relacionadas aos direitos essenciais de comunidades tradicionais, como demarcações de terras, marco temporal e as mudanças climáticas. Os representantes indígenas pretendem formalizar uma carta com as demandas de seus povos a ser entregue para agentes governamentais, assim como criar um comitê indígena que auxiliará na luta por seus direitos.
Essa não é a primeira vez que o encontro acontece. Em 2020, houve uma reunião com mais de 600 indígenas, que exigiam das autoridades um posicionamento a respeito da exploração de suas terras no território brasileiro. Um documento foi encaminhado ao Congresso Nacional contendo pontos, como políticas sustentáveis, ampliação de educação indígena e fim do uso de agrotóxicos e sementes transgênicas.
Entre os objetivos do evento deste ano, está a elaboração de um plano de implementação a ser entregue para órgãos governamentais, contendo as principais demandas indígenas discutidas durante a reunião, assim como a votação para escolha dos líderes que vão integrar o comitê.
“Trata-se de uma estratégia para reverberar nossa voz em várias instâncias da sociedade para que, de fato, fazer políticas públicas a partir da perspectiva indígena”, afirma Leandro Karaí Mirim, indígena do povo Guarani e integrante do Programa de Pós-graduação em Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia (IP) da USP.
“Se nós não cuidarmos da nossa terra e de nossas florestas, se deixarmos desmatar tudo, todos vão sofrer com as mudanças climáticas, com o intenso calor e com a poluição do ar. Faz tempo que eu tenho alertado o mundo, mas é preciso continuar alertando vocês. É por isso que eu chamo todos vocês, lideranças e autoridades, para juntos firmarmos um compromisso em defesa da Terra”,
ressaltou Raoni em vídeo de divulgação do chamado, mostrando a importância de reunir líderes e debater as necessidades dos povos tradicionais e da natureza.
Ao Jornal da USP, Luar Sateré-Mawé, também integrante do programa de pós-graduação do IP, comenta sobre o uso de ferramentas de comunicação para ampliar o alcance social do evento deste ano. “O usufruto delas faz circular com extrema velocidade o assim chamado algoritmo, dado que é a troca de opiniões, as mais diversas, elemento fertilizante no solo das decisões necessárias para fazer valer nossos direitos indígenas na sociedade”, defende o pesquisador.
Compromisso social
Representantes da comunidade indígena e do Governo Federal participaram do evento. Entre eles, o xamã Davi Kopenawa, liderança dos yanomami; Francisco Piyãko, líder do povo ashaninka; Ailton Krenak, ambientalista e líder ativista da causa dos povos originários; e Célia Xakriabá, a primeira deputada federal indígena eleita por Minas Gerais. Uma comitiva dos indígenas xokleng, de Santa Catarina, também esteve presente.
O encontro contou ainda com a presença da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e os presidentes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Joênia Wapichana e Rodrigo Agostinho, respectivamente. O presidente Lula e a primeira-dama Janja da Silva também foram convidados, mas não puderam comparecer.
Em resposta à ausência do presidente, Raoni enviou uma mensagem cobrando sua participação no encontro. Na mensagem, ele relembra as promessas feitas por Lula durante sua campanha política para discutir a respeito das terras não demarcadas. O cacique atendeu ao convite de Lula para participar da cerimônia de posse do presidente, no dia 1º de janeiro deste ano, sendo um dos convidados para subir a rampa do Palácio do Planalto.
Confira a mensagem abaixo:
“Futuro ancestral”
Lideranças indígenas vêm alcançando cargos governamentais e aumentando a representatividade dos povos nativos em órgãos federais. Neste ano, Joenia Wapichana foi nomeada a primeira indígena a presidir a Funai, assim como Sônia Guajajara, que se tornou a primeira ministra indígena do Brasil. “Estamos em um momento histórico, em que temos muitos indígenas marcando presença nas esferas públicas e levando nossas pautas da base”, afirma Karaí. “Nossas memórias precisam ser respeitadas e escutadas, tendo uma visibilidade importante no debate público”, complementa ele.
Em cerimônia de posse ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Sônia defendeu a importância dos brasileiros compreenderem as multiplicidades presentes no ser indígena. “Estamos nas cidades, nas aldeias, nas florestas, exercendo os mais diversos ofícios que vocês puderem imaginar. Vivemos no mesmo tempo e espaço que qualquer um de vocês, somos contemporâneos deste presente e vamos construir o Brasil do futuro, porque o futuro do planeta é ancestral”, disse a ministra. Segundo a Funai, o Brasil possui cerca de 305 etnias e 274 línguas indígenas.
O segundo encontro reforça mais uma vez o compromisso indígena com o futuro do planeta. “Nós somos as futuras gerações, somos os guardiões da mãe-terra”, afirma Karaí. Até o momento da produção desta reportagem, alguns pontos da carta produzida ao final do evento foram divulgados. Entre eles:
– Fortalecimento institucional e ampliação do orçamento do Ministério dos Povos Indígenas, além de outros institutos;
– Sejam destruídas todas as formas de garimpo, expulsos os invasores e responsabilizados seus financiadores;
– Que as florestas públicas não destinadas passem a ser de uso e responsabilidade dos indígenas;
– Não seja licenciada uma construção sem antes ter um plano de base ambiental do componente indígena.
A carta exigiu, ainda, que todos os empreendimentos construídos que “atropelaram” os processos legais sejam embargados e que as organizações indígenas sejam as executoras destes recursos.
Assinado por 54 lideranças indígenas, o documento produzido alerta, mais uma vez, para as mudanças climáticas e a omissão dos países em reduzir as emissões de carbono pelo mundo. Segundo os autores, “não há dinheiro que compre outro planeta”.
Mais informações: https://institutoraoni.org.br/ / raoni.imprensa@gmail.com / Helena Borges +55 021 994957411
*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Jornal da USP, assinado por Camilly Rosaboni e Danilo Queiroz (estagiários) sob supervisão de Tabita Said. Confira o texto completo AQUI.