Mulheres Mẽbêngôkre-Kayapó em protesto. Foto: Reprodução/ Funbio
Durante os cinco dias da 21ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), pelo menos seis mil indígenas estiveram no Complexo da Funarte, em Brasília. Entre povos de todos os biomas, mulheres, crianças, anciãos, artesãos, comunicadores, gestores e lideranças participaram de plenárias, rodas de conversa, apresentações culturais e discussões sobre temas como monitoramento territorial, desintrusão e demarcação de terras, segurança alimentar, geração de renda, políticas públicas, saúde, educação, arte e cultura.
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No palco principal e nas tendas de outras organizações indígenas do evento organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o público acompanhou uma programação com diversas atividades. Por todo o Acampamento, biojoias, cestarias e inúmeros artefatos traduziam a criatividade e a beleza das artes indígenas do Brasil numa grande e diversa feira a céu aberto.
Uma pequena praça marcou a presença das três principais organizações do povo Mẽbêngôkre-Kayapó, com lojas da Arte Indígena/Instituto Raoni (IR), do Instituto Kabu (IK) e da Meprodjà/Associação Floresta Protegida (AFP). A pintura dos grafismos tradicionais também estampou de jenipapo os corpos de parentes e visitantes do ATL pintados pelas menire, as mulheres Kayapó.
Atualmente, cerca de 12 mil Mẽbêngôkre-Kayapó vivem em pouco mais de 150 aldeias ao longo das terras indígenas Baú, Mekragnoti, Capoto/Jarina, Badjônkôre, Las Casas e Kayapó. Esse território ocupa 10,6 milhões de hectares, sem contar com T.I. Kapot Nhinhore, localizada na bacia do Xingu.
Entre as T.I.s Mekragnoti e Capoto/ Jarina e ainda não homologada, representa hoje uma das principais demandas dos Mebêngôkre. A conclusão do processo de demarcação do território onde o cacique Raoni Metuktire passou sua juventude e onde seus ancestrais habitavam é aguardada há mais de duas décadas.
Cacique Raoni, líder do povo Mẽtyktire-Mẽbêngôkre foi um dos convidados na roda de conversa: “Garimpo na Amazônia, a vida após as desintrusões e a recuperação socioambiental dos territórios”. Um público formado por indígenas e não-indígenas lotou a tenda da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) para ouvir Raoni e outras lideranças dos povos Munduruku, Yanomami e Ye’kwana sobre os desafios no enfrentamento às invasões.
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A experiência de outros povos no processo de desintrusão deixa evidente a necessidade de pensar em estratégias que possam apoiar as comunidades impactadas pelas operações de retirada da atividade garimpeira. A pauta ganha ainda mais relevância diante do início das operações do Governo Federal em terras kayapó, que devem seguir pelos próximos meses.
A força-tarefa envolve órgãos como Funai, Ministério dos Povos Indígenas, Ministério da Justiça, IBAMA e Força Nacional, entre outros. A primeira fase da desintrusão começou efetivamente em maio com o desmantelamento de bases de garimpo, destruição de dragas e maquinários e fiscalização no entorno das áreas indígenas do povo Mebengokre.
Raoni deu início à sua fala com um recado importante: “Para os nossos parentes que têm atividades ilícitas em seus territórios como o garimpo, vocês precisam se organizar no território de vocês para poder parar com essas invasões.” E continuou: “Estou orientando as novas gerações kayapó, [lembrando] que os nossos ancestrais sempre guerreavam com outros povos, mas hoje a luta é diferente: é contra as ameaças que estamos sofrendo. Os kuben estão atacando nossos recursos naturais e nossos territórios e eu peço aos nossos parentes que lutem para poder parar com isso. É o que eu tenho a dizer a todos vocês.”
A carta final da edição de 2025 do ATL traz a união e a importância de alianças que possibilitem novos futuros para os povos indígenas do Brasil. Como ferramenta de luta, a demarcação dos espaços de tomada de decisão para que os territórios e os modos de vida indígenas possam ser respeitados e o povo Mẽbêngôkre-Kayapó junto a suas organizações já vem se articulando no sentido de garantir seus direitos e ampliar sua autonomia.
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Autonomia financeira e futuros sustentáveis
Há 21 anos, o ATL reitera sua importância no contexto de mobilização e resistência na luta pelos direitos dos povos indígenas do Brasil. A proteção do território é uma questão transversal que precisa estar acompanhada de ações de geração de renda, principalmente quando os territórios estão próximos às áreas de maior pressão por atividades ilícitas. Para a gestora Josimara Baré, coordenadora do Fundo Indígena Rutî, a luta por autonomia é uma luta por futuros sustentáveis.
Convidada para compartilhar suas experiências na implementação de ferramentas de fortalecimento e autonomia financeira de organizações indígenas na tenda da COIAB, Josimara apresentou o Fundo Indígena Rutî, vinculado ao Conselho Indígena de Roraima (CIR).
Depois de participar da estruturação do Fundo Indígena do Rio Negro (FIRN), da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e atuar como conselheira em outras iniciativas, Josimara defende a governança própria com foco na comunidade como estratégia de emancipação financeira.
“Não tem indígena com as habilidade técnicas que a comunidade precisa? Por que não capacitamos os jovens e garantimos um processo formativo com estímulo à autonomia, ao invés de fazer por eles? “, pergunta Josimara, contando brevemente a história da criação do FIRN, que contou com apoio de doadores e assessoria do Instituto Socioambiental (ISA) por dois anos, contrariando o suporte com práticas de tutela. “É uma coisa que me toca muito, essa questão de que nós não temos profissionais indígenas capacitados tecnicamente para gerir esses mecanismos [financeiros]. E eu acho que isso vem mudando.”, conta a gestora.
Ao longo da conversa sobre os novos rumos dos fundos indígenas, Josimara lembrou que a governança é o ponto principal para o funcionamento de um fundo. “Ao mesmo tempo que a gente precisa de habilidades técnicas, a gente precisa também de uma sensibilidade das lideranças indígenas e uma visão que elas têm, que muitas vezes os técnicos não têm. Então a soma de habilidades técnicas, com sensibilidade, o olhar, a visão das lideranças indígenas, faz um fundo muito potente. “, explicou.
Os Mẽbêngôkre e o Fundo Kayapó

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Uma das novidades do 5º ciclo do Fundo Kayapó é a criação de um planejamento de comunicação, para que cada vez mais pessoas conheçam o Fundo criado em 2011 para fortalecer o povo mẽbêngôkre através de suas organizações.
Responsável pela concepção e execução do planejamento de comunicação do Fundo Kayapó junto ao FUNBIO e à CI-Brasil, a equipe do Estúdio Afluente esteve em Brasília com o comunicador Matsi Waurá para conversar com outros comunicadores indígenas e lideranças do povo Mẽbêngôkre-Kayapó.
Com objetivo de coletar histórias, depoimentos e percepções sobre o Fundo Kayapó, suas atividades e impactos, a equipe de comunicação entrevistou gestores e representantes de associações estruturantes e de projetos locais, assessores técnicos e demais parceiros que atuam diretamente nas atividades das iniciativas mẽbêngôkre.
Presidido pelo cacique Raoni, o Instituto Raoni foi criado em 2001 e é uma das organizações estruturantes contempladas pelo Fundo Kayapó desde o primeiro ciclo junto com a Associação Floresta Protegida e o Instituto Kabu, que chegou ao Fundo no segundo ciclo de investimentos. A tenda do Instituto no ATL funcionou como ponto de encontro para acompanhar as falas e coletivas de imprensa cedida por uma das maiores lideranças do povo Mẽbêngôkre, o cacique Raoni Metuktire.
Acompanhado pelo neto e um de seus intérpretes, Patxon Metuktire, Raoni atendeu aos pedidos de entrevista de diversos órgãos de imprensa nacionais e internacionais. Respondendo à jornalista Amanda Scarparo, do Estúdio Afluente, sobre a importância de investimentos a longo prazo como o Fundo Kayapó para as comunidades mẽbêngôkre, o cacique fez questão de ressaltar a transparência na gestão do Fundo.
Disse ainda que se fosse preciso, puxaria a orelha dos gestores para garantir o acompanhamento dos projetos. “Esse trabalho é muito importante. Eu falo pro pessoal do Instituto Raoni que eles devem focar no trabalho de acompanhamento e execução e em todo o processo dos projetos [do Fundo Kayapó]. Eu sempre faço reunião. Eu vou fazer mais uma reunião e se precisar vou lá puxar a orelha do gestor, pedir pra ele me explicar e trabalhar direito, porque esse é um trabalho importante e que deve continuar.”, declarou Raoni.
Ao longo dos dias de Acampamento Terra Livre, assim como nos dias de reunião do comitê provisório de governança do Fundo Kayapó outras lideranças mẽbêngôkre de diferentes terras indígenas foram ouvidas e entrevistadas. O intuito de coletar material sobre o Fundo Kayapó a partir de seus gestores, lideranças e representantes de departamentos como o Departamento das Mulheres, por exemplo, faz parte do horizonte de colaboração pensado não somente para a comunicação das atividades do Fundo Kayapó, mas como um norte para ações futuras.
*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Funbio.
