Fome e biodiversidade

Um relatório intitulado “Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo”, publicado pela FAO (Agência das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) no último dia 15 de julho, aponta que os índices de subnutrição e fome no mundo, após longo período de declínio, voltaram a aumentar, principalmente nos países mais suscetíveis às oscilações econômicas, tornando mais difíceis o alcance das metas previstas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de erradicação da fome e da desnutrição e redução da mortalidade materno-infantil até 2030. Mais especificamente o Objetivo 2 que pretende de maneira clara acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável. Dados desta mesma agência revelam que a maioria das pessoas, que sofrem o flagelo da fome no mundo, vivem em países em desenvolvimento. Algo em torno de 12,9% da população destes países é diagnosticada com problemas de subnutrição.

Soluções passam por iniciativas multissetoriais ousadas, de maneira a intervir em segmentos como a educação, a alimentação, a saúde, e proteção social e também as políticas econômicas. Mas a ação macropolítica sozinha não é suficiente. É preciso também conscientizar as pessoas a alterarem seus padrões de consumo cotidiano, garantindo que tenham acesso a alimentos nutritivos, saborosos e mais baratos, garantindo a realização do Direito a uma Alimentação Adequada. Buscar uma dieta mais diversificada, privilegiando uma ampla lista de alimentos, principalmente baseados na biodiversidade regional e local é um caminho promissor para que novas espécies mais nutritivas e com vantagens econômicas e ambientais sejam produzidas e consumidas pela população.

Vivemos numa região cujo bioma ocupa 40% do território nacional com florestas tropicais, chegando a incríveis 4.197.000 km2 de área. Diante disso, parece-nos muito óbvio que nossa cultura alimentar seja toda ela evidentemente ligada às matas, aos rios, aos animais e às plantas existentes. A modernidade, a urbanização, o cosmopolitismo que dilui as diferenças entre culturas, povos e pessoas não pode tirar de nós a riqueza da complexidade de sermos cidadãos e cidadãs amazônidas, que respeitam seus hábitos, rituais, culturas específicas. Em verdade, a solução para a fome e para a subnutrição é fortalecida, quando olhamos para o patrimônio de nossa biodiversidade e encontramos nele ingredientes saborosos, nutritivos, disponíveis em abundância e por isso mais fáceis de obter.

Destaco, como exemplo, a publicação Biodiversidade: sabores e aromas, lançada pelo Ministério do Meio Ambiente em parceria com o projeto internacional “Biodiversidade para a Alimentação e Nutrição” (BFN, na sigla em inglês), que traz receitas preparadas com ingredientes (verduras, legumes e frutas) existentes nas diversas regiões brasileiras. O livro é a soma de esforços de pesquisadores, produtores, cozinheiros e outros profissionais que buscaram utilizar alimentos locais e oferecer preparações saborosas e fartas para a famílias a baixo custo. No capítulo destinado aos insumos e produtos da Região Norte, tive uma participação que muito me honrou, apresentando ao público 5 preparações que variam entre guarnições, sobremesas e pratos principais.

Farofa Caboquinha. Foto: Reprodução/MMA

Para isso, utilizei o tucumã (Astrocaryum vulgare) na chamada Farofa Caboquinha, que se inspirou em um prato identitário muito consumido em Manaus e na região do Baixo Amazonas e que leva as lascas da frutas, ovo, queijo e pão. Também preparei com o uso do vinho do patauá (Oenocarpus bataua) os dadinhos de pirarucu com molho de patauá e cuscuz bragantino patauá e do seu azeite foi feito um prato autoral que batizei de patauese, ou seja, uma maionese feita com a emulsão de gemas de ovos e o azeite. Finaliza o prato camarão, macaxeira cozida e maçã verde. Finalmente, lançando mão da polpa fresca do taperebá (Spondias mombin), fiz uma massa servida com um molho semelhante ao italianíssimo al fredo, só que feito com queijo coalho. E para terminar, uma sobremesa, também de inspiração italiana, a panna cotta, preparada com leite de castanha-do-Pará e uma geleia de taperebá.

Dadinhos de pirarucu com molho de patauá e cuscuz bragantino. Foto: Reprodução/MMA

São receitas simples que podem ser feitas em casa e que trazem novas possibilidades alimentares. O livro está disponível gratuitamente para download na página oficial do Ministério do Meio Ambiente. (Disponível para download em: http://www.mma.gov.br/publicacoes/biodiversidade/category/54-agrobiodiversidade.html)

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

Pará perde Mestre Laurentino; artista completaria 99 anos em janeiro de 2025

Natural da cidade de Ponta de Pedras, na Ilha do Marajó, ele era conhecido como o roqueiro mais antigo do Brasil.

Leia também

Publicidade