… e por que não falarmos em cozinhas amazônicas?

A utilização de termos como “Gastronomia”, “Cozinha”, “Culinária” para identificar os fenômenos, práticas, hábitos alimentares de um povo, são exageradamente generalistas e escondem um infinito de especificidades. Em uma região, que é o maior banco de biodiversidade do planeta, com tantas riquezas naturais e humanas, quando falamos de Gastronomia Amazônica, estamos tratando exatamente sobre o quê? Ou melhor ainda: QUAL Gastronomia?

Logo na coluna de lançamento aqui no portal, dissemos que o ingrediente é um elemento carregado de significado e simbolismo. Ele representa o patrimônio genético, a oferta biológica, mas também os conhecimentos tradicionais e as técnicas, as práticas passadas de geração em geração, os rituais e toda cultura inerente à relação que estabelecemos com a comida. E o que isso quer dizer? Que nossa identidade resulta, em grande medida, daquilo que comemos. Somos amazônidas, porque comemos peixe com farinha. Este é o nosso DNA alimentar. Comemos aquilo que está diante de nós, farto e abundante, porque é desta maneira que sobrevivemos e com o que aprendemos a lidar. Desde pequena a criança já começa experimentando o açaí. Depois, aquilo se torna parte de seu hábito, inserida que está na cultura em que nasceu. Dali a mais um tempo, ela já usa camisetas, do tipo “Criada com açaí grosso”.

Assim, a ideia de estabelecer origens territoriais para determinada cultura alimentar faz todo sentido se pensarmos que a comida é resultado, não de fronteiras estabelecidas politicamente, mas, sobretudo dos ambientes sócio-culturais nos quais está inserida. Se não vejamos: fôssemos noruegueses e não cidadãos amazônidas, com absoluta certeza, em nossas mesas não estariam servidos o filhote, o tambaqui, o pirarucu ou a pescada. Sem sombra de dúvidas, nem saberíamos do que se trata um tamuatá no tucupi. Mas seríamos profundos conhecedores da língua do bacalhau ou do salmão, obtidos nos mares com águas frias do Norte.

Entretanto, mesmo em nossas semelhanças temos muitas diferenças, porque diferentes são os espaços e as condições em que vivemos. Pensemos no cidadão do Marajó, maior ilha fluviomarítima do país, que tem diante de si uma oferta gigantesca de búfalos e todos os seus produtos derivados, como carne, leite e queijo. Nesta região pastoril, onde o trabalho no campo exige uma alimentação substanciosa, que garanta o sustento necessário para seu exercício, não é absurdo entender que dali nasceria um prato como o Frito do Vaqueiro, preparado a partir da fritura da carne na gordura animal, acompanhado principalmente de farinha. Isso já difere de uma realidade ribeirinha em que a carcaça e a cabeça restantes do tambaqui transforma-se em um caldo temperado com ervas e pimenta, engrossado com farinha, resultando numa autêntica Mujica Amazonense, que encontra variações em outros locais, onde também há grande oferta de peixes de água doce.

Dinâmica diferente acontece em nossas capitais, que por suas influências de todas as matizes, possuem cozinhas cosmopolitas, misturando diversas culturas, sejam elas nacionais ou internacionais. Em Belém, Manaus, Porto Velho, São Luís, Rio Branco e todas as demais, vemos tanto comidas regionais, típicas do nosso povo, como o magret de pato francês, o sukiyaki japonês, o espaguete à matriciana italiano, o tabule e as esfirras árabes, dentre muitos outros, proporcionando um infinito particular de opções.  

Assim, podemos considerar que temos muitas cozinhas amazônicas e que esta diversidade é a cara do nosso povo, que não é só índio, preto ou branco. É homem, mulher, jovem e idoso, boiadeiro, pescador, artista, alegre, batalhador e consciente de que possui como maior riqueza a sua floresta tão maltratada, mas ao mesmo tempo tão urgentemente (e cada vez mais) necessária. O que importa é sabermos que mesmo em nossa unidade, temos grandes particularidades que são resultado de toda a história construída ao longo de muito tempo e que envolve lugares, condições de vida e sobrevivência, culturas e pessoas.

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