Contribuições indígenas para a gastronomia amazônica

Numa semana tão promissora em eventos importantes para a cultura nacional, não podemos esquecer de uma delas: dia 19 de abril, o Dia do Índio. Somos um dos países que carregam o multiculturalismo em sua identidade e por mais que muitos de nós reneguem ou tenham dificuldades em admitir isso, fato é que carregamos, em maior ou menor grau, o DNA índigena em nossas manifestações culturais, linguísticas, artísticas e a que mais nos importa neste momento: a culinária.

Estimativas demográficas dão conta de que havia algo em torno de 8 milhões de habitantes nativos no Brasil na época do que se convencionou chamar de “Descobrimento”. Deste número gigantesco, a região Amazônia reunia mais de 62% do total da população, ou seja, aproximadamente 5 milhões de habitantes. Os números mais recentes da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) apontam que o número de indígenas no Brasil não chega a 1 milhão.

A história das Américas é tristemente contada pelas ondas de extermínio dos povos nativos das primeiras nações que habitaram o continente. O que resulta ainda hoje em um prejuízo in calculável do ponto de vista da perda de referências histórico-culturais que estas populações legaram aos países.

Mesmo diante de tudo isso, do ponto de vista da história da Gastronomia e da Alimentação, sabemos que a culinária brasileira e mais especificamente a amazônida, são fiéis depositárias das tradições alimentares e dos hábitos culturais dos povos que habitaram e ainda habitam a região. Cabe destacar alguns deles:

– Uso de métodos de conservação de alimentos, como o moqueio, feito a partir da defumação da carne animal (peixe, carne de caça, etc.) colocada sobre um fumeiro feito com varas e secada pela ação da fumaça e do aumento da temperatura. Na ausência de gelo como elemento de conservação, a defumação viabiliza a redução da água livre disponível no alimento, diminuindo as condições favoráveis à proliferação bacteriana e a contaminação do alimento e de quem o consome;

– Uso de técnicas culinárias, grandemente negligenciadas na Academia, como o corte titinhado, aplicado em peixes pequenos e com muitas espinhas como a piranha, por exemplo. Esta técnica é realizada fazendo-se sucessivos cortes pequenos e rasos no peixe, de maneira que as espinhas fossem finamente cortadas, permitindo a carne ser asada e posteriormente consumida. Outra técnica interessante também de corte é o chamado popocado, ou seja, o corte do mapará, como exemplo, era feito em certa profundidade para que ao assar, a gordura do peixe exsude e permita o cozimento da própria carne;

– Pratos tidos como identitários na Amazônia como o tacacá, e que hoje possuem um caráter absolutamente transcultural, dadas as  múltiplas influências em seus ingredientes e modo de preparo, é originalmente indígena e incluía formiga ou carne de peixe (como tamuatá, o bacu e a gurijuba), bem como a goma de mandioca, cujo amido é dissolvido em água quente e acrescentado ao prato por uma razão engenhosa: sendo mais densa que o tucupi, a goma perde calor mais lentamente, mantendo-o tacacá aquecido por mais tempo;

– A utilização das variedades de pimentas como principal condimento na alimentação indígena. É um fato histórico que, de maneira geral, as populações indígenas na América lidam com suas infinitas variedades de pimentas, beirando a perfeição. Em muitos países, usa-se uma pasta de pimenta nativa como base para preparações de cozidos, sopas, etc. ou mesmo seu consumo é feito in natura. Na Amazônia, isto não é diferente. Contudo, desenvolveu-se aqui uma técnica peculiar: a pimenta pilada ou cujo nome pela qual se conhece, a jiquitaia. Sobre condimentos há grande controvérsia em relação ao sal. AS populações indígenas não utilizavam sal marinho por óbvio. Contudo, cinzas e mesmo o pó alguns tipos de cascas de árvores faziam as vezes do condimento;

– Aproveitamento quase que integral da mandioca, base da alimentação indígena na forma de farinha, amido, massa, tucupi, folha, etc. deixando para a Amazônia um paradigma que substitui tranquilamente alimentos que possuem carboidratos com tranquilidade, como o arroz, o milho, a batata, por exemplo. A utilização do guaraná, que faz parte do panteão religiosos de muitos povos indígenas, possuindo poder simbólico e ritualístico e que se tornou uma bebida típica da Amazônia. Bem como o uso das mais diversas variedades de frutas e frutos, como o cupuaçu, o bacuri e a pupunha.

Por tudo isso, cabe sempre rememorarmos este dia, refletindo sobre qual o futuro pretendemos para uma cultura que só nos legou conhecimentos alinhados às necessidades humanas e em consonância com a terra. O desperdício não faz parte do dicionário indígena e sim a prodigalidade e o respeito aos ciclos da Terra-mãe e de seus habitantes. Que seja esta mais uma oportunidade de aprendizado sobre tão ricas culturas, que fazem parte da nossa própria história.

PARA SABER MAIS:

http://ebocalivre.blogspot.com/2015/03/uma-garota-do-barulho-quer-roubar-cena.html

ORICO, Osvaldo. Cozinha Amazônica. Coleção amazônica. Série Ferreira Pena. Belém: UFPA, 1972

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

Pesquisadora descobre novo papel do peixe-boi: o de “jardineiro da Amazônia”

Peixe-boi-da-amazônia (Trichechus inunguis). Foto: André Dib Localizado próximo ao encontro dos rios Solimões e Japurá, o Lago Amanã (que significa...

Leia também

Publicidade