Realmente, não conhecemos o Brasil, muito menos a Amazônia. Elis Regina estava certa.
Nossa saudosa “pimentinha”, a grande cantora Elis Regina costumava cantar uma música chamada “querelas do Brasil”, a música é do século passado e refletia que o Brasil desconhecia o próprio Brasil. E realmente foi um presságio do que vivemos em pleno século XXI. Desconhecemos o Brasil desde a sua invasão portuguesa e o movimento colonialista daquele período e tudo que envolve principalmente a nossa terra, a nossa água, nossa história e enfim a nossa Amazônia.
Espanhóis e portugueses adentraram por essas bandas destruindo e escravizando em busca do Eldorado, a lendária cidade de ouro e pedras preciosas na Amazônia. Era a justificativa que os conquistadores europeus precisavam para continuar seu rastro de destruição, que se estendia do México até a América Latina. O tempo passou, e as Entradas e Bandeiras que trouxeram os bandeirantes com a mesma desculpa do litoral paulista, pelas Gerais, Goiás e outras bandas atrás das lendas de riquezas, com sua ganância e a destruição dos povos originários e suas culturas.
Aliás, em Goiás, Bartolomeu Bueno da Silva aterrorizou as indígenas adornadas de peças de ouro que encontrou lá. E para conseguir que elas indicassem o local do ouro, ele encheu uma cuia de cachaça e ateou fogo nela, ameaçando queimar todas as águas dos rios. Assim nasceu Anhanguera (em tupi, añã’gwea), equivocadamente traduzido como “diabo velho”, ressaltando que a ideia de diabo é uma criação cristã, ela não existe nos povos originários, porém foi adaptada nas narrativas. E dessa forma, os bandeirantes aterrorizavam e escravizaram as etnias que encontravam, e elas cada vez mais se embrenhavam pela floresta, evitando o contato com o homem branco.
Essa introdução apresenta nosso lado europeu ganancioso, egoísta e que naquela época não compreenderia a verdadeira riqueza da nossa Amazônia, que é a nossa floresta, nossa água, a herança da sabedoria dos povos originários e que não podemos separar a Mãe Terra (ou Mãe Água) de seus filhos. Não se justifica, contudo, eram outros tempos. Assim vivemos séculos abandonados em nossa região, muitas vezes protegidos pela distância.
O Reino do Grão-Pará, como era conhecida a região naquele período, tinha sua importância na geopolítica histórica (entre espanhóis e portugueses) e de outros tipos de aventureiros que aqui chagavam com sede de levar tudo que podiam levar da nossa terra. Ainda tivemos outros ciclos como o da borracha que aproveitou os seringais e promoveu riqueza, e um novo tipo de escravidão dos migrantes nos seringais que fugiam do infortúnio da seca no Nordeste e enriqueceram os poderosos.
No século passado, o triste projeto de “integrar para não entregar”, na megalomania da ditadura militar, promoveu o genocídio de várias etnias e trouxeram outra legião de brasileiros produzidos pela desigualdade social, em especial do Sul e Sudeste que sofreram a falta de oportunidade em suas regiões fugindo do êxodo rural e da implacável mecanização que chegava por lá.
E a cultura da derrubada da mata para plantar e construir o progresso era o lema. Infelizmente com o gado e a monocultura como as novas bandeiras, que não são exatamente uma riqueza daqui, novamente não compreenderam a verdadeira riqueza da Amazônia. Nossa terra tem sua alma e peculiaridades, aqui tudo é diferente, aliás não deveria nem ser chamada de nossa terra, careceríamos de chamar de nossa água. Pois, paradoxalmente, somos a terra da água.
Aqui também é a terra da Oxum, de Yara, de Nossa Senhora do Nazaré, do povo ribeirinho das beiradas de nossos rios, somos a terra da água doce. E o Brasil tem 12% de toda água doce do mundo, e a maior parte dela está na Amazônia. Tanto em nossos rios quanto embaixo dela. Pois, o Aquífero de Alter do Chão é um reservatório subterrâneo de água que regula tanto nossos rios, quanto o meio ambiente e clima.
Para que vocês tenham uma ideia da sua importância, se toda a água potável do mundo findasse, o aquífero abasteceria o planeta por cem anos. Equivocamente a já foi considerada como o pulmão do mundo. Não, meus senhores, ela jamais foi o pulmão do mundo. A nossa maior riqueza é a combinação da água e floresta, elas se completam e não existiriam sem essa união.
A relação de ambas é tão profunda e intensa que nossas estações são divididas em duas, no verão da seca e inverno das chuvas. E devemos nos atentar, a escassez de água é uma realidade em todo mundo. Logo ela será o produto mais importante que o ouro, o petróleo ou qualquer outra riqueza, estamos mais perto de um mundo apocalíptico que imaginamos.
E a ciência já mostrou que a floresta está ligada em rede, preservar é de extrema importância para o clima e água daqui e de todo o mundo. Temos um processo conhecido do ciclo hidrológico que é a evapotranspiração, que de maneira simples é a transpiração de toda superfície da terra, onde ela se transforma em vapor a umidade dos rios, das plantas e de tudo gerando novas nuvens que regulam o clima e o novo abastecimento de água, daqui e de boa parte do planeta.
Por isso, devemos resistir contra a barbárie dos últimos quatro anos que se intensificaram pelo incentivo ao garimpo ilegal, a grilagem das reservas indígenas e de terras públicas; do desmatamento e do agronegócio predador (não o sério, porque temos o agro sério), que não entendeu o conceito de sustentabilidade avançando implacavelmente sobre a floresta e todas riquezas que temos aqui.
A ciência e tecnologia tem propostas de sustentabilidade e novas perspectivas para nossa terra, além das tradicionais e predatórias que só destroem e trazem riqueza para poucos. A riqueza da floresta tem que ser para todos, sem questões de ideologias, mas de civilidade. Se não compreendermos a riqueza da relação em rede que a floresta e a água têm, é o nosso Avatar. O cupuaçu está ligado ao açaí, a copaíba, e outras plantas que se ligam rainha da floresta a castanheira e todos estão comungam com a água.
Caso queiram se aprofundar nesse tema, segue um hiperlink sobre a Amazônia 4.0 do professor Carlos Nobre, estudioso sobre a sustentabilidade e novas perspectivas produtivas de nossas riquezas, clique e aumentem seus conhecimentos.
Realmente, não conhecemos o Brasil, muito menos a Amazônia, Elis Regina estava certa.
Deixo também o link de duas músicas, a primeira “querelas do Brasil”, o alerta que falei no primeiro parágrafo e “planeta água” um hino a nossa maior riqueza e símbolo de reflexão:
Agradeço a todos a atenção e “bora refletir” para podermos debater e construir uma sociedade de diálogo e tolerância.
Sobre o autor
Walace Soares de Oliveira é cientista social pela UEL/PR, mestre em educação pela UEL/PR e doutor em ciência da informação pela USP/SP, professor de sociologia do Instituto Federal de Rondônia (IFRO).
*O conteúdo é de responsabilidade do colunista