Representatividade e oportunidade. Assim a artesã acreana Rodney Paiva Ramos define o momento que vive na carreira após 20 anos dedicados à arte. Isto porque ela foi selecionada para integrar o catálogo Guia Homo Faber, mantido pela Fundação Michelangelo para a Criatividade e o Artesanato, e que tem sede em Genebra, na Suíça.
Rodney utiliza sementes e palmeiras na produção de biojoias e agora consta na curadoria da organização que impulsiona trabalhos de artistas europeus e de outras partes do mundo, e que pode ser conferido no site oficial.
“Para mim, quando um artesão é citado, todos ganham. E saber que nosso estado tem mulheres empreendedoras, artesanato de qualidade e eu estou representando esse grupo”, disse a artesã.
Em 2016, Rodney venceu o Prêmio Top 100 Sebrae de Artesanato, o mais sonhado pela artesã e, em 2017, venceu a etapa estadual do Prêmio Mulher de Negócios do Sebrae.
No catálogo, é possível encontrar um mini currículo da artesã, fotos de peças produzidas e contatos. As fotos contêm informações sobre o nome da peça e a matéria-prima utilizada na fabricação das biojoias e objetos de decoração.
Foto: Fernando Menezes/Sete
Rodney mantém, junto ao marido Valdeci da Silva, um empreendimento para a comercialização dos artesanatos que produz. A marca Biojoias Cores da Mata utiliza madeiras reaproveitadas obtidas em marcenarias e as sementes são coletadas por moradores da zona rural através de parceria que gera uma renda extra para essas famílias.
Agora, Rodney vive a expectativa de mais uma oportunidade de visibilidade internacional. A artista vai participar, em dezembro, da Expoartesanías 2024, em Bogotá, na Colômbia. O evento tem o objetivo de valorizar o artesanato tradicional feito na América Latina e é mais uma chance de expor a produção de raiz acreana.
“Muito orgulho e gratidão por todo o trabalho feito nesses mais de 20 anos”, acrescenta Rodney.
Ela foi apoiada por diversas iniciativas da Secretaria de Estado de Turismo e Empreendedorismo (Sete) e do Sebrae/AC, chegando ao 2° lugar no prêmio de Reconhecimento de Excelência da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) em 2012.
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) realizou uma reunião na Terra Indígena Waimiri Atroari, no Núcleo de Apoio Waimiri Atroari (NAWA), localizada em uma área que se estende pelos estados do Amazonas e Roraima. Com a presença da presidenta Joenia Wapichana, o encontro contou com a participação de lideranças indígenas das comunidades, equipes técnicas da Funai, da Coordenação Waimiri Atroari (CWA) e gestores regionais. O evento teve como objetivo debater os avanços e desafios relacionados à proteção territorial e ao desenvolvimento sustentável do território.
O encontro foi marcado por esclarecimentos realizados por técnicos da Funai, da Coordenação Waimiri Atroari e das lideranças indígenas, que apresentaram as ações em curso, as demandas e os desafios enfrentados na gestão e a proteção da Terra Indígena Waimiri Atroari.
No evento, as lideranças indígenas apresentaram as ações em curso no território e as demandas das comunidades à alta gestão da Funai. Foto: Lohana Chaves/Funai
Reconstrução do território
A programação incluiu visitas técnicas a projetos estruturantes, como o viveiro de plantas destinado ao reflorestamento de áreas degradadas com cerca de 25 mil mudas; o Centro de Produção com criação de aves, suínos e outras espécies; e o Centro de Gestão Ambiental Kinja e a serraria, que utiliza a madeira extraída do processo de supressão vegetal do trajeto do linhão em benefício das comunidades locais.
Durante a reunião, foi ressaltado o histórico do povo Waimiri Atroari frente aos impactos gerados por empreendimentos como a construção da BR-174 e a instalação da Usina Hidrelétrica de Balbina, que, entre as décadas de 1970 e 1980, resultaram em perdas populacionais significativas e degradação ambiental. A população, que chegou a 374 indígenas em 1987, atualmente possui 2.778 indígenas, reflexo da resiliência e dos esforços conjuntos para reconstruir a autonomia e qualidade de vida no território.
Criado em 1988, o Programa Waimiri Atroari (PWA) foi destacado como um marco no apoio à reconstrução do território. A iniciativa, fruto de parceria entre a Funai, Eletronorte e a Associação da Comunidade Indígena Waimiri Atroari, promove acesso a serviços essenciais, como saúde, documentação, formação profissional e produção sustentável.
“A presença dela [Joenia Wapichana] aqui demonstra um compromisso com nossas demandas. É muito importante que possamos conversar diretamente e compreender as ações que estão sendo feitas”, disse Mário Parwe, líder indígena.
A agenda incluiu vistas técnicas a ´projetos estruturantes no território como o viveiro de plantas destinado ao reflorestamento de áreas degradadas com cerca de 25 mil mudas. Foto: Lohana Chaves/Funai
Entre as conquistas mencionadas, destacou-se o projeto de emissão de documentos desenvolvido na Terra Indígena Waimiri Atroari, em parceria com a Defensoria Pública e o Tribunal de Justiça de Roraima. A iniciativa, premiada nacionalmente, permite o registro do local de nascimento como Terra Indígena Waimiri Atroari nos documentos oficiais, promovendo a valorização da identidade e autonomia dos povos indígenas.
O coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Waimiri Atroari, Marcelo Cavalcante, ressaltou os avanços significativos alcançados no território:
“Hoje, conseguimos implementar sistemas de energia solar, monitoramento da área, consultórios e o projeto de emissão de documentos dentro do território, reconstruindo com respeito aos direitos do povo Kinja”.
As Frentes de Proteção Etnoambiental são unidades descentralizadas da Funai especializadas na proteção de indígenas isolados e de recente contato distribuídas especialmente pela Amazônia Legal onde predominam esses povos. É com a ação executada pelas FPEs que a Funai atua para garantir a autodeterminação e autonomia dos povos isolados sem a necessidade de promover contato e sem nenhuma interferência nos seus modos de vida.
As Frentes também acompanham a garantia da promoção de direitos, respeitando as especificidades dos povos indígenas de recente contato. Atualmente, são 11 FPEs sob orientação da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC), vinculada à Diretoria de Proteção Territorial (DPT) da Funai.
O líder indígena Mário Parwe destacou a relevância da visita da presidenta da Funai e da equipe à Terra Indígena.
Joenia Wapichana, presidenta da Funai, enfatizou os esforços da instituição para avançar na política de demarcação de terras | Foto: Lohana Chaves/Funai
Direitos indígenas
Joenia Wapichana reafirmou o compromisso da Funai com a defesa dos direitos indígenas, enfatizando os esforços para avançar na demarcação da terra. “Já criamos mais de 38 Grupos de Trabalho para dar seguimento aos estudos de demarcação, mas precisamos reforçar nossas equipes técnicas para realizar esse trabalho com responsabilidade e conhecimento técnico”, destacou.
A presidenta também abordou os impactos da Lei 14.701/2023, que introduz o marco temporal para a demarcação de terras indígenas e inviabiliza o processo demarcatório ao exigir provas de ocupação antes de 1988.
“Essa lei representa uma ameaça aos direitos constitucionais dos povos indígenas. Estamos atuando para que essa legislação seja declarada inconstitucional”, afirmou, se referindo aos recursos jurídicos impetrados pela Funai no Supremo Tribunal Federal (STF).
Janete Carvalho, diretora de Proteção Territorial da Funai, reforçou o papel da autarquia indigenista na promoção e defesa dos direitos dos povos indígenas | Foto: Lohana Chaves/Funai
A diretora de Proteção Territorial da Funai, Janete Carvalho, reforçou o papel do órgão na defesa dos direitos dos povos indígenas. “Nossa missão é garantir que os direitos constitucionais sejam respeitados, assegurando a demarcação e proteção das terras indígenas e promovendo o diálogo permanente com as comunidades”, afirmou.
Além de Janete Carvalho, a agenda da presidenta Joenia Wapichana foi acompanhada pela diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável, Lucia Alberta; a coordenadora regional da Funai em Roraima, Marizete de Souza; o coordenador da Funai em Manaus, Emilson Munduruku; o coordenador de Índios Isolados e de Recente Contato, Marco Aurélio Milken; o coordenador-geral de Gestão Estratégica da Funai, Artur Mendes, e demais servidores.
Com 34 anos e uma experiência sólida no esporte, o atleta paraense Renan Felizardo conquistou mais duas medalhas na carreira: um ouro e o bronze, além de receber um troféu de homenagem, inspiração e reconhecimento pela dedicação às artes marciais. Com sua participação no 20th International Cup Brazil of Kung Fu Championship, organizado pela Liga Brasileira de Kung Fu (LBKF), entre os dias 23 e 24 de novembro, em Santa Bárbara d’Oeste, interior de São Paulo, Renan volta à competição depois de 5 anos parado.
Em mais de 8 horas de competições e disputas e, apesar da apreensão do atleta, a mente precisou se manter estável para seguir na disputa e conquistar o título.
“A competição foi bem cansativa, cheguei cedo no ginásio e só sai no meio da tarde. Nisso, o fator mental pesou bastante, mas procurei me manter tranquilo, focar e disputar com a mente mais serena possível como estratégia, focando e priorizando as competições que tinha ao longo do dia”, ressalta.
Com mais de 200 atletas de rendimento em alto nível e de mais de 10 países presentes, além de delegação de 12 estados brasileiros, a competição exigiu muito do atleta.
“O nível estava altíssimo, mais difícil do que eu esperava. Eu, único atleta do Pará na competição, só tinha uma chance, a de mostrar tudo que eu sabia e tinha construído com as artes marciais ao longo desses anos, e deu certo, conquistei a 4ª medalha internacional e estou muito feliz por isso”, conta o atleta.
A conquista das medalhas de ouro, na categoria outras armas, com o pudao e, bronze, na categoria armas longas, com o bastão, exigiu esforço e muita habilidade do atleta.
“Na primeira chave, competia com dois brasileiros e o restante eram atletas de outros países. Nessa, fiquei com o bronze. Mas na seguinte, competi como único brasileiro da chave diante de vários atletas internacionais e a responsabilidade pesou em representar meu país e conquistar o ouro. Entreguei meu máximo, recebi pressão e aproveitei minha última chance na competição e como resultado, a conquista do outro e o Tetra na categoria”, conta.
Homenagem
Em um momento único, a Liga Brasileira de Kung Fu homenageou Renan com um troféu o reconhecendo como atleta em toda sua bravura, resiliência, força e exemplo para os praticantes de artes marciais.
“De verdade, nunca imaginei que seria homenageado, nem esperava esse reconhecimento, mas foi uma grata surpresa durante a cerimônia de abertura da competição. Falaram tão bonito do esporte, enfatizaram a garra e determinação do atleta que, apesar dos problemas, não desistiu do esporte, quando de repente anunciam meu nome, aí foi só emoção”, enfatiza.
Ao lodo das autoridades esportivas e políticas da cidade, Renan recebeu a homenagem e uma saudação especial do Grão-mestre (Sigung) Chiu Chi Ling, que é uma das maiores autoridades do Kung Fu Hung Gar no mundo, atuou em mais de 70 filmes de Kung Fu com grandes astros de filmes de Kung Fu, tais como Bruce Lee, Jackie Chan, Jet Li, Ti Lung, Yukari Oshima, Sam Hui, Sammo Hung, Fung King Man, Stephen Chow, Tsui Hark, Yuen Woo Ping, Kwan Tak Hing, Chow Yun Fat, Carter Wong e outros mais.
A partir de dezembro de 2025, deve começar a valer a nova regulamentação para importações da União Europeia, o Regulamento de Desmatamento da União Europeia (EUDR), que visa promover o consumo de produtos livres de desmatamento.
Os frigoríficos brasileiros devem ficar atentos à novidade, que pode impactar significativamente as exportações brasileiras de carne bovina para os países do bloco, uma vez que nenhuma das empresas localizadas na Amazônia Legal demonstra conformidade plena com as especificações da EUDR.
A conclusão é de nova análise do Radar Verde, que utilizou os resultados da pesquisa anual de 2023 para avaliar as políticas de desmatamento zero de quem, atualmente, exporta para a Europa.
Em 2022, as exportações de carne bovina brasileira para os países europeus alcançaram 85 mil toneladas e geraram para o Brasil cerca de US$ 661 milhões, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC).
A nova regulamentação, ao entrar em vigor, deve afetar significativamente esse mercado, pois o desempenho de todos os frigoríficos que operam na Amazônia Legal é insuficiente para as exigências da EUDR, que exige rastreamento de origem dos fornecedores indiretos, o que nenhum frigorífico analisado pelo Radar Verde faz.
A análise revela diferentes situações das empresas de carne bovina: algumas estão começando a adotar políticas de desmatamento zero, enquanto outras estão atrasadas nesse aspecto. Concentradas no estado do Mato Grosso, 63% das empresas habilitadas a exportar para a UE possuem controle sobre os fornecedores diretos e 25% apresentaram controle intermediário da cadeia de fornecedores. A eficácia da política contra o desmatamento das demais empresas foi baixa ou muito baixa.
“Para atender às exigências da EUDR é necessário que o Brasil integre o controle de origem para fins sanitários (SISBOV) com controles socioambientais rigorosos, abrangendo toda a cadeia de fornecimento, incluindo fornecedores indiretos”, recomendam os pesquisadores do estudo.
“A UE pode influenciar práticas sustentáveis na cadeia de produção de carne bovina brasileira, colaborando com instituições financeiras e agências governamentais para criar incentivos para práticas produtivas e ambientais melhores”, complementam.
O trabalho traz diversas outras recomendações do que as empresas e o governo podem fazer para evitar que o Brasil perca esses importantes compradores.
Os frigoríficos podem começar participando da edição 2024 da pesquisa, que já está em andamento. Todos eles já receberam um convite para participar do indicador e têm até o dia 22 de novembro para responder ao questionário, que compõe a nota junto com os dados públicos disponibilizados em seus canais oficiais.
O Radar Verde
Criado em 2022, o Radar Verde é um indicador público e independente de transparência e controle da cadeia de produção e comercialização de carne bovina no Brasil, que busca dar visibilidade às empresas compromissadas com a redução do desmatamento na Amazônia Legal.
O indicador avalia iniciativas de frigoríficos e supermercados, em todas as etapas de sua cadeia de fornecedores, que indiquem o comprometimento com a garantia de que a carne bovina que compram e vendem não está relacionada ao desmatamento da Amazônia Legal. O índice classifica anualmente os frigoríficos e supermercados de acordo com o controle e transparência sobre sua cadeia da carne.
O objetivo do Radar Verde é oferecer informações relevantes aos financiadores e setor financeiro, responsáveis pela concessão de crédito a estas empresas; e aos consumidores de carne bovina, para que possam tomar decisões sobre o consumo livre de desmatamento no processo de produção. O Radar Verde é uma realização do Instituto O Mundo Que Queremos (IOMQQ) e do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Imazon
Assembleia reuniu comunidades indígenas da região de Iauaretê, no Rio Uaupés, onde mercado de carbono se tornou uma preocupação. Foto: Juliana Radler/ISA
O cotidiano dos povos Tukano, Kotiria (Wanano), Desano, Tariano, Piratapuia e outros que habitam o rio Uaupés e afluentes, na Terra Indígena (TI) Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, foi impactado pela contrato de venda de créditos de carbono realizado entre comunidades indígenas colombianas e a empresa suíça South Pole.
Considerada uma das maiores consultorias do mercado de carbono, a empresa acumula em seu portfólio o polêmico projeto Kariba, no Zimbábue, que foi objeto de uma série de denúncias de jornais internacionais pela falta de transparência e repasses injustos de recursos às comunidades africanas.
Quatro associações indígenas brasileiras dos rios Uaupés e Papuri relataram ao Instituto Socioambiental (ISA) a insegurança que estão enfrentando desde que os “parentes colombianos” fecharam acordo de créditos de carbono na fronteira na região da Cabeça do Cachorro, no Noroeste Amazônico. Drones voando em cima das comunidades, das roças, das áreas de pesca e da floresta no entorno virou algo tão comum quanto o voo das aves amazônicas.
“As comunidades começaram já a reclamar em 2022 que tinha muito drone, que estavam fiscalizando eles. Isso é o que eles não conseguiam entender: o que eram esses drones e por que estavam fazendo essa fiscalização?”, questionou uma liderança Tukano da Associação das Mulheres Indígenas do Distrito de Iauaretê (Amidi), que atua há mais de 20 anos na defesa da cultura e do território indígena na região do Médio Rio Uaupés, na fronteira entre Brasil e Colômbia.
Medo e desinformação na fronteira
Os indígenas, inicialmente, não sabiam o motivo dos drones sobrevoarem a região. Medo e boatos de que poderiam ser narcotraficantes ou guerrilheiros se espalharam. Depois, foi descoberto que os drones eram da empresa South Pole, que estava fiscalizando as comunidades indígenas com o intuito de averiguar se a floresta vinha sendo queimada para a abertura de roças — prática milenar para a subsistência das comunidades. As roças indígenas rionegrinas compõe o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro (SATRN), que são inclusive Patrimônio Cultural Imaterial tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
As lideranças brasileiras contaram que nunca houve nenhuma comunicação oficial das associações colombianas, da empresa South Pole ou do governo colombiano sobre os projetos de carbono na fronteira. O problema se acentuou quando os indígenas colombianos passaram a invadir as áreas de roça do lado brasileiro, pois estão impedidos de plantar e levar seu modo tradicional de vida.
“Os parentes colombianos nos falaram que agora são vigias da floresta. Não podem mais fazer roças e recebem dinheiro para comprar seus alimentos de fora”, comentou um dos líderes Kotiria, da Associação das Comunidades Indígenas do Rio Waupés Acima (Acirwa).
Liderança Kotiria da Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Uaupés (Amiaru), disse que em sua comunidade as pessoas começaram a acreditar que seriam expulsas.
“Primeiro, eu fiquei com muito medo. Uns falavam que iam tirar as nossas casas da comunidade”. A liderança contou que após participarem de algumas assembleias e reuniões convocadas pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) sobre o tema, com a presença de advogados, a comunidade ficou mais tranquila e ciente dos seus direitos.
“Do lado brasileiro, não vamos assinar nada sem consulta livre, prévia e informada”, enfatizou a representante da Amiaru, fazendo menção ao Protocolo de Consulta dos Povos Indígenas do Rio Negro.
Falta de transparência
O processo de negociação entre empresa e indígenas colombianos ocorreu sem transparência e consulta às comunidades, segundo as lideranças brasileiras e a escuta feita pelo jurídico da Foirn na região.
“Tudo foi feito sem diálogo comunitário, apenas com negociações envolvendo algumas famílias”, comentou o advogado da Foirn. As lideranças brasileiras informam que indígenas colombianos estão preocupados com o futuro das comunidades, já que não podem mais fazer suas roças e o recurso recebido também não é suficiente para o sustento.
“O que sabemos é que o contrato não foi bom para os parentes colombianos e alguns estão arrependidos”, informou a liderança da Acirwa.
“As maiores comunidades colombianas que estão invadindo as áreas de roça brasileiras são Ibacaba, São Joaquim e Igarapé Inambu. Já no Alto Papuri, são as comunidades de Santa Maria, Los Angeles e Acaricuara que estão vindo fazer roça no lado brasileiro”, explicou a liderança Tukano da Associação das Comunidades Indígenas Alto Rio Papuri (Aciarp).
Na comunidade colombiana de Ibacaba, uma das envolvidas na transação de créditos de carbono, os indígenas da etnia Kotiria não podem mais fazer roças. Acordos antigos entre Kotirias do Brasil e da Colômbia de uso dos territórios tradicionais para fazer roças, não estão mais vigorando. Assim, nascem conflitos e incertezas quanto ao futuro das comunidades e a permanência da população, já que os contratos são de longo prazo, segundo as lideranças indígenas.
Foto: Juliana Radler/ISA
“Os nossos antepassados trabalhavam bem juntos, mas agora essa situação de carbono está atrapalhando. Os colombianos também são Kotirias, falam a mesma língua que nós. Vivemos na mesma cultura”, lamentou o representante da Acirwa.
As comunidades indígenas brasileiras na fronteira com a Colômbia afirmam que a negociação de carbono realizada junto às comunidades colombianas nos rios Uaupés e Papuri trouxe um tremendo impacto negativo para o modo de vida indígena.
A roça é mais do que o sustento alimentar, está na base da cultura indígena. Sem roça, não há vida na comunidade. Para os brasileiros, é preciso que haja um diálogo transparente entre as autoridades brasileiras e colombianas sobre os projetos de carbono nas terras indígenas fronteiriças.
“Para cada comunidade colombiana chegou um motor e uma voadeira quando eles negociaram o contrato. Essas voadeiras e motores eram para eles fazerem a articulação na área. Depois receberam motosserra, tanque de água, placas solares, baterias. Esses são os materiais que eles receberam. Por isso, ficamos preocupados. Se os colombianos vão continuar a trabalhar desta forma com as empresas, isso poderá acontecer com a gente. As empresas são desobedientes, elas podem entrar na parte do Brasil e querer trabalhar assim. Na minha visão temos que nos defender e termos uma posição clara”, alertou o líder Tukano da Aciarp.
Nesta região da fronteira Brasil-Colômbia o trânsito entre indígenas é livre e o uso dos territórios indígenas em ambos os lados é regido por acordos comunitários entre povos que falam a mesma língua e possuem a mesma cultura, como é o caso dos Kotiria e dos Tukano. Há muitos anos, a convivência entre os indígenas brasileiros e colombianos nesta região é pacífica e com amplo intercâmbio.
Foto: Juliana Radler/ISA
Cowboys do carbono
Especialistas no mercado de carbono, como o Instituto Talanoa de Política Climática, alertam para o crescente número de projetos conflituosos, oriundos de negociações que envolvem empresas emergentes apelidadas de “cowboys do carbono”.
De acordo com apuração do departamento jurídico da Foirn, federação indígena que representa as associações de base da região, a empresa South Pole é a responsável pelo projeto que vem causando impacto negativo nestas comunidades, denominado “Proyecto REDD + de Los Pueblos Indígenas del Vaupés Yutucu e Otros.
A empresa suíça South Pole está envolvida em uma das maiores polêmicas sobre negociação de créditos de carbono junto a comunidades tradicionais, no projeto Kariba, no Zimbábue, como noticiou o jornal britânico The Guardian em março deste ano. Estima-se que o projeto Kariba tenha arrecadado mais de 100 milhões de euros desde 2011, mas as comunidades envolvidas não se beneficiaram de forma justa dos recursos.
Denúncias também foram feitas pela agência de jornalismo investigativo Follow the Money, pelo principal jornal alemão, Die Ziet e pela revista The New Yorker.
Amazônia colombiana
Na Amazônia colombiana, a South Pole desenvolve três projetos de REDD + nos departamentos do Uaupés (Vaupés ou Waupés) e do Amazonas, sendo dois deles registrados e validados na plataforma de certificação Verra, de acordo com o Diagnóstico de Projetos REDD+ na Amazônia Colombiana, feita pelo Instituto Amazónico de Investigaciones Cientificas, da Colômbia.
Este documento revela que a South Pole desenvolve o maior projeto de REDD+ na Colômbia, desenvolvido em outra área preservada, na região do Putumayo. Este projeto tem vigência de 30 anos e incide em uma área de 3.824.920 hectares, equivalente a 65,62% da área da reserva.
Já o projeto Yucutu e Outros, que vem impactando as comunidades indígenas brasileiras na TI Alto Rio Negro, tem vigência de 20 anos e abrange uma área de 850.062 hectares, o que equivale a 21,69% da área da Grande Reserva do Vaupés, na Colômbia, segundo o diagnóstico mencionado acima. A área de impacto do projeto engloba 74 comunidades indígenas colombianas.
A soma da área dos projetos implementados pelo South Pole na Colômbia chega a 4.806.513 hectares, o que equivale a 9,94% da área da Amazônia colombiana e 20% da área disponível para REDD+ nas suas reservas. Este número coloca a South Pole como a maior implementadora de projetos de REDD+ nas reservas amazônicas colombianas, conforme aponta o Instituto Amazónico.
O mercado voluntário de carbono teve uma rápida expansão na Colômbia e segundo dados da Plataforma Renare – Registro Nacional de Reducción de Emisiones y Remoción de GEI (Gases do Efeito Estufa), existe um total de 51 projetos de REDD+ na Amazônia colombiana, sendo nove já em fase de implementação, conclui o Diagnóstico sobre projetos de REDD+ na Colômbia.
Para tudo
Diante de denúncias de violações de direitos e da desconfiança sobre a veracidade dos projetos locais de carbono, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Ministério Público Federal (MPF) posicionaram-se com recomendações claras para que as comunidades brasileiras não fechem contratos até que haja a definição de critérios e orientações para a inserção das Terras Indígenas no mercado de carbono.
A pergunta importante a ser feita é: os projetos locais de carbono são de fato soluções para o combate às mudanças climáticas ou apenas mera maquiagem verde (greenwashing) para enriquecer oportunistas?
“Para tanto, será necessário considerar as salvaguardas, os riscos envolvidos, as estruturas de governança, a segurança jurídica, os potenciais benefícios para os povos indígenas e, sobretudo, a contribuição destes projetos para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas”, escreveu a Funai em nota oficial em abril deste ano.
Já em agosto passado, o MPF expediu recomendação para que fossem suspensas todas as operações, contratos e tratativas em andamento no tema de crédito de carbono e no modelo de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+), que incidem nos territórios indígenas e tradicionais, com ou sem regularização fundiária definitiva, no estado do Amazonas.
“O documento recomendou que a comercialização de créditos carbono, no Brasil ou no exterior, seja suspensa. Tal informação deve ser encaminhada para todos os atores envolvidos nas tratativas e negociações em andamento, já iniciadas ou finalizadas – desde comunitários, lideranças, empresas e instituições nacionais ou internacionais –, para ciência e adoção das medidas recomendadas”, noticiou o MPF em seu site oficial. No entanto, o Conselho Nacional do Ministério Público, em setembro passado, solicitou por liminar que houvesse a suspensão da recomendação do MPF do Amazonas afirmando que tal medida extrapola suas atribuições.
*O conteúdo foi originalmente publicado pelo ISA, escrito por Juliana Radler
O Centro de Projetos e Inovação do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Centro Pi/IMPA), em parceria com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), produziu um algoritmo para auxiliar na detecção de desmatamento na Floresta Amazônica. O trabalho foi apresentado no dia 7 de novembro pelo doutorando do IMPA, Rodrigo Schuller, no XXI Simpósio Internacional SELPER: ‘Além do Dossel – Tecnologias e Aplicações de Sensoriamento Remoto‘, em Belém (PA).
O Imazon analisou imagens com e sem desmatamento da região, obtidas do Projeto Copernicus (ESA) através do Google, para treinamento dos modelos desenvolvidos pelo IMPA, com o uso de tecnologia de redes neurais. O trabalho ‘Artificial intelligence to support deforestation monitoring in the brazilian Amazon‘ (inteligência artificial para auxiliar o monitoramento de desmatamento na Amazônia brasileira) já resultou na primeira versão da ferramenta de IA que está em uso no Imazon.
Schuller explicou que o algoritmo tem taxa de acerto de 95% e representa uma economia de tempo de 30% no trabalho dos especialistas. Uma tarefa que antes consumia 1004 horas, passou a ser realizada em 705 horas com o uso da ferramenta.
“A performance do modelo de detecção de desmatamento não é suficiente para automatizar totalmente o processo, mas já podemos usar o modelo como um assistente”, disse.
Larissa Amorim, pesquisadora do Imazon, destacou a importância da IA no dia a dia da organização. “A criação desse algoritmo de IA ajuda na tomada de decisão em relação a classificação dos alertas de desmatamento e não desmatamento e, com isso, acelera e traz maior assertividade ao processo de monitoramento. O tempo economizado na validação dos alertas pode ser concentrado em outras atividades, como focar em parcerias do uso efetivo dos dados para combate e controle do desmatamento”.
Antes da IA, o Imazon utilizava um algoritmo simples capaz de excluir áreas sem indícios de desmatamento. Posteriormente, uma equipe do instituto se dedicava a analisar o restante das imagens de forma manual – o que demandava muito tempo de observação. Apesar da melhora, o Centro Pi estuda como reduzir ruídos e aumentar a acurácia do algoritmo para torná-lo mais eficaz.
“Existe um campo de machine learning chamado aprendizado robusto, que trata de rótulos ambíguos ou com ruído. Já que alguns fenômenos naturais – como afloramento rochoso – são similares à desmatamento quando vistos em imagens de satélites, processos de aprendizado ajustados para lidar com essas incertezas podem atingir maior performance”, explicou Schuller.
“Outra abordagem que estamos investigando é usar modelos interpretáveis, isto é, que oferecem explicações do porquê uma área foi considerada desmatamento ou não. Dessa forma, podemos quantificar a importância de fatores como periodicidade sazonal, proximidade a rios ou as imagens de antes e depois para a previsão do modelo em cada região”, concluiu o doutorando do IMPA.
Além de Schuller, integram a equipe do projeto o cientista de projetos Francisco Ganacim e o pesquisador do IMPA Paulo Orenstein, que em julho deste ano foi premiado com o Google Research Awards pelo desenvolvimento do trabalho.
*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Imazon
O Ministro do Turismo, Celso Sabino, vai inaugurar no dia 29 de novembro, em Belém (PA), a primeira Escola Nacional de Turismo do Brasil, um projeto criado pelo Ministério do Turismo (MTur) que vai disponibilizar cursos para qualificar o profissional do setor.
A escola tem o objetivo de atender e ampliar a demanda de mão-de-obra turística no estado, com a oferta de cursos presenciais em Belém, Santarém, Vigia e Bragança e também, de forma online, em todo estado. O foco é fortalecer a atividade turística na capital paraense, porta de entrada da Amazônia Brasileira e que sediará em 2025 o maior evento climático do mundo, a COP30.
Além de Belém, o Rio de Janeiro também ganhará, no ano que vem, uma unidade da Escola Nacional de Turismo. O estado é uma das maiores portas de entrada de turistas estrangeiros no Brasil.
A unidade do Pará vai funcionar com a cooperação técnica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), que ficará responsável pela execução dos cursos nas modalidades presencial e à distânci,a para atender tanto a capital paraense quando o interior do Estado.
No primeiro ciclo, serão ofertadas 4,7 mil vagas em cursos focados em áreas estratégicas para contribuir com o desenvolvimento do turismo brasileiro, como “Gestão de Negócios para o Turismo”, “Educação Ambiental e Sustentabilidade”, “Governança para a Hospedagem Familiar”, “Condutor de Atrativos Turísticos”, entre outros cursos voltados para o segmento, além de idiomas como inglês e espanhol.
A inauguração da Escola Nacional de Turismo está prevista para acontecer dia 29 às 14h (horário de Brasília), no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), Campus Belém, localizado na Avenida Almirante Barroso, n°.1155, em Belém.
Amapá: floresta do escudo das Guianas revelou ser a mais resiliente. Foto: Léo Ramos Chaves/Revista Pesquisa FAPESP
Um estudo internacional uniu informações de satélite com dados de solo e relevo do vasto bioma amazônico para revelar uma visão abrangente e heterogênea das áreas que apresentam diferentes graus de vulnerabilidade às condições impostas pelos crescentes períodos de seca. A pesquisa, publicada em maio na revista Nature, teve participação de brasileiros e foi atrás de apontar os principais mecanismos responsáveis pela resposta da vegetação ser tão variável conforme sua posição geográfica.
Distribuições de múltiplas características no espaço, incluindo profundidade do lençol freático, altura das árvores e fertilidade do solo, foram adicionadas ao modelo que, ao final, mostrou que a vegetação com características naturalmente mais sensíveis à falta de água coincide com as terras mais produtivas e férteis que compõem parte do sul e sudeste amazônicos. A localização preocupa, já que é também a mais impactada pelo arco do desmatamento, do sul do Pará ao norte de Mato Grosso.
“Há muitos trabalhos da Amazônia com medidas em nível local para falar sobre os impactos do clima nos ecossistemas, especialmente os da seca, mas o nosso mais recente olhou para um panorama climático de grande escala”, avalia o biólogo norte-americano Bruce Nelson, especialista em sensoriamento remoto do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e coautor do estudo, a respeito da abordagem holística adotada pelo grupo de pesquisadores. “É um grande exemplo de como se pode juntar dados do chão, dos satélites e das plantas para considerar o sistema como um todo.”
Para a chinesa Shuli Chen, primeira autora do estudo e especialista em análises espaciais na Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, que conversou por e-mail com Pesquisa FAPESP, outra preocupação com as áreas ambientais de menor resiliência à seca encontradas nas análises é a de que boa parte delas integra o território do leste do bioma amazônico.
A floresta remanescente na porção oriental é também responsável por lançar para a atmosfera um imenso volume de vapor-d’água que segue para o oeste, irrigando cerca de 50% do que é necessário às árvores dali. Reciclada pela floresta essa água segue sua viagem pelos céus, direcionando chuvas ao restante do país e à parte sul do continente. O fenômeno ficou conhecido como rios voadores.
“Por isso perder a vegetação dessa parte da Amazônia é um dano que vai além daquele causado à floresta ou à agricultura da América do Sul: a interrupção da ciclagem de água afeta a integridade do sistema global inteiro”, explica Chen.
Um dos pesquisadores responsáveis pela popularização do conceito de rios voadores é o geocientista Antonio Donato Nobre, pesquisador aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), coautor do estudo recente na Nature. O trabalho prévio de seu grupo na detecção e no mapeamento da água subterrânea ao longo do território amazônico por meio do modelo topográfico conhecido como “Hand”, sigla para height above nearest drainage (altura acima da drenagem mais próxima), motivou o coordenador da pesquisa, o cientista do clima norte-americano Scott Saleska, também da Universidade do Arizona, a procurar fatores que pudessem explicar as diferenças observadas nos padrões de morte da vegetação. “Boa parte das áreas que mais sofrem com a seca parecia ter a profundidade do lençol freático como causa direta e principal, mas faltava investigar as que não podiam ser resumidas a esse fator para termos uma resolução mais precisa do cenário”, contou Saleska, também por e-mail.
Com uma resolução mais detalhada em mãos e mais informações sobre o mosaico de fragilidades da Amazônia, os pesquisadores defendem que as ações em planos de conservação e políticas públicas possam se tornar mais focadas e eficientes.
Nobre ressalta que isso não quer dizer que áreas que não foram definidas como prioritárias pelo trabalho possam ser desmatadas, já que as partes da floresta dependem umas das outras na dinâmica do clima. O segredo para combater a crise climática, segundo ele, é a diversidade do sistema. “A floresta é complexa e precisa ser respeitada em sua complexidade e integridade.”
Arte: Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP
Evolução e relevo
De forma geral, o norte amazônico demonstrou conseguir lidar melhor com secas intensas do que o sul do bioma. Ainda assim, o sul apresenta regiões resilientes: áreas alagadas (com vegetação conhecida como igapó) ou as com o lençol freático próximo à superfície, que têm o acesso à água facilitado. No caso dos igapós, os períodos de seca podem até ser bem-vindos para um alívio temporário e oxigenação das raízes normalmente submersas, desde que a estiagem tenha curta duração.
Onde o lençol freático é profundo, sobrevivem há centenas de anos as espécies com raízes que alcançam a água. Como raízes profundas geralmente representam árvores mais antigas e mais altas, a estatura na fisionomia vegetal também foi um dos fatores no mapa de resiliência.
Mas o critério do lençol freático não se aplica a todo o território por onde se espalha o bioma. No escudo das Guianas, planalto ao extremo norte que abriga as árvores gigantes da Amazônia, foi encontrado o perfil de vegetação com a maior resiliência de todas. Lá, a distância entre a superfície e a água subterrânea não é um fator determinante. A constatação talvez seja explicada por uma característica marcante e conhecida da região: o solo infértil.
Estudos feitos ao longo dos últimos anos têm mostrado que em solos pobres em nutrientes o crescimento é extremamente lento, o que implica madeira e vasos internos da planta mais densos, possivelmente com maior resistência ao embolismo, processo em que os vasos internos da planta colapsam pela entrada de ar onde só deveria haver água, quando o solo seca demais.
O tamanho das árvores, a fertilidade do solo e a proximidade do lençol freático são fatores que atuam em combinação, com vantagens e desvantagens que se compensam. O pior cenário, típico da região do arco do desmatamento, é o que soma solo fértil, plantas baixas e lençol freático profundo. As árvores nessas condições são propensas ao embolismo, pois desenvolvem raízes que não conseguem alcançar o lençol freático.
Entre os parâmetros considerados pelo grupo de pesquisa, estava o da “verdidão”. O Índice Aprimorado de Vegetação (EVI) quantifica a concentração folhas de árvores saudáveis nas copas das árvores do dossel superior. Além do EVI, também levaram em conta medidas diretas da fotossíntese por meio do índice SIF (sigla para fluorescência de clorofila induzida por radiação solar). Ambos os índices são baseados em informações colhidas ao longo de mais de 20 anos por satélites da agência espacial norte-americana (Nasa).
Para os participantes do estudo, o critério apoiado nos índices de fotossíntese se justifica pela correlação que o EVI e o SIF têm com taxas de mortalidade e de crescimento da vegetação.
“O embolismo também é fundamental para entender o estudo porque descobrimos, em uma pesquisa anterior, que essa foi a maior razão por trás das mortes das árvores em uma das piores secas do sul amazônico, a de 2015”, explica Nelson.
Arte: Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP
Mais modelos
Outras ameaças ao ciclo de chuvas podem ser adicionadas aos modelos, deixando-os mais detalhados, precisos e realistas na missão de projetar estratégias de conservação do ecossistema e da biodiversidade da Amazônia. A necessidade de abordagens multifatoriais para tratar do tema é um foco da matemática Marina Hirota, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e colegas, em um artigo que ganhou a capa da revista Nature em fevereiro deste ano.
Hirota também chegou a um mapa heterogêneo de respostas e fragilidades do território amazônico. Para isso, combinou uma série de outras perturbações ambientais, incluindo, além de secas passadas, a propensão à morte por inundações, incêndios e desmatamento. Ao fim, chegou à estimativa de que, até 2050, entre 10% e 47% da floresta amazônica estará exposta ao risco do chamado “ponto de não retorno”, ou ponto de inflexão, quando o ecossistema não consegue mais se recuperar do distúrbio que lhe foi infligido. Além das perturbações, a pesquisadora considerou forças que tendem a proteger a vegetação, como os limites de terras indígenas.
Segundo ela, os cientistas estão descobrindo que algumas regiões da Amazônia são mais resilientes às mudanças climáticas do que se sabia antes dos anos 1990, quando se começou a falar de pontos de inflexão climática para o bioma inteiro, de forma homogênea. Hirota lembra que o fato de a floresta ter mecanismos de resistência e resistência não significa que ela não vá sucumbir caso as alterações sejam drásticas demais. “Apenas significa que temos um pouco mais de tempo, mas não muito”, esclarece.
Hirota é coautora de um estudo, publicado em 2023 na Nature, incluído no estudo de Shuli Chen, que aponta as florestas do sudeste da Amazônia como evolutivamente mais resistentes quando avaliadas por uma medida de resistência ao embolismo. “Quanto mais negativos os valores, mais tensão de água a árvore aguenta nos vasos antes de sofrer embolismo”, explica.
Mas a ameaça sobre a região é descrita por outra medida, HSM (margens de segurança hidráulica), que mostra se as plantas estão operando dentro dos limites ecofisiológicos seguros para evitar a mortalidade por seca. Com base nisso, embora as florestas do sudeste sejam mais resistentes à seca, elas já estão operando fora dos limites seguros por estarem experimentando mais déficit hídrico. Já as florestas do oeste, sudoeste e noroeste, embora menos resistentes, não sofrem tanto impacto de mudança na disponibilidade de água. O trabalho foi liderado pela ecóloga Julia Tavares, atualmente pesquisadora em estágio de pós-doutorado na Universidade de Uppsala, na Suécia. A continuidade de estudos que integrem os indicadores e as características de cada parte da floresta deve permitir entender melhor os riscos e as áreas com maior probabilidade de permanecer íntegras.
Antonio Nobre atribui as estratégias de defesa aos sistemas da natureza que qualifica como elegantes e complexos, especialmente nos contextos de diversidade biológica e geofísica. “Sistemas assim, quando intactos, tendem a dar respostas apropriadas dentro de sua capacidade de se autorregular – até o momento em que os limites são ultrapassados, levando ao colapso ecológico, que é o que estamos vivendo agora.”
Floresta em transformação
Uma das respostas adaptativas pode ser o surgimento de uma nova flora, resistente às novas condições
Tanto o trabalho de cientista do clima norte-americano Scott Saleska quanto o da matemática Marina Hirota olharam para a vegetação pelo seu aspecto funcional, e não exatamente para a composição da flora, escolhendo focar nas capacidades e propriedades das plantas, sem distinguir espécies. Outra pesquisa, publicada em 2018 na revista Global Change Biology pela ecóloga brasileira Adriane Esquivel-Muelbert, à época na Universidade de Leeds, no Reino Unido, olhou para informações das espécies amazônicas coletadas ao longo de 30 anos e detectou que já estava em curso uma substituição na composição das árvores.
A pesquisadora mostrou que indivíduos de espécies que sobrevivem melhor em terras úmidas estão nascendo menos na Amazônia, dando lugar a plantas normalmente encontradas em ambientes mais secos e com maior abundância de gás carbônico na atmosfera. A troca gradual por árvores que sobrevivem nessas condições, no entanto, não acompanha a velocidade das alterações climáticas globais. Os indícios apontam para a mesma direção: as mudanças têm sido rápidas demais para que a floresta consiga se adaptar.
A reportagem acima foi publicada com o título “Resiliências da Amazônia” na edição impressa nº 345, de novembro de 2024.
O Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), por meio da Defesa Civil Nacional, reconheceu, no dia 22 de novembro, a situação de emergência na cidade amapaense de Porto Grande, devido a infecção parasitária em peixes do rio Araguari. A portaria com o reconhecimento foi publicada no Diário Oficial da União (DOU).
Agora, a prefeitura está apta a solicitar recursos do Governo Federal para ações de defesa civil. Até o momento, o Amapá tem 21 reconhecimentos vigentes, dos quais 16 por estiagem, quatro por outras infestações e um por vendaval.
Como solicitar recursos
Cidades com o reconhecimento federal de situação de emergência ou de estado de calamidade pública podem solicitar ao MIDR recursos para ações de defesa civil. A solicitação pelos municípios em situação de emergência deve ser feita por meio do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2iD).
Com base nas informações enviadas nos planos de trabalho, a equipe técnica da Defesa Civil Nacional avalia as metas e os valores solicitados. Com a aprovação, é publicada portaria no DOU com o valor a ser liberado.
Denúnciasforam feitas em julho
Moradores da comunidade ribeirinha de Sapo Seco, no município de Porto Grande, registraram vídeos no dia 9 de julho que mostram cardumes de várias espécies de peixes mortos no Rio Araguari. De acordo com os relatos o caso aconteceu após o nível da água baixar rapidamente.
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) – Amapá protocolou no mesmo dia denúncias ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Ministério Público do Amapá (MP-AP) e alegou que a morte de peixes ocorre sempre quando há o aumento de vazão na hidrelétrica Cachoeira Caldeirão, uma das três instaladas no Araguari e a que fica mais próxima da comunidade.
Entre as espécies encontradas mortas estão: branquinha, cachorro de padre, sarda, cará, traíra, piaba, dentre outros.
O Rio Araguari é um dos mais importantes do Amapá e possui cerca de 300 quilômetros de extensão, com nascente no Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque e foz no Oceano Atlântico.
O Pará é um dos maiores produtores de cacau do Brasil e faz parte da Rota de Integração Nacional, uma iniciativa do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional que estimula o desenvolvimento das cadeias produtivas. Para qualificar ainda mais essa produção, a cidade de Altamira recebeu quatro dias de workshop, com muita troca de experiências, para debater novas tecnologias e sustentabilidade.
O coordenador-geral do Programa Rotas de Integração Nacional na Secretaria Nacional de Políticas de Desenvolvimento Regional e Territorial, Tiago Araújo, considerou que a agenda foi uma oportunidade de atualizar a carteira de projetos da Rota do Cacau no Estado, reestruturar seu comitê gestor e conhecer, pessoalmente, fábricas de produção de chocolate.
“Tivemos a oportunidade de conhecer pessoalmente algumas unidades de referência tecnológica do cacau, também unidades experimentais da Embrapa e da Universidade Federal do Pará. Discutimos, em todos os momentos, com produtores, associações cooperativas, instituições estaduais, federais, e municipais e prefeituras parceiras”, destacou.Produores de cacau durante encontro em Altamira (PA) (Foto: Divulgação)
Temas como a estruturação do cacau e a promoção da cacauicultura na região transamazônica do Xingu foram amplamente abordados. O workshop também serviu para reestruturar o Comitê Gestor da Rota do Cacau no Pará e para visitar fábricas produtoras de chocolate. “Esse evento foi importantíssimo para a região de Altamira pois estamos discutindo, principalmente, os principais gargalos que a cadeia do cacau apresenta. Fazer isso dentro da Rota do Cacau, que é de extrema relevância aqui para a região, é algo necessário”, destacou o professor Miguel Alves Júnior, da UFPA.
A agenda foi trabalhada de modo a trazer novas ideias e olhares para a região cacaueira e para toda a cadeia produtiva do cacau. A coordenadora da Rota no estado entre 2018 e 2024, Elisâgela Trzeciak, lembra que a Rota conseguiu colocar diferentes atores trabalhando com essa cadeia produtiva no território.
“Conseguimos sentar com produtores para entender os desafios apresentados por eles e, juntos, buscarmos soluções. Desde 2018, o Comitê já teve diferentes projetos implementados e finalizados”, comemora Trzeciak. “Sem dúvida, agora a gente entra numa segunda fase da Rota do Cacau, muito mais amadurecida, muito mais qualificada e com novos objetivos e projetos”, acrescentou.
Os maiores do mundo
A produtora orgânica e proprietária de uma fábrica de chocolate, Giovana Lunelli avalia a oportunidade de integração a partir do workshop. “Um evento como esse é interessante porque integra todo mundo, todos os municípios da região transamazônica do Xingu. O Pará, hoje, é um dos maiores produtores de cacau do Brasil, e temos as melhores amêndoas do mundo, além de um dos melhores chocolates. Um evento como esse faz com que o Brasil e o mundo também nos conheça”, compartilhou a empreendedora.
Elias Rodrigues, presidente da Copabam, cooperativa de produtores recém criada, também vê no projeto do MIDR uma oportunidade de acessar novos lugares. “Já tivemos momentos aqui muito difíceis do cooperativismo na nossa região, na região da Transamazônica. Felizmente, agora, estamos recebendo um olhar mais cuidadoso, diferente, de outro ângulo. Esse encontro vai mudar a nossa vida”, finalizou Elias.
Integrante da Cooperativa Central de Produção Orgânica, Gidiel Oliveira, explica que o objetivo principal do grupo é trabalhar o cacau com amêndoas de qualidade e com certificação orgânica, tanto para o mercado nacional quanto internacional.
“Estamos iniciando uma fase que é da verticalização para a industrialização do cacau, e entendemos que essas ações da Rota do Cacau, através do programa do Ministério, é uma ação fundamental para conduzir, gerenciar e direcionar as ações do governo federal”, defendeu Rodrigues.
Foto: Divulgação
O vice-prefeito de Vitória do Xingu, Rogério Pereira, comemorou a realização do workshop na região. “Para nós, é sempre uma satisfação estar acompanhando esses grandes eventos da Rota do Cacau, a qual Vitória do Xingu foi incluída recentemente. Poder colaborar com o crescimento e com o desenvolvimento dessa região, onde eu moro desde 1987, é muito especial”, comentou.
Rotas de Integração
As Rotas de Integração Nacional (ROTAS) são redes de arranjos produtivos locais associadas a cadeias produtivas estratégicas capazes de promover a inclusão produtiva e o desenvolvimento sustentável das regiões brasileiras priorizadas pela Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR). Atualmente, o programa conta com 13 setores produtivos em 77 polos espalhados pelo País, em todas as regiões. São 20 estados atendidos pelo projeto e mais de 70 mil famílias beneficiadas.