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Ameaçado de extinção, cachorro-vinagre é registrado pela primeira vez no Parna Montanhas do Tumucumaque

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Registro foi realizado durante monitoramento do ICMBio com o uso de câmeras.

Uma matilha de cachorro-vinagre, ameaçado de extinção, foi registrada durante um monitoramento da biodiversidade no Amapá. Essa foi a primeira vez que ocorreu o registro dessa espécie no Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, a maior unidade de conservação do país.

O registro foi feito por equipes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que monitoram a área preservada, que possui cerca de 3,8 milhões de hectares e está localizada nos estados do Amapá e do Pará.

Registro ocorreu durante monitoramento da biodiversidade no parque. Foto: Divulgação/ICMBio

Fernanda Colares, analista ambiental do ICMBio, explicou que a aparição é rara. 

“É um canídeo raro e de difícil registro. Já havia sido identificado através de relatos de moradores da região, mas essas fotos confirmaram a existência da espécie no interior do parque”,

descreveu a analista.

Sobre o cachorro-vinagre 

Especialistas da reserva contam que o cachorro-vinagre é a mais rara dentre outras cinco espécies de cães selvagens que são encontrados no Brasil – lobo-guará, cachorro-do-mato, raposa-do-campo, graxaim-do-campo e cachorro-do-mato-de-orelhas-curtas.

O animal têm o corpo comprido, orelhas arredondadas e pernas curtas, com membranas interdigitais entre seus dedos, facilitando a locomoção na água. Possuem uma coloração castanho-avermelhada, e os filhotes nascem acinzentados.

É o menor entre os canídeos brasileiros, medindo entre 57 e 75 centímetros de comprimento, entre 12 e 15 centímetros de cauda e pode pesar de 5 a 8 quilos. 

Como ocorre o monitoramento 

Mais de 60 câmeras foram instaladas. Foto: ICMBio/Acervo

Para se conseguir os registros, mais de 60 câmeras fotográficas foram instaladas em pontos estratégicos do parque.

O registro foi feito durante o terceiro monitoramento, que integra o Programa Nacional de Monitoramento da Biodiversidade do ICMBio, em parceria com o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (CENAP).

Esse trabalho vem tornando-se padrão em monitoramentos de florestas tropicais. A partir dele já foram registrados mamíferos e aves terrestres.

Os equipamentos foram feitos por jovens da comunidade Sete Ilhas, localizada na Perimetral Norte, no município de Pedra Branca do Amapari, que receberam treinamentos para operar o equipamento.

As outras espécies já registradas pelo programa foram: anta, irara, queixada, jacamim, mutum, onça-parda, capivara, veado, cutia, tatu, gato-maracajá, jaguatirica, entre outras.

O parque foi criado em 2002 e possui uma área total de 3.864.443 hectares na Amazônia, tornando-o o maior parque nacional do Brasil e um dos maiores do mundo.

A unidade está localizada entre os estados do Amapá e Pará e abrange os municípios amapaenses de Calçoene, Laranjal do Jari, Oiapoque, Pedra Branca do Amapari e Serra do Navio. Já do lado paraense o município de Almeirim é alcançado pelo parque.

O parque é atravessado pelas nascentes de 3 dos maiores rios do Amapá: Araguari, Oiapoque e Jari. A vegetação tropical pode ser vista a grandes distâncias, principalmente por conta do tamanho das árvores. 

Práticas de cura presentes nas religiões afro-amazônicas são estudadas no Pará

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A pesquisadora explica que quando uma pessoa chega nos espaços das religiões afro-brasileiras com algum problema, seja físico ou emocional, o religioso consegue ver além do que a medicina tradicional consegue oferecer.

As práticas de cura e cuidado nas religiões de matriz africana, afro-brasileira e indígena são o objeto de pesquisa da professora da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), Ana Lídia Cardoso do Nascimento. Ela está entre os 50 pesquisadores selecionados em todo o Brasil para uma bolsa de pós-doutorado na Universidade de São Paulo (USP), destinada exclusivamente a pessoas negras.
Com o projeto de pós-doutorado “Os significados da prática de cuidado e cura para construção de uma etnociência e bem-viver sob a lógica umbandista na metrópole paulistana”, Ana Lídia dá continuidade à sua tese de doutorado sobre o que ela chama de “Ciência do Sagrado”.

“A Ciência do Sagrado seria as práticas de cura e de cuidado presentes nas religiões de matriz africana, afro-brasileira e indígena. Foi isso que eu trabalhei na minha tese de doutorado. Então eu parto do princípio que existe uma ciência por trás dessas práticas e que está pautado no sagrado, no sobrenatural. É uma ciência específica que possui por conta disso uma epistemologia. Então existe uma ciência, não com um caráter da ciência racional, convencional, mas uma ciência por trás dessa epistemologia própria”,

comentou.

Foto: Ádison Ramos/Acervo g1 Amazonas

A pesquisadora explica que quando uma pessoa chega nos espaços de terreiros, tendas, templos, searas das religiões afro-brasileira, com algum problema, seja físico ou emocional, o religioso consegue ver além do que a medicina tradicional consegue oferecer. 

“Eles não veem que aquele problema é localizado, mas eles veem que tem alguma conexão com algum problema que essa pessoa, seja no campo da espiritualidade ou das relações interpessoais com alguém, de sentimentos. E que isso está gerando um problema que acaba se materializando, na sua estrutura biológica. Então eles têm esse olhar da pessoa como um todo, olhando holisticamente”, comentou.

Um dos campos de pesquisa de Ana Lídia foi em Juruti, oeste do Pará, onde encontrou com uma senhora que se definia como rezadeira devido ao preconceito, mas que tinha todas as características de uma mãe de santo. “Ela me dizia que tinha pessoas que chegavam lá carregadas, dizendo que estavam com dor no corpo todo, do de cabeça, que estavam afetadas com uma determinada dor enorme. Ela começava a conversar com essas pessoas, muitas vezes nem direcionando para o problema que ela tinha, conversando simplesmente, olhando no olho, com cuidado, fazendo essa pessoa sorrir e aquilo ia embora. Quando terminava aquela conversa, a pessoa já não estava sentindo toda aquela carga de negatividade que ela chegou dizendo que tinha”, disse. 

“É olhar para o outro. É cuidar. Essa é a questão do cuidado que se tem com o outro, ver o outro na sua inteireza, olhar o outro como ser humano que ele é, humanizar essa relação. Eu acho que isso, a biomedicina, a alopatia, deixa muito a desejar”,

afirmou.

Ana Lídia diz que é importante ter essas pessoas dentro dos serviços públicos e conta que trabalhou, em sua tese de doutorado, com os indígenas Tikunas na tríplice fronteira Brasil, Colômbia e Peru. E no município de Letícia, no lado colombiano, indígenas estão integrados no sistema público de saúde. 

A professora Ana Lídia no Santuário Nacional da Umbanda, em Santo André, São Paulo. Foto: Ana Lídia/Acervo pessoal

A professora também observou isso na Ilha do Marajó, no Pará, em que um técnico de enfermagem que também era pai-de-santo, que estava disposto a ajudar as pessoas além da medicina tradicional. “Ele dizia que o sonho dele era fazer um curso sobre medicina natural, porque ele dizia que as entidades que recebia, os índios, os caboclos da mata, eles passavam muitos conhecimentos, mas ele estava incorporado, então não sabia. Depois que ele retornava, as pessoas informavam a ele. Mas ele dizia que queria esse conhecimento para ele, porque o conhecimento da entidade está com a entidade. Então por isso que era o sonho dele fazer um curso sobre medicina natural”, contou.

“Quantas vezes a gente não tem nos sistemas públicos de saúde pessoas adeptas das religiões afro-brasileiras e que acabam não fazendo, porque se sentem inibidos e malvistos dentro desse processo”,

afirma a professora. 

O trabalho de Ana Lídia foi fundamental para a criação do Núcleo de Educação e Diversidade na Amazônia (NEDAM) da Ufra, na qual ela foi uma das fundadoras, em 2018. “O NEDAM foi pensado como um espaço para discussão de temáticas dentro de uma educação para a diversidade e de respeito às diferenças. Foi com esse sentido, com esse objetivo que o NEDAM foi criado.”

“Os nossos projetos de pesquisa e de extensão também estão vinculados às temáticas do NEDAM. Nós temos os grupos de trabalhos que tratam da questão da religiosidade afro-amazônica, assim com a questão sobre agroecologia, agricultura familiar, educação quilombola, questão da diversidade sexual, traz debate sobre a questão de assédio contra as mulheres, sobre homossexualidade, LGBTQI+, então a gente já fez muita coisa dentro dessa lógica, justamente para abrir um pouco a visão das pessoas, pois muitos tem uma visão muito equivocada, acabam criando pré-conceito, quer dizer, define já uma visão sobre aquilo que nem conhece, e é esse o objetivo maior do NEDAM, que traz essa possibilidade de revisão de conceitos e de concepções de mundo dentro da comunidade acadêmica da Ufra”, afirmou a professora.

O NEDAM possibilitou a criação do Grupo de Pesquisa em Educação e Diversidade na Amazônia (GEDAM) em que a professora também faz parte. “Eu tenho uma linha de pesquisa dentro do GEDAM que é ‘Produção de saberes interdisciplinares nos contextos amazônicos: estudos das relações entre ambiente, cultura e o sagrado’. E um dos resultados dessa linha está no livro que será lançado agora ‘Educação e diversidade na Amazônia paraense: experiências e práticas educativas’, do GEDAM, e um dos artigos é justamente sobre epistemologia do sagrado, que eu escrevo junto com o discente do curso de Licenciatura em Língua Portuguesa, Matheus Augusto Soares, e que nós falamos sobre epistemologia do sagrado, a partir dos povos de terreiro”.

“A minha pesquisa, toda a minha produção, é sempre direcionada para essa discussão sobre a relação entre sagrado, cultura e natureza na Amazônia. Quando eu trato a questão do sagrado, geralmente pego as religiões afro-brasileiras e o sagrado indígena. A Pajelança Caboclo, por exemplo, tem a ver com um pouco do sagrado das populações ribeirinhas, que é um sagrado que tem uma especificidade muito grande, porque comporta dentro dele a relação com a natureza. Quando a gente fala dos nossos mitos amazônicos, eles são carregados também de visões que têm a ver com essa religiosidade cabocla”, 

finalizou a professora.

Em sua pesquisa de pós-doutorado em andamento na USP, a professora, que é praticante da Umbanda, está acompanhando as práticas de curas e cuidados nos terreiros dentro da cidade de São Paulo.

Luta por terras indígenas pode ser auxiliada por sítios arqueológicos na Amazônia

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Segundo especialistas, vestígios encontrados podem ajudar povos e comunidades a comprovar sua presença ancestral no território e pressionar pela demarcação de novas Terras Indígenas.

A Amazônia é considerada o lar de povos indígenas que, há milhares de anos, já trabalhavam a terra de maneiras com as quais estamos familiarizados hoje. Eles construíram valas, lagoas, poços e outras estruturas que mostram que a floresta tropical não era “intocada”, como muitas vezes se acreditava, erroneamente.

Séculos mais tarde, o desenvolvimento dessas populações foi violentamente interrompido com a chegada das primeiras embarcações europeias às Américas.

A verdadeira extensão dos assentamentos amazônicos e da transformação da paisagem por essas populações indígenas, no entanto, permanece incerta, apesar dos esforços de pesquisadores.

Agora, uma pesquisa recentemente publicada na revista Science revela uma estimativa sem precedentes do número de sítios arqueológicos pré-colombianos do tipo “obras de terra” ainda escondidas na floresta amazônica, tendo como base tanto estruturas já conhecidas quanto novas que foram descobertas e relatadas no estudo.

Os pesquisadores descobriram mais de 20 construções de terra sob o dossel da floresta amazônica no total, o que inclui uma vila fortificada, sítios defensivos e cerimoniais, montanhas coroadas, monumentos megalíticos e sítios ribeirinhos em várzeas. Tudo isso graças a uma tecnologia avançada de sensoriamento remoto conhecida como LiDAR, que significa “Light Detection and Ranging” em inglês (Detecção e alcance de luz).

Capaz de coletar informações sobre a estrutura da floresta e sobre o terreno abaixo da floresta, o sensor aéreo tem revolucionado a forma como as informações são obtidas sobre a superfície da Terra, permitindo descobertas arqueológicas em áreas densamente florestadas.

Os autores do artigo estimam que pode haver mais de 10 mil obras de terra ainda ocultas na floresta, e ainda identificaram mais de 50 espécies de árvores domesticadas que indicam a provável ocorrência de sítios arqueológicos desse tipo, o que sugere práticas ativas de manejo florestal indígena por sociedades pré-colombianas. 

Líderes indígenas marcham contra a tese do marco temporal na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil via Flickr, cortesia da EBC/Companhia Brasileira de Comunicação

“Nossas descobertas sugerem claramente que a Amazônia tinha populações humanas consideráveis, talvez totalizando de 8 a 10 milhões de pessoas. Esse número é superior às estimativas anteriores, que foram debatidas por décadas pelos antropólogos”,

diz William Laurance, ecologista tropical da Universidade James Cook, da Austrália, em Cairns, e coautor do estudo.

Charles R. Clement, pesquisador sênior recentemente aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, no Brasil, que não participou do estudo, mas colaborou com muitos de seus autores, disse  por e-mail que, segundo sua interpretação, essa é uma indicação clara de que haveria muitas pessoas em toda a Amazônia, especialmente na região sul — “provavelmente milhões”, diz ele.

Para os pesquisadores, as descobertas contribuem para o debate atual sobre a Bacia Amazônica ter abrigado a presença histórica de grandes populações indígenas. 

24 novos sítios arqueológicos 

O estudo envolveu uma equipe intercontinental de mais de 200 pesquisadores de 24 países, que identificaram 24 sítios arqueológicos pré-colombianos não relatados anteriormente nas regiões sul, sudoeste, central e norte da Amazônia, depois de escanear dados LiDAR de áreas que totalizam 5.300 quilômetros quadrados, o que equivale a menos de 0,1% da Amazônia.

Esses 24 sítios revelam uma variedade de estruturas que indicam que as pessoas estavam usando diferentes partes da Amazônia de diferentes maneiras.

Na região sul, seis obras de terra que poderiam ser parte de uma vila fortificada de uma antiga cidade-praça foram descobertas na Bacia do Alto Xingu, em Mato Grosso.

“Essas aldeias possuíam valas periféricas, estradas com meio-fio, calçadas elevadas, lagoas artificiais, diques, açudes para peixes e outras estruturas de terra”, o que revela a existência de “políticas regionais e organizadas entre pares e uma forma social intermediária entre aldeias autônomas dentro da bacia do Alto Xingu”, disse o geógrafo brasileiro Vinicius Peripato, doutorando em sensoriamento remoto no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e principal autor do estudo,.

No sudoeste da Amazônia, foram encontradas dez estruturas de terra que poderiam ser sítios defensivos e cerimoniais, conhecidos como “geoglifos”, diz o pesquisador, nos municípios de Senador Guiomard e Rio Branco, no Acre. Peripato explica que a presença de urnas funerárias nesses tipos de sítios e a ausência de solos e cerâmicas antropogênicas “são evidências de que o uso dessas estruturas era limitado a reuniões religiosas e comunitárias”.

Na região do Escudo das Guianas, foram descobertos seis sítios nos municípios de Laranjal do Jari, Ferreira Gomes e Oiapoque, no Amapá. As construções de terra encontradas nas montanhas coroadas, chamadas no estudo de “assentamentos permanentes”, eram usadas tanto para “funções cerimoniais quanto domésticas”, explica o pesquisador, enquanto as estruturas megalíticas serviam apenas como “sítios cerimoniais”.

Já na Amazônia Central, foram encontradas duas estruturas de terra nos municípios de Boa Vista do Ramos e Óbidos, no Amazonas e Pará, respectivamente. Acredita-se que estas, nessas regiões, serviam como sítios ribeirinhos em várzeas, “que eram usados para coletar alimentos aquáticos durante a subida e a descida do nível dos rios na Amazônia”, explica Peripato. 

A imagem acima mostra como a tecnologia LiDAR revelou as 24 obras de terra pré-colombianas encontradas pelos pesquisadores. A camada inferior é o dossel da floresta; a do meio, os relevos detectados na superfície plana; a de cima, as estruturas humanas em destaque por baixo do dossel. O desenho superior aponta o desenho de como seria a obra de terra destacada. Imagem de Andrés Alegría/Mongabay

Laurance diz que o estudo e trabalhos relacionados sugerem que os grupos indígenas da Amazônia tinham meios sofisticados de agricultura rotativa/itinerante, irrigação, desenvolvimento de aldeias e fortificações defensivas para ajudar a repelir ataques externos. 

“Isso está fazendo com que os pesquisadores reavaliem seu pensamento sobre as habilidades técnicas dos povos nativos da Amazônia, que eram mais avançadas do que muitos pensavam”,

afirma o coautor. 

A luta pelo reconhecimento de território indígenas 

A pesquisa “demonstra que a Amazônia sempre foi o lar dos povos indígenas”, diz Toya Manchineri, coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), que defende os direitos dos povos indígenas à terra, à saúde, à educação, à cultura e à sustentabilidade, em entrevista por telefone.

Ele ressalta que os dados são muito importantes, especialmente em um momento em que os povos indígenas no Brasil estão “travando uma batalha sobre a questão do marco temporal”, uma tese polêmica que restringiria o reconhecimento legal dos territórios indígenas em todo o país.

O marco temporal defende a invalidação de todas as reivindicações de terras indígenas que não estavam fisicamente ocupadas por comunidades indígenas em 5 de outubro de 1988, dia em que a Constituição brasileira foi promulgada. Embora essa doutrina tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em setembro, o Congresso Nacional brasileiro aprovou um projeto de lei (PL 2903) com um objetivo semelhante, desafiando a decisão do tribunal. O PL foi parcialmente vetado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para depois ter o veto derrubado pelo Congresso em dezembro.

Clement diz que os pesquisadores apontam que as obras de terra e as florestas domesticadas fornecem evidências diretas da habitação indígena ao longo de séculos e até milênios, o que contribui “para ajudar os povos indígenas a demonstrarem que têm direito a esses territórios”.

Ele acrescenta que isso é muito importante hoje, “já que a Bancada Ruralista no Congresso Brasileiro quer parar toda demarcação de territórios indígenas para que o agronegócio brasileiro possa se expandir sem ser incomodado”.

Manchineri explica que, com descobertas como as obras de terra, a ciência contraria os interesses de setores como o agronegócio ou os envolvidos na invasão de territórios indígenas. “É ruim para eles porque demonstra, com qualidade científica, que os povos indígenas sempre viveram na Amazônia e que a ação do próprio Estado foi dizimando várias populações indígenas”.

Ele diz que os dados do estudo também são importantes para as organizações e povos indígenas em seus esforços para demarcar novos territórios. A arqueologia, acrescenta ele, por meio da descoberta destes sítios, têm revelado “onde, como e por quanto tempo os povos indígenas viveram no passado”.

O coordenador explica que não é como se os povos indígenas quisessem agora retomar cidades, mas sim que o Estado brasileiro pelo menos reconheça o mal que foi feito a essas populações indígenas: “Auxiliem os que ainda vivem da melhor maneira possível, para que eles possam cada vez mais se fortalecer enquanto povos indígenas e fortalecer seus conhecimentos ancestrais”.

Manchineri também adverte: “Caso contrário, dado o nível atual de invasão, nós vamos ficar à mercê de muita coisa”. 

Milhares de obras de terra ainda podem estar ocultas 

Os autores do estudo afirmam que suas descobertas podem servir como base para a descoberta de evidências muito mais extensas de habitação indígena, pois estes estimam que entre 10.272 e 23.648 obras de terra ainda podem estar escondidas sob a Floresta Amazônica. A estimativa foi obtida combinando as 24 estruturas recém-detectadas com as mais de 900 obras de terra registradas anteriormente e modelagem estatística avançada.

O número sugere que as estruturas de terra previamente documentadas na Amazônia representam menos de 10% do total, com mais de 90% permanecendo não descobertas, de acordo com a pesquisa.

Os cientistas também mostraram a notável correlação de que “espécies [de árvores] domesticadas estão relacionadas à probabilidade de obras na área”, explicou Hans ter Steege, pesquisador do Naturalis Biodiversity Center e professor da Universidade de Utrecht, na Holanda, coautor do artigo.

Essa conexão foi estabelecida comparando os prováveis locais de obras de terra com registros históricos de espécies de árvores domesticadas na Amazônia. Das quase 80 dessas espécies, 53, incluindo cacau (Theobroma cacao), cupuaçu (Theobroma grandiflorum), pupunha (Bactris gasipaes), castanha-do-pará (Bertholletia excelsa) e outras, muitas das quais ainda estão sendo usadas, coincidiram com prováveis locais de obras de terra, diz ter Steege.

A esse respeito, Clement observa que, ao contrário do Oriente Médio, “onde a sociedade e a agricultura euro-americanas se originaram”, a Amazônia era habitada por pessoas envolvidas em arboricultura, “a cultura das árvores, das florestas e dos jardins”.

O pesquisador menciona que “não havia agricultura antes da conquista europeia. No entanto, os ecossistemas amazônicos, especialmente as florestas, alimentavam milhões de pessoas. O que a sociedade pode aprender com isso?”

Manchineri diz acreditar que esses resultados fortalecem a visão de que os povos indígenas têm muito a contribuir para o desenvolvimento do país. “É uma pena que os governantes não olhem dessa forma.”

Ele sugere que talvez o sistema de agricultura em larga escala atual possa olhar para o conhecimento indígena de uma perspectiva diferente, “e tentar se adaptar para trabalhar não depredando o meio ambiente”.

Um homem retira castanhas-do-pará no Peru. A espécie de árvore é uma das mais de 50 com registros históricos na Amazônia que se sobrepõem a prováveis locais de obras de terra. A correlação provavelmente sugere práticas ativas de manejo florestal indígena por sociedades pré-colombianas, conforme demonstrado pela pesquisa. Foto: Rhett A. Butler/Mongabay

Uma distribuição não uniforme 

Antigas estruturas de terra com funções sociais, cerimoniais e defensivas, como valas circulares, geoglifos, lagoas e poços construídos com técnicas de terraplenagem, são alguns dos tipos de formações pré-colombianas encontradas na Amazônia e fornecem evidências da ocupação indígena na bacia por sociedades que construíam com terra.

O estudo sugere que as sociedades pré-colombianas realizavam essas construções em todas as regiões da Amazônia, “cobrindo uma área mais ampla do que se pensava anteriormente”, embora esses locais não fossem distribuídos uniformemente, já que as obras de terra provavelmente estão mais concentradas em determinadas regiões, especialmente no sudoeste da Amazônia.

“Prevemos que 90% da floresta amazônica têm uma chance muito baixa de ter obras na terra, então esse tipo de modificação nas florestas amazônicas pode ter ocorrido principalmente em 10% de sua área”, afirmou ter Steege em um comunicado à imprensa.

O autor principal do estudo explica que a ocorrência dessas estruturas é mais comum nas transições da floresta tropical para as savanas, em locais que combinavam condições ambientais que “provavelmente facilitaram a construção com terra, oferecendo períodos com menos precipitação e temperaturas mais altas e solos com melhor textura”.

Laurance acrescenta que os grupos indígenas “eram evidentemente muito menos comuns, talvez até mesmo ausentes, em áreas de floresta tropical profunda, áreas mais úmidas onde a agricultura baseada em fogo é difícil, e nas grandes extensões da bacia que têm solos carentes de nutrientes”.

Ele diz ainda que o estudo reforça perspectivas anteriores que argumentam que as populações indígenas na Amazônia estavam “em grande parte confinadas a áreas mais secas ou marginais, onde a agricultura baseada no fogo era muito mais fácil do que em áreas mais úmidas”.

Um bioma “domesticado”  

Clement diz que as descobertas recém reveladas vão contra a crença das pessoas de que a Amazônia era “a última fronteira, quase intocada pelas mãos humanas até a conquista europeia, o desmatamento moderno e o fogo”.

Ele se opõe à ideia de que as culturas humanas teriam sido limitadas e determinadas pelo meio ambiente. Em vez disso, o pesquisador, assim como outros, apoia a suposição de que as culturas humanas teriam modificado o ambiente conforme desejado, assim como fazem hoje. “A Amazônia não era intocada como a maioria das pessoas imagina, mas foi completamente domesticada pelos povos indígenas, que foram exterminados pela escravidão, doenças e guerras europeias”.

Peripato explica que a sugestão de que pelo menos 10% da Amazônia pode ter sido modificada por sociedades pré-colombianas “baseia-se nesse tipo único e específico de formação pré-colombiana”, ou seja, as obras de terra. No entanto, diz Clement, “nem todas as sociedades movimentaram terra em grandes quantidades”. Isso significa que há outros tipos de evidências arqueológicas na Amazônia que indicam diferentes formas de ocupação e transformação da paisagem pelos povos indígenas.

“Se considerarmos todos os tipos de registros pré-colombianos, como solo antropogênico e cerâmica, a extensão da modificação feita por essas sociedades em toda a Amazônia pode ser comprovadamente maior”, afirma Peripato.

O solo ao qual ele se refere, também conhecido como terras pretas da Amazônia, é um solo antropogênico enriquecido com nutrientes, amplamente aceito como indicação de assentamento de longo prazo por sociedades pré-colombianas, que foram encontradas especialmente em locais na Amazônia Central e Oriental.

Clement diz que há também as próprias florestas domesticadas, que provavelmente estão contidas em áreas semelhantes àquelas onde ocorrem as obras de terra pré-colombianas, mas também em outros locais.

Ele acrescenta que todas essas evidências arqueológicas podem ser encontradas em tamanhos variados ao longo de rios grandes e pequenos e, como também havia alguns povos indígenas que não costumavam se fixar, pode haver sítios mais dispersos e “ainda menores e mais efêmeros”.

O pesquisador relata que, onde quer que os arqueólogos pesquisem, encontram novos sítios, “às vezes com obras de terra, muitas vezes sem”, e afirma que toda a Amazônia foi domesticada, “mas isso não significa que cada árvore ou palmeira tenha sido plantada. Há muitas maneiras de criar uma floresta domesticada”.

“Alguns povos indígenas construíram obras de terra, outros não. Alguns praticavam a agricultura, outros não. Todos gerenciavam suas florestas para aumentar a disponibilidade de alimentos”,

continua Clement.

Um indígena Tikuna na Amazônia colombiana. Alguns pesquisadores se opõem à ideia de que as culturas humanas teriam sido limitadas e determinadas pelo ambiente e apoiam a noção de que elas modificaram o ambiente conforme desejado. Foto: Rhett A. Butler/Mongabay.

controvérsias sobre isso na comunidade científica, e há quem critique essa interpretação de uma Amazônia domesticada, argumentando que “populações densas e assentadas” teriam sido encontradas “em áreas ricas em recursos, como ao longo do principal canal do Rio Amazonas”.

De qualquer forma, a noção de uma Amazônia historicamente intacta e livre de pessoas influencia as lutas modernas. Clement diz que tal imagem ajuda nos sonhos de conservação das florestas sem seus povos, sejam eles indígenas ou tradicionais, além de alimentar projetos de desenvolvimento. “O poderoso agronegócio brasileiro diz que as florestas vazias devem ser substituídas por campos de grãos, por exemplo, monoculturas industriais de soja, milho, algodão e pastagens, para alimentar o mundo.” 

Pesquisa inovadora 

 Peripato explica que esse estudo contribui para o conhecimento em três áreas principais, uma das quais é “a própria arqueologia por meio de descobertas inovadoras e o destaque de várias áreas para prospecção arqueológica”.

Ele diz que, no campo das ciências ambientais, o avanço está em demonstrar o nível de interferência humana na região, “que pode ter implicações em seu funcionamento atual e na forma como modelamos seu futuro”.

Na computação aplicada, o pesquisador destaca um salto na capacidade de analisar milhares de pontos dentro dos dados coletados pelo sensor LiDAR, que “opera usando pulsos de laser para medir distâncias e criar representações detalhadas do terreno, objetos e estruturas em nosso ambiente”.

A modelagem estatística que permitiu estimar o número de obras de terra pré-colombianas ainda escondidas na floresta é outro progresso nesse campo. “Usamos as 24 novas descobertas, juntamente com as estruturas previamente catalogadas até aquele momento, e desenvolvemos um modelo de probabilidade para toda a Amazônia”, explica o autor principal do estudo.

Laurance afirma que a pesquisa ajuda a resolver o debate de longa data sobre o número de povos nativos que ocupavam a Amazônia, “favorecendo claramente números mais altos”. Segundo ele, trata-se de uma pesquisa inovadora. “Esse tipo de trabalho, em escala tão grande, nunca foi feito antes.”

*O conteúdo foi originalmente publicado pela Mongabay, escrito por Michel Esquer

Ferrogrão: Governo pede desculpa a indígenas, mas retoma ferrovia da soja na Amazônia

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Ferrovia está prevista para ligar norte do Mato Grosso ao sul do Pará, em prol do escoamento de grãos. Projeto passa por dentro de terras indígenas e áreas preservadas e tem oposição de lideranças kaiapós e mundurukus.

Com um pedido oficial de desculpas a povos indígenas, o governo federal voltou à carga para destravar a polêmica Ferrogrão – sonho antigo dos produtores de soja e milho do centro-oeste e um dos mais ambiciosos projetos de logística do país. Totalizando 933 km de extensão, a ferrovia teria início no município de Sinop (MT), base da produção nacional de grãos, e cruzaria a Amazônia até chegar ao porto de Itaituba (PA), no rio Tapajós.

A reportagem teve acesso a um “pedido de retratação” que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), órgão federal responsável por gerenciar as concessões do setor logístico, apresentou em uma reunião realizada nesta quarta-feira (7 de fevereiro) em Brasília (DF), com lideranças indígenas do Instituto Kabu.

A organização do povo Kayapó Mekrãgnotí atua na defesa de indígenas das proximidades da rodovia BR-163, principal via de escoamento do agro no centro-oeste. A Ferrogrão seria construída paralelamente à estrada.

Segundo a ANTT, a agência quer garantir “o processo de consulta prévia, livre e informada, conforme previsto na Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), a qual, infelizmente, não foi devidamente observada”.

Com 933 km de extensão, Ferrogrão vai de Sinop (MT) a Itaituba (PA). Arte: Débora De Maio

Com o reposicionamento, o governo deixou claro que pretende levar adiante o projeto, ideia criada há mais de uma década, ainda no primeiro governo da então presidente Dilma Rousseff (PT), pelas grandes tradings de grãos que atuam no país: Amaggi, ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus.

Não por acaso, o projeto há anos figura entre as prioridades da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), instituição já presidida, no Mato Grosso, pelo atual ministro da Agricultura, Carlos Fávaro.

“Esse projeto é de interesse nacional e deve ser realizado de maneira sustentável, considerando as melhores decisões socioambientais para a região e para todas as comunidades que a habitam”, afirma a ANTT, em documento assinado em 26 de janeiro. “Uma vez concluída, a Ferrogrão terá uma capacidade de transporte significativa, proporcionando competitividade no escoamento da produção pelo Arco Norte”.

Liderança da aldeia Baú e responsável pelas relações públicas do Instituto Kabu, Mydjere Kayapó afirmou à reportagem que a reunião e a retratação não significam a aceitação do projeto. “Não é por causa de uma carta de desculpas que diremos sim para a Ferrogrão. Isso não deve só a mim, mas a todos os indígenas que sempre foram desrespeitados nesse processo”, disse.

A tentativa de aproximação do governo com os indígenas procura vencer uma etapa paralisada em 2021, quando o processo de licenciamento da obra – estimada hoje em aproximadamente R$ 30 bilhões – foi paralisado por ordem do STF.

Naquela ocasião, o ministro Alexandre de Moraes deu uma cautelar contra o projeto, ao atender uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pelo PSOL. A legenda questionava a redução dos limites do Parque Nacional Jamanxim, uma unidade de conservação ambiental no Pará, para a construção da Ferrogrão. Por decisão da própria corte, é proibido alterar limites de unidades para passagem de obras.

Lula e cacique Raoni Metuktire, do povo kaiapó, durante Acampamento Terra Livre em 2023. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Indígenas não ouvidos

O pedido de desculpas faz referência a uma sessão pública do empreendimento realizada em 12 de dezembro de 2017, em Brasília, na gestão do então presidente Michel Temer, para tratar do licenciamento da obra. Na ocasião, os indígenas não foram ouvidos. No encontro desta quarta-feira, representantes do Ministério dos Transportes e da ANTT se reuniram em Brasília com as lideranças indígenas, para oficializar a retratação.

Na prática, porém, o encontro, que teve participação da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), simboliza mais do que um mero pedido de perdão. Em defesa da ferrovia, a agência reguladora destaca, inclusive, o apelo ambiental do projeto, apesar das preocupações de ativistas com os impactos sobre o ecossistema local.

“Este empreendimento contribuirá para o desenvolvimento nacional, alinhando-se a projetos estratégicos de infraestrutura de transportes, ao mesmo tempo em que respeitará o meio ambiente, promovendo a redução das emissões de CO² na atmosfera, em conformidade com a agenda ESG (ambiental, social e governança) do governo federal e os padrões estabelecidos pela Climate Bond Initiative (CBI) para certificação de iniciativas sustentáveis.”

Apesar de o Brasil ser signatário da Convenção 169 da OIT, o processo de consulta prévia nunca foi efetivamente respeitado no país. O que está em jogo, porém, é saber se os indígenas teriam, ou não, poder de veto ao projeto, a partir do diagnóstico de seus impactos. 

Fila de caminhões carregados de soja na BR-163 com destino ao porto de Miritituba, em Itaituba (PA). Foto: João Laet/Repórter Brasil

Busca de diálogo 

Durante o encontro com as lideranças indígenas, o subsecretário de sustentabilidade do Ministério dos Transportes, Cloves Eduardo Benevides, disse que não está definido se a obra será bancada por recursos públicos, se será uma concessão, ou uma Parceria Público-Privada (PPP). “Não há um desenho final, o que há é um debate público”, comentou.

O plano ferroviário retomado por Lula contraria frontalmente seu maior aliado quando o assunto é a representação dos povos indígenas: o cacique Raoni Metuktire. O líder indígena de 93 anos, que subiu a rampa do Planalto ao lado do presidente na cerimônia de sua posse, em janeiro de 2023, vive na região a ser cortada pela Ferrogrão.

Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) já demonstraram que a criação de um terminal de cargas da Ferrogrão em Matupá, no norte do Mato Grosso, pode partir ao meio as terras indígenas do Xingu. É nesse ponto que a Ferrogrão afeta a Terra Indígenea Capoto Jarina, onde mora o cacique Raoni. A rodovia MT-232 atravessa trechos da Capoto Jarina e também do Parque Indígena do Xingu, que abriga 16 povos indígenas.

Mydjere Kayapó afirmou que seu povo tem um protocolo de consulta prévia. “Nós sabemos que, mesmo se dissermos não, eles estarão lá para construir. Então, queremos atuar para que não aconteça o que vimos em Belo Monte”, comentou, referindo-se ao conturbado processo de licenciamento da hidrelétrica erguida no rio Xingu, no Pará. 

“Não somos contra o desenvolvimento do Brasil, mas não aceitaremos que nosso direito seja atropelado e ignorado. Eles precisam fazer novos estudos da ferrovia e, antes de tudo, nos ouvir”,

defendeu a liderança.

Presidente da Associação Indígena Apiaká Iakunda’Y da comunidade Pimental, em Trairão (PA), Irleusa Robertino disse à reportagem que o povo indígena espera que as audiências sejam realizadas nas aldeias. “Não descansamos para fazer parte dessa discussão e queremos defender os direitos de nosso povo. Essas reuniões devem acontecer nos municípios diretamente afetados. Estamos solicitando isso”, comentou. 

“Apresentamos os protocolos de consulta dos povos Kayapó, Munduruku e Apiaká. Queremos ser ouvidos”.

Irleusa Robertino

Brent Millikan, membro da secretaria executiva da organização GT Infra e Justiça Ambiental, que acompanhou a reunião com os indígenas, diz que o saldo é positivo. “Ao menos, vemos agora um espírito democrático de abrir o tema para o debate, em vez da tentativa de atropelar e fingir que havia consulta”, comentou.

Em sua avaliação, as polêmicas da Ferrogrão expõem o contexto emblemático de como é feito o planejamento de grandes obras em territórios sensíveis. “São problemas crônicos. É preciso aprimorar o tema da viabilidade econômica e socioambiental do projeto, incluindo temas como o impacto cumulativo com outros empreendimentos, como a BR-163, a hidrovia do Tapajós, até considerando a possibilidade de não fazer a ferrovia”, disse.

Disputa bilionária 

Fora da arena ambiental, a Ferrogrão também divide interesses bilionários de empresas do setor ferroviário. Empresas como a VLI, braço logístico da mineradora Vale, querem que o projeto avance, para consolidar suas operações de transporte rumo ao “arco Norte” da Amazônia. Há, no entanto, fortes oponentes a essa ideia.

A Rumo, empresa do grupo Cosan que administra ferrovias nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, assumiu bilhões de reais em novos investimentos na malha que já controla e teme que a nova abertura logística impacte seus negócios. Por isso, atua nos bastidores com posição contrária ao empreendimento.

Representantes de caminhoneiros também atuam contra o projeto, por temerem que o transporte de carga que hoje fazem pela BR-163 migre para os trilhos da ferrovia e inviabilize o modal rodoviário.

No ano passado, a Ferrogrão foi incorporada ao PAC 3 e passou a ser alvo de uma “análise dedicada”, conforme mencionou o chefe da Casa Civil, ministro Rui Costa. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, já declarou, porém, que o projeto depende da comprovação de sua viabilidade ambiental.

*O conteúdo foi originalmente publicado pela Repórter Brasil, escrito por André Borges. 

Alertas de desmatamento diminuem na Amazônia e no Cerrado no primeiro mês do ano

Dados foram divulgados pelo Inpe a partir da análise do sistema de monitoramento Deter.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou, no dia 9 de fevereiro, dados que apontam para a redução nos alertas de desmatamento no Cerrado. A diminuição foi de 33% no comparativo entre os meses de janeiro de 2024 e 2023. Na floresta amazônica, a diminuição foi de 29% relacionada ao mesmo período.

Os dados divulgados pelo Inpe foram obtidos por meio da análise do sistema de monitoramento Deter, uma ferramenta que utiliza imagens de satélite para detectar e alertar sobre atividades de desmatamento.

Dados divulgados pelo Inpe indicam redução no desmatamento do Cerrado no mês de janeiro. Foto: Fernando Alves/Governo do Tocantins

Para Renato Jayme, presidente do Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins), a redução do desmatamento no Cerrado e na Amazônia, evidencia o êxito das medidas adotadas pelo Governo do Tocantins e a eficácia de políticas ambientais mais amplas no Brasil. “Essa redução aponta para o sucesso das estratégias implementadas, indicando que as práticas sustentáveis adotadas pelo Governo do Tocantins estão contribuindo não apenas para a preservação local, mas também para a proteção de um dos biomas mais importantes do país”, ponderou.

Para o gestor, os números refletem ainda o impacto positivo das ações coordenadas entre os estados amazônicos, incluindo Tocantins, na luta contra o desmatamento na maior floresta tropical do mundo. 

Tecnologia no monitoramento e fiscalização 

Para aprimorar informações de monitoramento e operações de fiscalização ambiental, o Governo do Tocantins tem investido em tecnologia de imagens via satélite. Em 2022, o Naturatins formalizou sua adesão definitiva à RedeMAIS, do Programa Meio Ambiente Integrado e Seguro do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A plataforma web adotada como referência para o monitoramento e fiscalização permite o acesso e o compartilhamento das imagens de satélite diárias da constelação PlanetScope, composta por mais de 180 satélites.

Renato Pires, gerente de Monitoramento e Gestão de Informação Ambiental, detalha que outras plataformas como MapBiomas, Prodes, Deter e SAD Cerrado são consultadas periodicamente pelo Naturatins, e que “a eficiência no uso dessa tecnologia ressalta a importância dos sistemas de vigilância eficientes para combater práticas ilegais que ameaçam os ecossistemas”. 

Combate ao desmatamento ilegal 

Na celebração do Dia do Cerrado no ano passado, o Governo do Tocantins publicou a Portaria Conjunta nº 2/2023, do Naturatins, da Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh) e do Batalhão da Polícia Militar Ambiental (BPMA), que criou o Grupo de Trabalho (GT) para orientação das ações de combate ao desmatamento ilegal. 

A criação deu-se em função dos índices de desmatamento ilegal constatados no Tocantins e a necessidade de responsabilização dos infratores, e, assim, inibir novas condutas ilícitas, bem como a existência de passivo de áreas a serem fiscalizadas e autuadas referentes a desmates ocorridos entre os anos de 2021 e 2023. 

Equipe de Monitoramento e Gestão de Informação Ambiental do Naturatins avalia, diariamente, alertas de desmatamento em diferentes plataformas. Foto:Walker Ribeiro/Governo do Tocantins

Tremores de terra sentidos no Acre são reflexo dos Andes

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De acordo com o sismólogo Bruno Collaço, esses tremores são chamados de sismos andinos. Ele também aproveita para derrubar alguns mitos que cercam os terremotos

A região amazônica registrou dois tremores de terra em um intervalo de oito dias, sendo um deles o maior abalo da história do Brasil, no final de janeiro, no município de Tarauacá, no Acre. O sismólogo do Centro de Sismologia da USP, professor Bruno Collaço, responsável pela implantação da Rede de Sismográfica Brasileira, explica que os tremores não têm ligação com o Brasil, mas com a Cordilheira dos Andes, e que são chamados de “sismos andinos”. Foram registrados a uma profundidade de mais de 600 km, segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS).

É importante destacar que o Brasil tem tremores praticamente semanalmente, porém, em escalas menores, entre dois e três graus de magnitude, com 5 km de profundidade. Ceará, Rio Grande do Norte, sudeste de Minas Gerais e interior de São Paulo são as áreas que mais registram sismos.

Não existe qualquer relação entre mudanças climáticas e terremotos. Fotomontagem: Jornal da USP. Imagem: Domínio Público

Rota de terremotos 

Com tantas mudanças climáticas registradas, principalmente no último ano, a dúvida que fica é se o Brasil, além de enfrentar calor e frio extremos, pode também entrar na rota dos terremotos. Collaço diz que não existe relação entre mudanças climáticas e terremotos.

Como o terremoto do Acre foi muito profundo, não causou danos materiais ou ao meio ambiente, como fauna, flora e rios da Amazônia; com isso, são pouco percebidos pelas pessoas.

Outro mito, que é muito comum, é achar que os tremores têm relação com a estação do ano. Eles podem ocorrer a qualquer momento, em qualquer parte do mundo.

O Centro de Sismologia da USP possui um site onde as pessoas podem encontrar informações sobre terremotos no Brasil e, em caso de presenciarem um tremor de terra, podem usar uma ferramenta no site para reportar o tremor. 

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Jornal da USP, escrito por Sandra Capomaccio

Pesquisa irá analisar impactos de mudanças climáticas na mortalidade das árvores do Acre

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O Acre é uma das regiões brasileiras mais afetadas por eventos climáticos extremos, o que tem se tornado recorrente, principalmente a partir de 2010.

A doutora em Biodiversidade e Biotecnologia, Simone Matias, está desenvolvendo uma pesquisa voltada para entender o impacto das mudanças climáticas na mortalidade das árvores da região e, consequentemente, o acúmulo de carbono em área do Acre

O projeto foi submetido e aprovado no Programa Primeiros Projetos (PPP), financiado com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Acre (Fapac), em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Simone explica que o objetivo é entender como as mudanças climáticas estão impactando na emissão e absorção de carbono nas florestas do Estado.

Pesquisa avalia impacto das mudanças climáticas na mortalidade de árvores e emissão de carbono. Foto: Marcos Vicentti/Secom AC

Um artigo elaborado por pesquisadores do Acre, intitulado ‘Extremos Climáticos na Amazônia: aumento das secas e inundações no estado brasileiro do Acre’, foi publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation, em dezembro do ano passado, e atesta que o estado do Acre é uma das regiões brasileiras mais afetadas por eventos climáticos extremos, o que tem se tornado recorrente, principalmente a partir de 2010.

A pesquisa de Simone pretende justamente avaliar parte desses impactos. 

“Essas mudanças têm contribuindo cada vez mais para a fragmentação de árvores, o que deixa essa floresta mais aberta, sujeita à entrada de fogo, por exemplo. Com isso, essas árvores acabam morrendo e, com essa maior mortalidade de árvores, vai diminuir a quantidade de carbono. Ou seja, aumenta a quantidade de carbono na atmosfera porque a floresta vai perdendo um pouco do serviço, que é essa absorção do carbono”, 

explica.

Estudos devem ter duração de 18 meses e disponibilizarão dados para tomada de decisões e outras pesquisas. Foto: Marcos Vicentti/Secom AC

Como será a pesquisa 

O estudo vai avaliar áreas como Humaitá (que faz fronteira com o estado acreano); Fazenda Experimental Catuaba, em Senador Guiomard, e Parque Zoobotânico, em Rio Branco. Algumas dessas áreas já foram limitadas em outras pesquisas pela Universidade Federal do Acre (Ufac). 

“Alguns pesquisadores já vinham analisando essas parcelas, que chamamos de parcelas permanentes, porque já é uma área marcada. Então, vamos naquela área, identificamos as árvores, é colocada uma placa e aí podemos acompanhar, no decorrer dos anos, se ela cresceu, se está viva ou morta e quantidade de carbono que está acumulando”,

explica.

 A ideia de delinear uma área no Parque Zoobotânico dentro da Ufac é poder acompanhar mais de perto, já que as outras áreas ficam em locais mais distantes. Já dentro da universidade, esse deslocamento é facilitado e pode ser feito mensalmente.

Para ter os detalhes desse cenário, cestos são colocados na base das árvores para que todas as folhas caiam nesse espaço delimitado. A partir disso, é feito a pesagem desse material e é calculada a biomassa desses orgânicos.

“Esse cesto vai pegar tudo de folha que cair ali naquela área. Com isso, a gente sabe quanto que as copas das árvores estão liberando de carbono. No Acre, não temos muitos estudos que falem da deciduidade das florestas, então agora a gente consegue acompanhar os meses, de agosto, setembro, avaliando se está caindo poucas ou muitas folhas, considerando esse volume de acordo com a sazonalidade”, esclarece.

Nesse processo, quanto mais a árvore perde folhas, mas ela emite gás carbônico, o que é ruim para o meio ambiente. Além dos cestos, a pesquisa envolve equipamentos como paquímetro, balança de precisão e estufas. Todo o material coletado no período do levantamento também será disponibilizado para outras pesquisas dentro ou fora do ambiente acadêmico.

“Outro dado importante que vamos obter é saber qual espécie de árvore é mais resistente às mudanças climáticas, o que vai nos possibilitar sugerir esse tipo de árvore para os trabalhos de recuperação e reflorestamento que já existem em todo o estado”,

relata.

Pela quantidade de folhas caídas pode-se avaliar emissão e absorção de carbono. Foto: Reprodução/Cedida pela pesquisadora

Incentivo à pesquisa 

Entre os seis projetos que tiveram o investimento de R$ 420 mil, Simone é a única mulher entre os aprovados. Ela disse que se sente honrada em ser a representante feminina, mas destacou que queria ver mais mulheres desenvolvendo trabalhos importantes para a ciência.

“Minha presença como única mulher também é uma forma de tentar fortalecer mais o público feminino na área da pesquisa no estado”, reforça.

A secretária do Meio Ambiente, Julie Messias, afirmou que o incentivo ao ambiente científico é fundamental para a geração de conhecimento, pois quando aplicado fortalece a gestão pública:

“Na área ambiental, a pesquisa científica tem o potencial de orientar as políticas públicas, gerando instrumentos que podem garantir maior eficiência da execução de ações de preservação, conservação, alternativas sustentáveis para a produção e outros”.

Pesquisa também deve apontar qual árvore é mais resistente às mudanças climáticas. Foto: Marcos Vicentti/Secom AC

Projetos 

A interação entre meio ambiente e desenvolvimento é definida como bioeconomia, e o governo do Acre, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Acre (Fapac), em parceria com Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), está investindo R$ 420 mil em seis pesquisas que devem fazer o estado avançar nessa área, que tem sido um dos focos da gestão de Gladson Cameli.

Os recursos são provenientes do Edital nº 002/2023 – Programa Primeiros Projetos (PPP), que tem o objetivo de apoiar pesquisadores com, no máximo, oito anos de doutorado e que não sejam bolsistas de produtividade do CNPq. Todos os projetos são executados por pesquisadores da Universidade Federal do Acre (Ufac) e cada um teve o investimento de R$ 70 mil e tem prazo de execução de 18 meses, contando desde dezembro do ano passado. 

‘Reunir forças’, Davi Kopenawa celebra união entre povo Yanomami e cultura negra em desfile da Salgueiro

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Liderança Yanomami desfila com a escola de samba na Marquês de Sapucaí. Salgueiro levará samba-enredo “Hutukara”, inspirado na luta e obra do xamã.

“Preparado para mostrarmos nossa alma Yanomami e a alma do povo negro”, disse, animado, o líder indígena e xamã Davi Kopenawa sobre a expectativa para participar do desfile da Acadêmicos do Salgueiro no carnaval do Rio de Janeiro, considerado o “maior espetáculo da Terra”. Inspirada na obra de Kopenawa, a escola de samba leva a luta em defesa da Amazônia e a cultura Yanomami à Marquês de Sapucaí neste domingo (11).

Com o samba-enredo “Hutukara” – que significa a terra-floresta surgida após a queda do primeiro céu nos tempos ancestrais – a Salgueiro ecoa um grito de alerta em nome do povo Yanomami: “Ya temi xoa!” (ainda estamos vivos!). A escola entra na avenida entre 0h e 0h20 da madrugada de domingo para segunda-feira (12).

Davi Kopenawa, reconhecido internacionalmente pela luta em defesa do povo Yanomami, e os outros 14 indígenas Yanomami vão desfilar na avenida junto com a Salgueiro. Em entrevista, o xamã se disse tranquilo e animado em participar da festa no Sambódromo do Rio, que tem capacidade para receber cerca de 80 mil foliões e será transmitida ao vivo.

Davi Kopenawa desfilará com a Acadêmicos do Salgueiro, no desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Foto: Landau/ISA

“Nós vamos fazer o homem branco, que mora na cidade, abrir o olho para enxergar nossa imagem, a nossa alma, nossa alma de indígena, alma de pessoa, alma do homem da floresta. Então, eu estou preparado para mostrarmos a nossa alma Yanomami e a alma do povo negro”,

disse.

O samba-enredo da Salgueiro foi elogiado pelo ator americano Leonardo Dicaprio, conhecido pela atuação em defesa do meio ambiente. “O desfile é dedicado à defesa dos Yanomami. Em meio a essa tragédia, os brasileiros convidam o mundo a se unir e celebrar a riqueza da cultura Yanomami e sua capacidade de resistência”, disse ele em um post nas redes sociais.

“O carnaval da Salgueiro foi criado por eles, mas nós temos o nosso canto, que é parecido, a nossa festa da comunidade. Isso é muito forte”, reforçou Kopenawa. 

Davi Kopenawa em visita à Acadêmicos do Salgueiro, em Andaraí, Rio de Janeiro. Foto: Landau/ISA

Davi Kopenawa avalia que principal objetivo do espetáculo é o de reunir forças com a cultura negra, compartilhar a sabedoria do povo Yanomami com o mundo, e, com isso, mostrar os caminhos para uma realidade melhor para todos, de respeito e aprendizado sobre o universo. O carnavalesco responsável pela festa da Salgueiro é Edson Pereira. 

‘Lutar juntos’ 

Ainda em Boa Vista, prestes a viajar para o Rio de Janeiro, Davi celebrou a homenagem, e agora, chama a escola de samba de “povo Salgueiro”. Para ele, a escolha do samba-enredo, construído pelo enredista Igor Ricardo a partir do livro “A Queda do Céu”, de autoria do xamã, é um sinal do reconhecimento do “povo da floresta” no Brasil – o que demorou a acontecer na visão dele. 

Davi Kopenawa às vésperas do desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Foto: Evilene Paixão/Hutukara

“Eu já conhecia o Carnaval, mas a Salgueiro eu não conhecia, onde eles moram, no Rio de Janeiro. Foi muito bom, pois encontrei a união. Eles são povo negro, que veio trazido pelo homem branco. Já escutei história deles. O homem branco os tratava mal, batia neles. Nós, do povo Yanomami, como povo brasileiro, indígena, o homem branco também não gosta. O homem branco, que vem de longe, não gosta de nós. Então foi bom, demorou, mas, foi bom encontrar (com eles)”, disse.

Em outubro do ano passado, Davi visitou a quadra da escola vermelha e branca, localizada em Andaraí, na Zona Norte do Rio de Janeiro. No local, selou de vez a parceria com a comunidade ao conversar com os responsáveis pelo espetáculo e presenciar a escolha da letra do samba-enredo “Hutukara”. 

“Foi muito bom. Encontramos o homem negro, que sofria primeiro. Quinhentos anos se passaram em que eles sofriam muito. O meu pensamento é de que eu precisava encontrar quem sofreu primeiro, para fazermos uma aliança, para fazer força, unidos, para lutar juntos, em nome do meu povo Yanomami e Ye’kuana”,

ressaltou o líder.

Davi Kopenawa posa para foto com a bateria da Acadêmicos do Salgueiro. Foto: Landau/ISA

Na casa da Salgueiro, Davi afirma que foi bem recebido e expressou o desejo por um dia mostrar a eles a casa do povo Yanomami. Ainda durante a visita, o líder indígena entrou em contato direto com a cultura negra e os modos de vida da população do Morro da Salgueiro. Ele se disse espantado com as condições em que o povo – o qual chamou de “irmãos e amigos da gente” – vive na comunidade.

“Eu não quis chorar, me senti forte para abraçar a alma do pessoal que está naquele lugar tão difícil de sair, sem lugar para caçar, para pescar, sem roçado. Não tem nada de criação de boi, criação de peixe, não tem nada. Eu fiquei com um pensamento forte, pensei na grande Pata Omama, que nos criou. Eu os considero irmãos, amigos”, reforçou.

Davi contou que ficou emocionado ao ser apresentado à cultura e história do local por meio das “guardiãs”, com quem o líder pôde trocar experiências e saberes ancestrais. As mulheres, segundo ele, o fizeram lembrar de uma parente, mais especificamente uma tia, que “cantava dançando, assim como elas”. 

Davi Kopenawa compartilhou saberes com guardiãs da cultura afro-brasileira no Morro da Salgueiro. Foto: Landau/ISA

Parentes de Davi também desembarcam no Rio de Janeiro neste sábado junto com o xamã para desfilar na avenida. A comitiva dos “amigos da floresta” pretende somar forças na luta pela sobrevivência dos povos.

Animado para o desfile, com o intuito de promover o respeito, o líder afirma que pretende expor elementos da cultura yanomami para expandir a visão do “homem da cidade”, que segundo ele, é limitada e está acostumada a enxergar apenas um modo de vida. 

A Salgueiro e os Yanomami 

Os primeiros contatos de Kopenawa com a escola de samba ocorreram ainda em março de 2023, quando o título do enredo foi escolhido. Davi conta que permitiu que a história de seu povo fosse representada a partir da obra dele pois viu uma possibilidade de unir a sabedoria do povo Yanomami, com a do povo negro, que compartilha de lutas contra ameaças semelhantes. 

Davi Kopenawa se diz animado para desfilar com a Salgueiro no Carnaval do Rio. Foto: Landau/ISA

“Os Yanomami vão também para ajudar o homem negro, pois eles sofrem igual nós, o homem branco ataca nós. Então foi muito bom, para nós levantar, fazer força, contra capitalista, contra o homem que gosta de mercadoria. Eles são muitos, são políticos, deputados, senadores, exército. Nós não temos isso, então pensamos que nós devíamos fazer amizade com o povo Salgueiro, com Yanomami, com Hutukara, com xapiri”, concluiu. 

Um ano da emergência Yanomami 

O desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro ocorre pouco mais de um ano após o governo federal decretar emergência em saúde pública no maior território indígena do país, a Terra Indígena Yanomami. Na época, imagens de crianças e idosos indígenas com desnutrição chocaram o país e o mundo.

“Encontramos a ameaça da destruição, é pra isso que nós estamos juntando forças. Nós vamos mostrar como anda o nosso mundo. O povo da cidade só conhece a máquina. Eles não enxergam o movimento do mundo. É isso que nós estamos pensando, em se juntar lá, se pintar, cantar, dançar, para chamar força, alegria da floresta, da água, da chuva. Essa é a nossa festa, alegria. Somos o primeiro povo que dançou, e que até hoje está acostumado a dançar, fazer alegria, animação”, destacou. 

Davi Kopenawa Yanomami é um dos líderes mais conhecidos no país pela luta de proteção à floresta. Foto: Victor Moriyama/ISA

O território Yanomami é alvo há décadas do garimpo ilegal, mas a invasão se intensificou nos últimos anos. A atividade impacta diretamente o modo de vida dos povos originários, isto porque a invasão destrói o meio ambiente, causa violência, conflitos armados e poluição dos rios devido ao uso do mercúrio. Só em 2022, a devastação no território chegou a 54%. 

“Se não fizermos animação, a terra fica triste, fica em silêncio, parece que tá morrendo, parece que a terra está caindo. Nós somos sabedoria da terra, vamos fazer o levantamento, para o nosso mundo levantar e trazer alegria pra nós”

‘Flecha para tocar o coração da sociedade não-indígena’ 

 A letra de “Hutukara”, é um alerta para o mundo a respeito da vulnerabilidade do povo Yanomami, que ainda sofre com a invasão do garimpo, com a morte e as doenças. Confira abaixo.

 Entre outros temas, sob a ótica da mitologia Yanomami, o samba-enredo também fala da devastação da Amazônia e do reconhecimento dos povos ancestrais apenas no Dia dos Povos Indígenas.

Além disso, faz um apelo a respeito dos assassinatos do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, em junho de 2022, durante uma expedição no Vale do Javari. Segundo a Hutukara Associação Yanomami, os dois foram citados na letra por terem sido “‘brancos’ que entenderam verdadeiramente os povos indígenas”.

 Letra completa – Hutukara

Ya temi xoa, aê-êa
Ya temi xoa, aê-êa
Meu Salgueiro é a flecha pelo povo da floresta
Pois a chance que nos resta é um Brasil cocar

É Hutukara, o chão de Omama
O breu e a chama, deus da criação
Xamã no transe de yãkoana
Evoca xapiri, a missão
Hutukara ê, sonho e insônia
Grita a Amazônia antes que desabe
Caço de tacape, danço o ritual
Tenho o sangue que semeia a nação original

Eu aprendi o português, a língua do opressor
Pra te provar que meu penar também é sua dor
Falar de amor enquanto a mata chora
É luta sem flecha, da boca pra fora
Falar de amor enquanto a mata chora
É luta sem flecha, da boca pra fora

Tirania na bateia, militando por quinhão
E teu povo na plateia vendo a própria extinção
Yoasi que se julga família de bem
Ouça agora a verdade que não lhe convém
Yoasi que se julga família de bem
Ouça agora a verdade que não lhe convém

Você diz lembrar do povo Yanomami
Em 19 de abril
Mas nem sabe o meu nome e sorriu da minha fome
Quando o medo me partiu
Você quer me ouvir cantar em yanomami
Pra postar no seu perfil
Entre aspas e negrito, o meu choro, o meu grito
Nem a pau, Brasil

Antes da sua bandeira, meu vermelho deu o tom
Somos parte de quem parte, feito Bruno e Dom
Kopenawas pela terra, nessa guerra sem um cesso
Não queremos sua ordem, nem o seu progresso
Napê, nossa luta é sobreviver
Napê, não vamos nos render

Ya temi xoa, aê-êa
Ya temi xoa, aê-êa
Meu Salgueiro é a flecha pelo povo da floresta
Pois a chance que nos resta é um Brasil cocar

Dicefolk: jogo peruano de tática de dados é inspirado em lendas da Amazônia e do mundo

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As “quimeras” e itens do videogame são inspirados na Amazônia peruana.

Após os premiados jogos peruanos Arrog e Tunche, a produtora Leap Game Studio lançará em 21 de fevereiro o Dicefolk, uma nova aposta para PC na plataforma Steam, inspirada em culturas e lendas de todo o mundo.

Luis Wong, produtor da Leap Game Studio, explica que o jogo peruano foi realizado em coprodução com o estúdio francês Tiny Ghoul, que, assim como o estúdio peruano, trabalhou com renomadas empresas de jogos como NetEase, Ubisoft, Darjeeling e Lucky Kat Studios.

Dicefolk é um jogo rogue-like (subgênero de jogo RPG), tático, baseado em dados e mecânicas de captura de monstros. O jogador se torna um Invocador de Quimeras e deve não apenas recrutar o esquadrão perfeito, mas também ser habilidoso ao usar dados mágicos para vencer as batalhas.

O jogo peruano nasceu no início da pandemia de Covid-19, com financiamento do editor Good Shepherd Entertainment, e já possui um trailer que mostra a mecânica do jogo.

O jogo é um roguelike com mecânica de captura de monstros. Imagem: Divulgação

Os jogadores de Dicefolk poderão desafiar as probabilidades controlando os turnos tanto de seu esquadrão quanto do time inimigo. Os usuários deverão criar estratégias e adaptar seus estilos de jogo para se adequar a cada batalha.

“Trabalhamos no trailer por alguns meses. Fizemos várias testes como usuários, o feedback foi muito bom e estamos satisfeitos”, comenta. 

Confira:

A história mítica de Dicefolk 

A humanidade está à beira da extinção em Morning Reach. O feiticeiro Salem fez com que as Quimeras, bestas mágicas, atacassem os humanos. No entanto, os Dicefolk, um grupo de povos nômades, conseguiram sobreviver graças ao seu poder único: a capacidade de dobrar a vontade de todos os seres vivos com a ajuda de dados mágicos que apenas eles podem controlar. 

O jogo começa quando Alea, uma jovem heroína dos Dicefolk, percebe que pode usar esse poder para se defender de Salem, tornando-se amiga das Quimeras. Equipada com um antigo talismã que parece influenciar a vontade das Quimeras de desobedecer a Salem, ela parte em uma missão para matar Salem e libertar sua terra das garras do inimigo.

O jogo Dicefolk está disponível em chinês, francês, alemão, japonês, coreano e espanhol. Além disso, inclui diálogos em inglês e uma trilha sonora original. Em chinês, o título é diferente, mas está diretamente relacionado à tática de um jogo de dados.

Este jogo peruano tem inspiração em Pokémon, um jogo popular que se baseia na “captura” de criaturas com diferentes habilidades.

“No geral, o jogo também é inspirado em culturas, pois as criaturas – que no jogo são as quimeras – são representações de muitas lendas… Essa característica permitirá dar mais coesão ao universo que criamos”, indica. “Ao mesmo tempo, permitirá atrair um público mais amplo que identificará as lendas de sua cultura na história de Dicefolk”.

“Há itens e quimeras identificáveis da cultura peruana, por exemplo, algumas serpentes da Amazônia. Os jogadores do Peru e da América Latina vão identificar”,

assegura Wong.

Além disso, Dicefolk também é inspirado no popular jogo Slay the Spire, que permite manusear um baralho de cartas em um estilo rogue-like. 

O jogo independente mais ambicioso

Este jogo peruano é o projeto mais ambicioso da LEAP, que reuniu sua equipe de desenvolvimento com mais de dez anos de experiência para trabalhar neste título independente.

“É o projeto mais extenso que fizemos com propriedade intelectual própria, e os processos foram melhores, mais organizados, e trabalhamos de maneira saudável, em nossas horas. Estamos satisfeitos com isso”, destaca.

“Iremos ver como o jogo se sai e determinar se há mais conteúdo para o jogo ou plataformas, como no caso de Tunche, que foi lançado primeiro no PC”, comenta. A partir de 27 de fevereiro, Dicefolk estará disponível na plataforma Steam para computadores.

“Lançar um jogo é muito gratificante, pois faz as pessoas se divertirem. Acredito que esse é o impulso que nos motiva a todos a continuar fazendo esse tipo de projetos, então, encorajo todos que desejam criar conteúdo ou realizar projetos de jogos a fazê-lo, obtendo a orientação adequada e calculando os riscos. É muito divertido, é o que nos preenche, e estamos fazendo isso há quase 12 anos”, confessa.

Em sua opinião, 2024 será um ano desafiador para a indústria de jogos devido às notícias sobre o fechamento de editores ou demissões de algumas empresas do setor. Felizmente, a LEAP tem mais projetos a caminho, além de ter reorganizado sua equipe, incluindo produção para terceiros, principalmente jogos para a web. 

Marinha do Brasil reforça atuação no Mato Grosso com ativação da Agência Flutuante “Piquiri”

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Nova embarcação terá como principal missão levar cursos profissionalizantes de formação e capacitação de aquaviários para as comunidades ribeirinhas mais afastadas do Estado.

A Marinha do Brasil (MB) reforça, a partir deste mês, a atuação da Autoridade Marítima Brasileira nos rios do Estado de Mato Grosso, com a ativação da Agência Escola Flutuante “Piquiri”. Tendo a bordo uma sala de aula com capacidade para 20 alunos, a nova embarcação terá como principal missão levar cursos profissionalizantes de formação e capacitação de aquaviários para as comunidades ribeirinhas mais afastadas do estado, atendendo a uma população de cerca de 140 mil pessoas nos municípios de Cáceres, Poconé, Barão de Melgaço e Santo Antônio do Leverger.

Foto: Reprodução/Agência da Marinha

Para o Comandante do 6º Distrito Naval, Vice-Almirante Iunis Távora Said, a capacitação de novos aquaviários contribuirá para a segurança da navegação, salvaguarda da vida humana e para a prevenção da poluição hídrica oriunda de embarcações. 

“A Marinha vem acompanhando o franco desenvolvimento da região, para o qual as atividades de transporte fluvial de bens, o turismo náutico e a pesca esportiva, entre outras, são de grande importância. Face à complexidade da atividade aquaviária, cada vez mais intensa, exigindo rígidos padrões de qualificação profissional, surgiu a necessidade de possuirmos condições de levar os bancos escolares do Ensino Profissional Marítimo a moradores com dificuldade de acesso às áreas urbanas e onde as pessoas necessitam transitar nos rios e lagos para realizar suas atividades cotidianas”,

acrescentou o Almirante Said.

Descerramento da placa de ativação da nova embarcação. Foto: CB-MR Cristiano/Marinha do Brasil 

Subordinada à Agência Fluvial de Cáceres, a “Piquiri” realizará, também, ações de desobstrução de vias navegáveis, apoio a ações de fiscalização, de segurança do tráfego aquaviário, de socorro aos navegantes e suporte às atividades de combate a incêndios florestais, de saúde e de educação de Mato Grosso.

A embarcação foi ativada no dia 1º de fevereiro, em cerimônia realizada em Várzea Grande (MT), com a presença de autoridades militares e civis da região. Na ocasião, o Senador Wellington Fagundes ressaltou a importância da ativação. “A presença da Marinha na nossa região e a ativação da embarcação reforça a importância de discutirmos ações conjuntas voltadas à preservação do Pantanal no estado e ao apoio a populações ribeirinhas.” 

Histórico

A Agência Escola Flutuante “Piquiri” iniciou sua história na MB em 30 de maio de 2023, quando a Força celebrou o acordo de doação da embarcação com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte, iniciando o período de reforma e adequação.

Em 24 de janeiro deste ano, a “Piquiri” deixou o Complexo Naval de Ladário com destino à cidade de Cáceres (MT), onde ficará sediada e de onde navegará pelos rios Paraguai, Cuiabá e seus principais afluentes: o Jauru, o Piquiri e o São Lourenço. Ela possui uma tripulação de nove militares e teve seu nome inspirado no “rio Piquiri”, que em Tupi antigo significa “rio dos peixes miúdos”. 

*O conteúdo foi originalmente publicado pela Agência Marinha de Notícias