A partir da resolução, o judiciário é orientado com vistas a assegurar direitos aos indígenas no curso de processos, observando os ditames da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos dos povos indígenas, para que suas especificidades sejam devidamente consideradas frente aos órgãos do sistema criminal.
Entre os novos procedimentos estão o dever de encaminhamento dos autos do processo à Funai em até 48 horas; a garantia da presença de um intérprete em todas as etapas do processo, quando necessário; a realização de perícia antropológica que deverá considerar, entre outros aspectos, as circunstâncias pessoais, culturais e sociais da pessoa acusada, assim como os usos, costumes e tradições da comunidade a que ela se vincula.
O reconhecimento da pessoa como indígena se dará por meio da autodeclaração, que poderá ser manifestada em qualquer fase do processo criminal ou na audiência de custódia. Diante de indícios ou informações de que a pessoa trazida a juízo seja indígena, a autoridade judicial deverá cientificá-la da possibilidade de autodeclaração, bem como informá-la das garantias decorrentes dessa condição, previstas na Resolução. Em caso de autodeclaração como indígena, a autoridade judicial deverá indagar acerca da etnia, da língua falada e do grau de conhecimento da língua portuguesa.
A conquista é decorrência da parceria entre as unidades da Funai (Ouvidoria, Coordenação-Geral de Promoção dos Direitos Sociais, CGPC e Procuradoria Federal Especializada) e demais instituições envolvidas, como o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública Geral da União (DPU) e órgãos do sistema criminal. A reflexão e o diálogo conjunto levaram à construção da normativa.
Rodrigo Arthuso, indigenista especializado da Coordenação-Geral de Promoção da Cidadania (CGPC), explica que a partir de agora, a Funai se organizará internamente para atender às demandas que surgirão com a nova diretriz. “O fluxo de tratamento e o que cada um vai fazer nesse contexto a gente ainda precisa trabalhar. É o próximo passo . Mas a Funai entra como colaboradora enquanto órgão indigenista oficial com expertise para lidar com indígenas, atuando para que seus direitos sejam respeitados”, aponta o indigenista.
Em alguns dias a normativa será publicada pelo CNJ. A partir de então, terá 90 dias para entrar em vigor.
Avanço
A invisibilidade indígena no sistema carcerário brasileiro é realidade inegável. Dados de 2016 do Depen apontam que, à época, 0,08% dos presos brasileiros eram indígenas. No entanto, a informação sequer pode ser comprovada tendo em vista que muitos não são registrados como indígenas quando encarcerados. Sendo assim, muitos presos não puderam sequer ser acompanhados.
A ausência de normativa que qualificasse o atendimento levava a dificuldades que perpassavam a falta de advogado de defesa, de intérprete, de compreensão da realidade cultural do preso, entre outras.
A partir de casos trazidos pelas coordenações regionais, a Funai começou, em novembro de 2018, a empenhar esforços no diálogo com órgãos da justiça criminal para tentar estabelecer normativo que tratasse a questão, tendo em vista que, até então, não existia no ordenamento jurídico brasileiro uma norma específica para o tratamento do indígena pelo sistema de justiça criminal.
Com contribuição da Funai, do Ministério Público Federal e de outras instituições que atuam em torno das questões indígenas e do sistema prisional, o CNJ aprovou a normativa que representa avanço na garantia dos direitos humanos dessa população e no sucesso do trabalho intersetorial e interinstitucional.