Uma intervenção artística inédita, que usa a Terra Preta de Índio como uma espécie de pintura numa parede de 24 metros e réplicas de cacos de cerâmica nela encontrados, que transformados em bronze brilham como ouro. É assim a instalação Nem tudo que reluz é ouro da artista paulista Simone Fontana Reis em cartaz no Paiol da Cultura do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTIC). A instalação ficará em cartaz até o dia 20 de agosto.
A instalação é resultado de uma imersão artística no programa Labverde onde Simone Reis passou 15 dias na Reserva Florestal Adolpho Ducke do Inpa. Lá, a artista entrou em contato com pesquisador Charles Clement, um dos defensores da teoria da domesticação da Amazônia, e de quem recebeu a inspiração. Ao todo, foram seis meses de pesquisa até a conclusão de sua obra.
“Sinto-me honrado que a Simone se inspirou em minha apresentação sobre como os povos nativos da Amazônia haviam domesticado plantas, um animal (o pato) e, sobretudo, as florestas de um bioma antes da conquista pelos europeus em 1.500 dC”, diz o pesquisador Clement. “Sua apresentação oferece uma crítica a nossa sociedade moderna, que não encontra um caminho de desenvolvimento na Amazônia, muito menos um caminho sustentável”, ressalta.
A artista conta que, apesar de pretender levar a instalação para outros lugares do Brasil, acredita que não vai encontrar um lugar tão perfeito quanto o Paiol da Cultura para expor. “Amei trabalhar aqui. É um lugar maravilhoso e de uma paz no meio de uma floresta linda e encravado na terra como se fosse um sítio arqueológico e que nos remete de volta às raízes e de resgate dos ancestrais”, diz a artista. “E ainda por cima é redondo como se fosse um útero”, destaca.
Para Reis, o Paiol da Cultura, que fica dentro do Bosque da Ciência, é exatamente o local que ela queria: inspirar as pessoas a deixarem os preconceitos de lado e pesquisarem o que está debaixo dos pés daqueles que caminham por Manaus. “O que está debaixo da terra são relíquias desses povos superssofisticados e que viviam de bem com a natureza e que deixaram a terra mais fértil, ao contrário do que fazemos hoje em dia que só devastamos”.
Reis se diz muito feliz porque a exposição ficou melhor do que imaginava. “Nós, artistas, só fazemos ideia do projeto depois que ele é materializado. Achei que o resultado superou minhas expectativas”, diz.
Segundo a artista, os homens ameríndios faziam os instrumentos musicais, armas e iam para a guerra, mas eram as mulheres quem faziam as cerâmicas, os grafismos e quem desenvolveram a tecnologia da terra preta que era passada de mãe para filha. “Por isso este trabalho faz uma reverência forte à mulher amríndia e o lugar ser ideal para a instalação: as paredes são redondas e lembram um pouco o útero”, explica.
Para um dos visitantes que prestigiou a instalação da artista paulista, o fotógrafo Alberto Cesar Araújo, o tema tem uma ligação direta e emocional com ele, pois vem de uma família de Urucurituba, município onde há um grande sítio arqueológico. “E essas coisas mexem com minhas lembranças de infância pelos relatos de meus pais e avós que achavam nos quintais de suas casas cerâmicas e artefatos arqueológicos. E isso ficou no meu imáginário”, diz Araújo. Ele conta ainda que teve a oportunidade de acompanhar, há mais de 15 anos, os arqueólogos Eduardo Góes Neves e Carlos Augusto da Silva (Tijolo) antes de formatarem o projeto de arqueologia Amazônia Central da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
Na opinião do artista, pintor, professor e escultor Turenko Beça, o trabalho conceitual de Simone Reis é sensacional porque usou a Terra Preta de Índio para fazer a pintura e ocupar o espaço da galeria, além de trazer réplicas de achados arqueológicos, numa preocupação da busca da ancestralidade e dos vestígios da humanidade. “A Amazônia pré-colombiana é muito rica nesses achados, então quando ela ocupa e instala na parede esses achados a impressão que dá é que você está de fato numa escavação arqueológica”.
Já o professor Afrânio Santos da Ufam levou um grupo de alunos do curso de Artes Visuais para uma visita técnica com o objetivo de visualizarem o contexto de uma arte conceitual e que foge do clichê da pintura e da escultura. “O trabalho da artista Simone Reis é interessante porque é um conjunto que dialoga com formas, texturas e cores, e a artista conseguiu criar uma atmosfera, um ambiente, que transporta o espectador para um outro lugar”.
Para a arqueóloga Margarete Cerqueira, que também visitou a instalação da artista Simone Reis, o trabalho com réplicas de fragmentos cerâmicos é uma nova forma de se ver e, nesse contexto e na perspectiva das artes visuais, tratar o tema da Terra Preta de Índio junto com os fragmentos cerâmicos, que são vestígios da cultura material do passado, é inédito é muito profícuo. “Trazum outro entendimento e uma nova roupagam, porque comumente, nós, arqueólogos, encontramos esse contexto de cerâmica e de terra preta no solo e no subsolo, e temos aqui uma parede, um perfil e isso é extremamente interessante”.