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Pelo segundo ano consecutivo, o teclado de línguas indígenas – Linklado – ficou entre os 10 semifinalistas do 66º Prêmio Jabuti na categoria de ‘Fomento à Leitura’. O anúncio foi feito na última quinta-feira (24) pela Câmara Brasileira do Livro (CBL). Desenvolvido em parceria com as pesquisadoras Noemia Ishikawa e Ana Carla Bruno do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) e os estudantes Samuel Minev Benzecry e Juliano Portela, o teclado abrange cerca de 40 línguas indígenas.
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O projeto, intitulado “Linklado: fomento à literatura em línguas indígenas”, é um aplicativo gratuito e um teclado digital que facilita a escrita e a publicação de livros e textos em línguas indígenas. Com o objetivo de preservar essas línguas e fomentar a leitura para uma população de 1,7 milhões de indígenas no Brasil, o projeto divulgou o aplicativo e criou uma rede de tradutoras para publicar e distribuir livros em comunidades indígenas.
A responsável pelo projeto, a pesquisadora do Inpa Noemia Ishikawa, diz que o teclado veio para auxiliar na publicação dos livros em línguas indígenas.
“Tivemos dificuldade para publicar livros em línguas indígenas por 14 anos, mas com a criação do aplicativo pelo Samuel e Juliano ficou muito mais fácil. Nossa equipe já está no quarto livro sendo publicado usando o Linklado”, afirma.
Noemia ressalta que estudantes indígenas estão usando o aplicativo para escrever dissertações e teses, embora muitos ainda desconheçam o projeto. “Por isso, acredito que o destaque que o prêmio Jabuti proporciona ao projeto amplia o número de pessoas que conheçam e usem o aplicativo para escrever mais livros em línguas indígenas”, declara.
A pesquisadora do Inpa, a antropóloga linguística Ana Carla Bruno, enfatiza a importância do teclado para que os indígenas escrevam de forma autônoma suas histórias e culturas. “As línguas indígenas no nosso país sempre foram vistas como algo sem valor. Isso reflete como os brasileiros pensam sobre os seus falantes, os indígenas. A escrita sempre foi um instrumento de poder nas mãos dos não indígenas. O Linklado possibilitou que os próprios indígenas escrevam o que quiserem em suas línguas: suas histórias tradicionais, poesia, cantos, além de dissertações e teses”, explica a antropóloga.
Samuel Minev e Juliano Portela, que criaram o aplicativo ainda no Ensino Médio, atualmente cursam ciência ambiental e ciência da computação nas universidades de Stanford e Yale, respectivamente, nos Estados Unidos. Ambos contribuem para que o aplicativo seja baixado gratuitamente nas plataformas Android e iOS.
“Fico muito feliz de ver a causa da preservação de línguas indígenas na era digital tendo visibilidade por parte do Prêmio Jabuti. Espero que nossa iniciativa seja a primeira de muitas na direção da preservação das línguas e culturas presentes na Amazônia no longo prazo”, ressalta Samuel Minev.
Juliano Portela destaca que participar do projeto e ser novamente reconhecido pelo Prêmio Jabuti é uma honra. “No ano passado, apesar de termos sido finalistas, não conquistamos o prêmio, mas isso nos motivou ainda mais a continuar expandindo o alcance do Linklado. O projeto vai além de uma plataforma, é uma ferramenta vital para o empoderamento e preservação cultural”.
Maior alcance
Atualmente, o Linklado está sendo utilizado para publicar livros bilíngues do projeto “Diálogos científicos multiculturais sobre a sociobiodiversidade na Amazônia com potencial bioeconômico” do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e foi fundamental para o projeto finalizado “Redes de mulheres indígenas tradutoras e cientistas: conexões para uma educação transformadora em ciências no Amazonas”, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam).
O livro “Espécies de Aves da Região do Rio Cubate – Terra Indígena do Alto Rio Negro”, da pesquisadora do Inpa Camila Ribas, também utilizou o Linklado. Na obra, são listadas espécies de aves registradas na região do Rio Cubate, apresentando o nome em Nheengatu, Baniwa, português e científico.
Gracilene Florentino Bittencourt, do povo Baniwa, professora de Língua Indígena e moradora da comunidade Nazaré do Rio Cubate, utilizou o Linklado para traduzir o livro. “O Linklado foi uma coisa muito importante durante a minha tradução de livros, facilitou o trabalho, pois isso foi uma coisa nova para mim eu nunca tinha acesso esse tipo de teclado. Agradeço de coração e fico bastante grata com tudo isso principalmente a pessoa que disponibilizou este teclado para podemos utilizar”, frisa.
Sobre o Linklado
O Linklado foi criado em 2022 com objetivo de preservar as línguas indígenas e fomentar a leitura entre as comunidades. Passou por uma fase de ajustes e validação de colaboradores indígenas como Cristina Mariano, Rosilda Silva, Dulce Tenório, Marinete Almeira, Josival Rezende, Josmar Pinheiro, entre outros. Depois, foi disponibilizado nas plataformas Android, como IOS.
Uma das causas do desaparecimento de línguas indígenas é a carência de literatura e entre as dificuldades para aumentar o número de leitores está a publicação de obras nestas línguas, que foram excluídas da revolução digital por terem caracteres que não estão presentes na maioria de teclados físicos e digitais
O Linklado reúne caracteres especiais e diacríticos de diversas línguas indígenas do Brasil, facilitando a escrita e comunicação entre indígenas com uso da língua nativa. O nome do software é uma combinação das sílabas ‘lin’ = línguas indígenas e ‘klado’, que faz um trocadilho com a palavra ‘teclado’. Forma ainda a palavra ‘link’, que significa conexão.
Como resultado, Em 2023, o livro “Embaúba: uma árvore e muitas vidas” foi traduzido para as línguas Tikuna e Tukano, distribuídos para leitores indígenas da região do Alto Rio Solimões e do Alto Rio Negro. A estimativa é que cerca de 2 mil leitores indígenas da Amazônia foram alcançados.
*Com informações do Inpa