Soluções para cadeias de produtos da Amazônia são mapeadas por estudo

O objetivo é servir como um guia de inspiração e apontar caminhos para o desenvolvimento de novos negócios, políticas, pesquisas e afins

As cadeias produtivas da floresta estão na base da bioeconomia amazônica, com potencial de atingir R$ 38,6 bilhões em 2050, segundo projeções recentes. Diante de entraves que dificultam investimentos e impedem avanços mais expressivos do setor, há soluções em curso empregadas por políticas públicas, empresas, academia e organizações da sociedade civil nas diferentes etapas desde a extração dos produtos na natureza até o consumo final. Mapear iniciativas que dão certo, replicando boas práticas, torna-se peça-chave no cenário do combate ao desmatamento e da emergência climática. É o caso de um acervo de experiências e casos de sucesso que sai da caixa-preta e começa a ser desvendado para dois importantes insumos da Amazônia: a castanha-do-brasil e o cacau.

“É necessário dar visibilidade a soluções para uma maior relevância da bioeconomia no Produto Interno Bruto (PIB), considerando duas cadeias estratégicas pelo impacto socioambiental, quantidade de atores envolvidos e boa resposta para inovações”, destaca Carlos Koury, diretor de inovação em bioeconomia do Idesam, em Manaus. O resultado está no estudo “Caminhos para o Fortalecimento de Cadeias Produtivas da Sociobiodiversidade Amazônica – Melhores Práticas nos elos das cadeias produtivas da castanha-do-brasil e do cacau”, recém-lançado pela instituição com um mapa inédito dos gargalos e de quem faz a diferença para resolvê-los.

Foto: Divulgação

Com financiamento do Partnerships for Forests (P4F), o levantamento traz cenários, dados, análises e informações de atores relevantes ao longo das duas cadeias produtivas. O objetivo é servir como um guia de inspiração e apontar caminhos para o desenvolvimento de novos negócios, políticas, pesquisas e afins. “Buscam-se soluções que atendam, na escala compatível, os milhões de extrativistas que exercem papel importante de produção e renda a partir da floresta conservada”, afirma Koury.

A região amazônica – que corresponde a 60% do território nacional, com a maior diversidade biológica e cultural do planeta – esconde iniciativas locais que estão superando desafios produtivos e logísticos, impulsionando geração de renda com inclusão socioprodutiva e agregação de valor. Faltava jogar luzes aos bons exemplos, como nas cadeias da castanha-do-brasil e do cacau, objetos do estudo recém-concluído no âmbito do Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio), coordenado pelo Idesam. A iniciativa repassa recursos para inovações de startups, novos produtos, serviços e negócios na Amazônia, como contrapartida das empresas pelos incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus.

Foram identificados casos que estão florescendo ou se consolidando de forma inovadora por meio de novos conceitos e práticas, como ajustes nos processos produtivos, arranjos e parcerias, modelos de financiamento, acesso a crédito e incorporação de tecnologias, entre outros resultados já prontos para compartilhar. É um acervo de referências de quem faz na prática e como – e abriu picadas na busca de melhores rotas para acelerar a bioeconomia.

“Já existem soluções validadas; devemos encurtar caminhos e não só martelar nos problemas”, diz Koury. Segundo ele, “o momento é favorável para um salto no setor, com a estratégia de valorizar a floresta em pé, indo além da fiscalização ambiental e outros esforços de comando-controle contra o desmatamento”.

O estudo abrangeu cinco etapas das cadeias produtivas da castanha-do-brasil e cacau: extração – manejo, beneficiamento primário, transformação, comercialização e consumo. Em cada um dos elos foram identificados gargalos, possíveis frentes de solução e as referências de sucesso. Por exemplo, na etapa da extração – manejo, a assistência técnica é um imperativo e a parceria público-privada tem o poder de alavancar o tema, unindo políticas de governo à expertise das empresas em negócios, com sustentabilidade financeira.

No caso do consumo, ponta final da cadeia, a busca por selos de certificação, que atestam a produção orgânica ou conformidade com outros indicadores socioambientais, reforça a confiabilidade dos processos e comprovam o impacto positivo para a floresta e as pessoas, diante da demanda de mercados mais exigentes. Nesta etapa das cadeias produtivas, há o desafio da sensibilização: mostrar valores por trás dos produtos e a ligação deles com a conservação da floresta e modos de vida tradicionais. São apresentadas práticas de empresas e outras organizações que estão gerando resultados neste segmento.

Foto: Divulgação

Cenário da castanha-do-brasil 

A cadeia da castanha-do-brasil promove ocupação e renda para mais de 60 mil famílias de povos e comunidades tradicionais, mais de 100 organizações comunitárias e cerca de 60 empresas beneficiadoras e comercializadoras na Amazônia e em outras regiões do Brasil. O insumo tem forte ligação e relevância em termos de preservação ambiental, com presença de castanheiras nas áreas mais preservadas da região, e sendo uma atividade compatível com a floresta em pé. O Brasil é o maior produtor mundial, mas perde nas exportações para a Bolívia, que consegue se adequar às normas sanitárias da Europa e Estados Unidos. O produto nacional se destina principalmente ao mercado interno de alimentação, mas novas aplicações de maior valor agregado – para cosméticos, super foods e bioplásticos, por exemplo – estão surgindo por meio de pesquisas científicas e inovações de startups.

Case de referência| Mahta 

“Para produzir super foods agregamos valor a um resíduo altamente nutritivo, hoje jogado fora no beneficiamento da castanha. O desafio é achar fornecedor que faça o processamento desse subproduto na Amazônia, para gerar renda na região. Hoje a produção ocorre em São Paulo. E para conseguir a matéria-prima na escala viável, a solução tem sido parcerias de compra junto com outras empresas. Por meio de certificações, além de garantir qualidade e abrir portas no mercado, avançamos na gestão dos processos internos, na relação com fornecedores e na sensibilização do consumidor quanto aos benefícios pela origem amazônica” – Fabio Muller, head de Operações e Supply da Mahta.

Apoiada pela aceleradora Amaz, a empresa atua no ramo da nutrição por meio de super foods com bioativos da floresta. O alimento em pó, normalmente tomado na forma de shakes, segue o conceito plant based; é 100% natural, possui alto valor proteico e baixo teor de carboidrato. Com venda ao consumidor por e-commerce e market place, a empresa comprou 10 toneladas de castanha de diversos fornecedores do Pará e Mato Grosso, em 2023 – mais que o dobro de crescimento em relação ao ano anterior. Em 2024, o plano é entrar no mercado americano.

Case de referência | Cooperativa de Produção do Povo Indígena Paiter Suruí (Coopaiter) 

“Não temos o perfil de disputar preços pela quantidade, mas sim pela qualidade, à altura de um povo indígena que utiliza o produto na alimentação e geração de renda. A expectativa é de sensibilização do consumidor devido ao poder de ajudar a conservação da Amazônia pelo consumo. Quem valoriza a castanha, valoriza a manutenção da floresta como um todo, até porque a movimentação dos indígenas para coleta dos frutos é chave ao monitoramento do território. Só alcançaremos essa valorização para viabilizar o processo produtivo, quando atingirmos a produção de 2 mil Kg/mês a R$ 70/Kg. Estamos no caminho. Fizemos embalagem de alto padrão com simbologias do povo indígena e iniciamos parcerias para o mercado de consumo consciente” – Elisângela Suruí, gerente de produção da Coopaiter.

A Coopaiter abrange a produção de 2400 famílias da Terra Indígena Sete de Setembro, em Rondônia, com destaque para o café e a castanha-do-brasil. Após apoio do governo estadual para aquisição de equipamentos e parceria com empresa paranaense para o know-how de beneficiamento, a cooperativa recebeu apoio da Conexsus para viabilizar o início da produção com a venda da castanha a valores cinco vezes superiores que os de mercado, no cenário de dificuldades da pandemia de Covid19. Além de vendas institucionais para brindes, a cooperativa tem acesso a políticas de compras públicas: na safra de 2023, os indígenas receberam renda de R$ 1,6 milhão por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do governo federal.

Cenário do cacau 

A cadeia do cacau, fruto nativo da Amazônia, tem peso econômico relevante e demanda crescente – inclusive em nichos premium que se relacionam fortemente com melhores indicadores socioambientais e agregação de valor em comunidades. No Brasil, existem cerca de 600 mil hectares cultivados e 75 mil produtores, 60% da agricultura familiar. Em 2022, a produção nacional atingiu 200 mil toneladas de amêndoas/ano, com US$ 340 milhões de exportações de chocolates e derivados de cacau. O Pará é o maior produtor nacional. Além da cadeia de commodity, que representa 95% do mercado global, o cacau é comercializado em mercados especiais, como chocolates finos de alta qualidade e manteiga para indústria cosmética. Esses segmentos são bastante propícios à produção amazônica pelos atributos associados à produção em agrofloresta com benefícios às pessoas, ao clima e à biodiversidade.

 Caso de referência | Warabu

“Apostamos no conceito da alta qualidade e da origem amazônica das matérias-primas por meio de uma relação justa e direta junto a pequenos produtores, com capacitação e certificação. Além do selo vegano e orgânico, estratégicos ao reconhecimento internacional, investimos em maquinário italiano de alto padrão tecnológico para chocolates especiais. Em 2024, vamos aumentar a capacidade de nossos fornecedores, com garantia de compra, pagando o dobro do preço de mercado” – Jorge Neves, fundador da Warabu.
Reconhecida por prêmios como o Bio Brazil Fair, em 2023, a empresa produz chocolates premium em 12 versões de sabores, vendidos em lojas e market places. A expectativa é iniciar exportações em 2024. Após o aporte inicial de R$ 3 milhões viabilizado por investidores, foram obtidos mais R$ 900 mil da Finep para custear a tecnologia que aumentou entre 30% e 40% a qualidade do produto. Novos investimentos estão previstos para verticalizar o processo de fabricação, com aproveitamento de subprodutos do cacau.  

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