Inicialmente os pesquisadores exploraram outras possibilidades do som emitido ter sido apenas uma coincidência com outra vocalização, podendo ser de algum inseto, anfíbio ou até mesmo uma ave noturna.
Serpente “canta”? Um registro feito durante uma trilha noturna em expedição na Amazônia mostra que sim. No estudo ‘First record of a snake call in South America: the unusual sound of an ornate snail-eater Dipsas catesbyi‘, publicado recentemente na Acta Amazonica, uma surpresa foi registrada e mostra o comportamento inédito de vocalização em uma serpente da América do Sul.
O registro ocorreu em junho de 2021, quando os pesquisadores Igor Yuri Fernandes, fundador do Projeto Suaçuboia, juntamente com Alexander Mônico e Esteban Diego Koch, realizaram uma expedição na propriedade particular ‘Amazon Emotions’ situada no município de Presidente Figueiredo, no Amazonas.
Eles estavam em busca de sapos, rãs, pererecas e serpentes com o intuito de desenvolver seus respectivos projetos de mestrado e doutorado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).
“Durante a caminhada noturna pelas trilhas da propriedade em busca desses fantásticos seres, uma pequena serpente é avistada, uma papa-lesma da espécie Dipsas catesbyi, a uma altura de 40 centímetros do chão. Com o incrível achado, começamos a gravar a pequena serpente, onde fizemos pequenos toques em seu corpo demonstrando e registrando em vídeo o comportamento de esconder a cabeça do indivíduo. Contudo, ao pegar a pequena serpente cuidadosamente com a mão, inusitadamente ela emite um pequeno grito!”, relata Igor.
Contando não parece verdade, não é mesmo? Mas, como descrito, por sorte os pesquisadores decidiram filmar a interação e o “grito” foi registrado em vídeo, fato inédito e nunca feito antes na ciência.
De acordo com Igor, inicialmente, os pesquisadores exploraram outras possibilidades de o som emitido ter sido apenas uma coincidência com outra vocalização, podendo ser de algum inseto, anfíbio ou até mesmo uma ave noturna que estivesse próxima, mas todas essas possibilidades, exploradas pelos pesquisadores, foram descartadas. Assim, chegaram ao veredito: realmente se tratava da primeira vocalização em uma serpente na América do Sul.
“Uma das maiores surpresas da minha vida, sem sombra de dúvidas. Imaginava fazer diversas descobertas sobre serpentes na Amazônia, mas nunca de uma serpente vocalizando”,
conta Igor Yuri Fernandes.
“Essa descoberta assim como muitas outras que virão, foram possíveis por causa de parcerias com propriedades privadas como a Amazon Emotions que incentiva a pesquisa, conservação e ecoturismo como pilares aliados. Temos muito a agradecer a Vanessa Marino pela oportunidade de estudar sua incrível floresta”, completa.
“Quando os pesquisadores estão nas trilhas e no módulo de pesquisa RAPELD criado pelo PPBio instalado na propriedade da Amazon Emotions, é possível contemplar o turismo local e incentivar outras instituições privadas a iniciativas que agreguem a ciência e a oportunidade de turistas do mundo todo terem um contato participativo com ela, além de incentivar a conservação de porções de floresta na Amazônia que vem sofrendo constantemente com o desmatamento e avanços desenfreados da agricultura e pecuária no Brasil”, comenta.
Canto da Cobra
A descoberta levantou uma série de outras perguntas para os pesquisadores. A espécie que emitiu a vocalização não é uma serpente rara de ser avistada na região amazônica, porém, nenhum outro pesquisador relatou ter escutado ou registrado a emissão vocal para esta ou qualquer outra serpente.
“A semelhança da vocalização emitida com a de outros animais pode ter sido um fator que fez com que outros pesquisadores não percebessem que o som era proveniente de uma serpente, já que algumas espécies de sapos de folhiço podem emitir sons muito parecidos, por exemplo, e estão inseridos no mesmo substrato de atividade dessa espécie de serpente”,
afirma Igor Fernandes.
A descrição deste comportamento ressalta ainda a necessidade de conservação das florestas tropicais e a diversidade de comportamentos assim como de organismos que ainda existem para serem descobertos e catalogados. “Estamos inseridos na região com a maior biodiversidade do mundo, e a tendência é de que quanto mais estudamos, mais descobrimos que sabemos muito pouco sobre a floresta a nossa volta”, destaca.
Projeto Suaçuboia
O Projeto Suaçuboia tem como pilar de suas atividades, ressignificar a percepção das pessoas, seja em cidades ou comunidades ribeirinhas sobre as serpentes, suas belezas e importância por meio da fotografia, palestras, cursos e conversas informais sobre as lendas e crendices populares com os moradores locais.
“Buscamos entender como a simbologia das serpentes é representada as pessoas e quais são os sentimentos e relevância esses incríveis animais tem para aquela comunidade específica. Cada lugar da Amazônia vê a serpente como um ser diferente, do mítico poderoso ao monstro a ser temido severamente, e cabe ao Projeto Suaçuboia desvendar esses mistérios e documentar essa incrível diversidade cultural associada a imensa biodiversidade local”, conclui Igor, que é fundador e diretor científico do projeto.
ATENÇÃO: Vale lembrar que os pesquisadores são treinados e fizeram a abordagem com cautela. Os toques na cobra foram feitos para demonstração do mecanismo de defesa da espécie no âmbito da pesquisa, por isso, para evitar acidentes, recomenda-se não reproduzir esses procedimentos sem o devido conhecimento e treinamento.