A tecnologia de armazenamento de alimentos pelos povos indígenas é descrita desde os relatos dos primeiros cronistas europeus no País.
O senso comum nos faz cogitar que antes da chegada dos portugueses e espanhóis em território brasileiro, os povos indígenas eram primitivos e não possuíam ferramentas e mecanismos bem desenvolvidos, como por exemplo, para armazenar comida.
Acontece que em relatos desde os primeiros cronistas europeus, que relatavam, o que ocorria no ‘Novo Mundo’ há a descrição de tecnologias de armazenamento de alimentos pelos povos indígenas.
Até hoje, frequentemente são encontrados em sítios arqueológicos, artefatos denominados ‘pães-de-índio’, que consistem basicamente em um composto de plantas processadas e enterradas que são comestíveis mesmo depois de anos.
Uso de biomassas vegetais
Um estudo publicado pelo Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém (PA), intitulado ‘Pão-de-índio e massas vegetais: elos entre passado e presente na Amazônia indígena’, aborda os diversos registros etnográficos sobre o pão-de-índio.
Sabe-se que os grupos indígenas do Alto Rio Negro (noroeste amazônico) exploravam vários frutos para elaboração de biomassas (toda matéria orgânica de origem vegetal ou animal usada com a finalidade de produzir energia).
Essa biomassa era distribuída em pequenos paneiros, enterrados dentro de casas coletivas ou no quintal. Quando produzida em grande quantidade, a matéria-prima era armazenada provisoriamente no local da coleta e depois transportada para a comunidade indígena.
E qual era o objetivo, afinal?
O objetivo de produção da massa era para ser utilizada como reserva alimentar ao longo do ano, sendo adicionada ao caldo de peixe, ao mingau, à farinha; ou empregada na elaboração de bebidas servidas no dia a dia ou durante as celebrações de rituais.
Plantas utilizadas
Entre as plantas empregadas na produção de biomassas nessa região, segundo o estudo, destacam-se o japurá (Erisma japura) – bati, em língua Tukano –, cujo fruto era cozido e o caroço era macerado no pilão, sendo sua massa muito utilizada para engrossar o caldo de peixe; e o cunuri (Hevea spruceana) – wahpu –, cujas sementes maduras eram raladas ou cozidas e banhadas na correnteza dos rios para a completa retirada da toxidez.
Outra base vegetal utilizada pelos grupos da região era a biomassa do uacu (Monopteryx uaucu): suas sementes, depois de submetidas ao cozimento e acondicionadas em cestos eram deixadas em repouso na água corrente do rio ou igarapé por cerca de um dia para a extração do veneno.
Quando amolecidos, os frutos eram amassados com a mão. Depois de enterrada, a massa de uacu poderia ser usada para o preparo de mingaus e também para temperar a manicuera (ou mandicueira), que é uma variedade de mandioca.
Um elo entre passado e presente
O pão-de-índio é um elo que une o passado e presente dos povos indígenas. Trata sobre o pioneirismo no uso de uma diversidade de plantas alimentícias e os sistemas de conhecimentos a elas associados e podem ser ainda bons indicadores de práticas culturais indígenas que resultaram na construção de nichos.
É interessante notar, ainda, que as moradias ribeirinhas contemporâneas costumam se sobrepor a sítios arqueológicos, em função de sua localização e da qualidade de seu solo, sendo comum que os pães-de-índio sejam encontrados quando da abertura de um novo roçado.
Segundo relatos de indígenas e ribeirinhos do sul do Amazonas, pães-de-índio são massas compactadas produzidos a partir do processamento de batatas, carás, polpas de frutas, sementes e castanhas disponíveis na floresta, utilizados como reserva alimentar em tempos de escassez ou consumidos em viagens, caçadas ou grandes varações.
Apesar dessa prática estar presente na memória de muitos indígenas, é pouco utilizada atualmente. Contudo, há relatos de sua presença em toda a bacia amazônica, ao passo que estudos sobre sua distribuição, origem e composição muito têm a revelar sobre a história dos povos nativos da região.