Por que a saída do Estado do Mato Grosso da Amazônia Legal é preocupante?

O Projeto de Lei 337/22, apresentado em fevereiro de 2022, propõe retirar o Estado da Amazônia Legal reduzindo a exigência de preservação de 80 para 20%, visando o crescimento econômico agropecuário.

A Amazônia Legal ocupa 59% do território brasileiro e, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é composta por 772 municípios de nove Estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão. Instituído pelo governo para planejar e promover o desenvolvimento social e econômico na região amazônica, consiste em uma área com mais de 5 milhões de quilômetros quadrados.

Para integrar a região, a Lei 1.806, de 06/01/1953, criou a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) e anexou à então definida Amazônia Legal o Maranhão, Goiás e Mato Grosso. Treze anos depois a SPVEA foi substituída pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM).

Os limites foram mudando de acordo com as divisões políticas que se sucederam, inclusive com a criação do Estado de Tocantins, chegando a formação atual, definida pela Constituição de 1988, que incluiu ainda Roraima e Amapá.

Entretanto, um projeto de lei está circulando na Câmara – Projeto de Lei 337/22 -, criado pelo deputado Juarez Costa (MDB-MT), no qual a proposta é excluir o Estado do Mato Grosso da Amazônia Legal. 

O autor do texto afirma que o objetivo da medida é reduzir a área de reserva legal a ser mantida no Estado. De acordo com o Código Florestal, todo imóvel rural deve manter um percentual específico de sua área com cobertura de vegetação nativa, a reserva legal. A justificativa do deputado envolve o alto custo de manutenção de recuperação de reservas legais. 

Foto: Reprodução/IBGE

Imóveis localizados na Amazônia Legal são obrigados a manter áreas maiores como reserva legal: 80%, se situado em área de florestas; 35%, em área de cerrado; e 20% em área de campos gerais. Fora da Amazônia Legal, o percentual da reserva legal é de 20%.

“No Brasil como um todo, há pouco mais de 11 milhões de hectares de déficit de reserva legal, 21,7% em Mato Grosso. O custo econômico para recuperação das reservas legais, ou para compensação dessa imensa área, seria muito grande e injustificável para uma das regiões agrícolas mais importantes do País”, observa o autor.

A proposta pretende alterar o Código Florestal afirmando que a retirada do Estado do Mato Grosso da Amazônia Legal seria benéfico, pois reduziria a exigência de 80 para 20% de áreas de proteção, visando poupar os produtores da região em relação às despesas de manutenção em uso agropecuário. 

 Consequências

O projeto de lei preocupa especialistas, pois promove a destruição da floresta. Uma análise realizada pelo Observatório do Código Florestal revelou que a mudança resultaria na liberação de desmatamento de, no mínimo, 10 milhões de hectares.

Além disso, outros 3,3 milhões de hectares de áreas degradadas que precisam ser restaurados determinadas por lei, também estariam liberadas para serem derrubadas.

O documento também afirma que a proposta é “absolutamente equivocada”, já que com essa liberação de desmate em áreas preservadas poderia ter um aumento no desmatamento acarretando na diminuição do volume e alterando a regularidade das chuvas na região. 

A Nota Técnica formulada pelos pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) calcula que as perdas agrícolas das áreas atualmente sob uso agropecuário no Estado seriam da ordem de US $ 2,7 bilhões ao ano.

A nota afirma que a aprovação da PL também acarretaria na quebra dos compromissos internacionais que foram assumidos pelo Brasil em relação às mudanças climáticas, durante a Conferência do Clima das Nações Unidas da ONU, em Glasglow, a COP26.

Lembrando que o governo brasileiro apresentou uma nova meta de redução de 50% das emissões dos gases associados ao efeito estufa até 2030 e a neutralização das emissões de carbono até 2050, além, de reduzir o desmatamento, que é o principal responsável pela emissão dos gases. 

“A redução do percentual de Reserva Legal nos imóveis rurais do estado de Mato Grosso levarão a um aumento no desmatamento, o que por sua vez levará ao aumento da temperatura global e jogará a floresta amazônica, considerada por nossa Carta Magna como Patrimônio Nacional (art.225, § 4°) muito próximo ao ponto de não retorno, a partir do qual ela entrará irremediavelmente num processo de perda de umidade e degradação florestal, deixando de ser a mais rica e biodiversa floresta do Planeta, e também a fonte dos rios voadores que irrigam grande parte da agricultura brasileira e leva água para a casa de milhões de brasileiras. Isso é evidentemente um imenso retrocesso no grau de implementação e concretização do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado.” 

trecho da nota técnica do Observatório do Código Florestal.

O observatório Socioambiental do Mato Grosso (Observa-MT), formado por uma rede de instituições, também se mostrou contra o Projeto de Lei apresentado pelo deputado.

“O PL, além de ser inconstitucional, terá impactos socioeconômicos importantes, com avanços da fronteira agropecuária que terá impactos à vida dos povos originários, sem resolver as questões ligadas à segurança alimentar”, justifica trecho da Nota Técnica.

Foto: Marcos Vergueiro/Secom-MT

O Portal Amazônia conversou com a pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz Instituto René Rachou (Fiocruz Minas) e secretária regional da SBPC-MG, Cristiana Ferreira Alves de Brito, que se tornou referência no assunto.

Para ela, a saída do Mato Grosso da Amazônia Legal é muito preocupante, porque a região tem muitas particularidades e pode causar a desvalorização da biodiversidade.

“Uma das coisas importantes que está justificando esses projetos de saída do Mato Grosso é para facilitar o recebimento de recursos que estão muito ligados a degradação da própria Amazônia. Então para o agronegócio, para a agropecuária extensiva ou para desmatamento, é uma das coisas que a gente tem que refletir se realmente é isso que é importante. São os recursos do agronegócio ou valorizar toda a biodiversidade dessa região e até usar isso para obter recursos”. 

afirma Cristiana.

A especialista em malária, também lembra que o ecoturismo tem crescido e atraído mais visitantes para a região. “É uma coisa que ‘tá’ crescendo muito, então, na região do norte do Mato Grosso, onde eu estive, em Sinop, tem um potencial de ecoturismo muito grande, tem um parque urbano maravilhoso. Essas coisas precisam ser valorizadas, utilizar os recursos da região de uma forma sustentável e com participação das populações, inclusive populações indígenas que tem ali ao redor. Acho que isso vale muito mais que as justificativas de saída do Mato Grosso da Amazônia Legal para receber recursos para agronegócio”, defende.

Impacto na Saúde

A pesquisadora afirma ainda que a retirada do Estado pode contribuir para o aumento de doenças endêmicas.

“Em relação a área da saúde, o que podemos considerar é que os Estados que constituem a floresta amazônica possuem as suas particularidades, então tem algumas doenças que são consideradas endêmicas na região da Amazônia Legal. Entre elas, pode ser citada a malária, e por isso, ela tem um olhar das autoridades por seu tratamento com uma importância muito maior, pois o maior número de casos está concentrado nesta região”, destaca a especialista em malária.

“A partir do momento que a malária não é valorizada como uma doença típica daquela região, o controle da doença vai diminuir e é muito grave, porque, na região extra-amazônica, a letalidade por malária é muito maior, porque você tem uma diversidade de doenças muito maior, como dengue, por exemplo, que são mais frequentes e, com isso, os médicos não tem o que a gente chama de suspeita clínica. Se um paciente chega com febre, por exemplo, e ele está em uma região fora da Amazônia, não vai se pensar imediatamente em malária, com isso o diagnóstico será atrasado e pode aumentar a chance de ficar mais grave”,

explica Cristiana.

E como o Projeto de Lei está agora?

De acordo com a Câmara dos Deputados, o projeto será analisado, em caráter conclusivo, pelas comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. 

O projeto foi apresentado em fevereiro, mas está parado desde maio. Segundo o site da Câmara, a situação está aguardando o parecer do relator na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.


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