Museu Goeldi lança e-book gratuito sobre protagonismo indígena e as relações interétnicas

Imponente, a figura do Leviatã atravessou séculos permeando não só a mitologia e a literatura bíblica, mas tem navegado por páginas de obras científicas clássicas e contemporâneas. Do filósofo Thomas Hobbes, no século XVII, ao antropólogo David Maybury-Lewis, no século XX, o monstro aquático é a metáfora de um Estado soberano, ao qual os diversos grupos sociais se submetem para garantir uma ordem social por ele determinada. O livro virtual “Desafiando Leviatãs: experiências indígenas com o desenvolvimento, o reconhecimento e os Estados”, que tem selo do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), permite ao leitor mergulhar em alguns processos emblemáticos dessa relação. O lançamento será nesta quarta-feira (3), durante o 3º Congresso Internacional Povos Indígenas da América Latina (Cipial), em Brasília.

Organizado pela pesquisadora e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Diversidade Sociocultural (PPGDS) do Museu Goeldi, Claudia López, juntamente com Cristhian Teófilo da Silva (UnB) e Elena Nava Morales (Ciesas), o e-book é de acesso gratuito. A obra é uma síntese generosa de fenômenos protagonizados por povos indígenas no Brasil, Bolívia, Canadá, Equador e México, no marco de suas reivindicações por autodeterminação, autonomia, território e participação política. Nele estão reunidos estudos que partem da Antropologia e suas múltiplas subáreas, dialogando com a Sociologia, Ciência Política e Direito.

“Os artigos expõem como o reconhecimento pleno dos direitos culturais e políticos dos povos indígenas requerem transformações na forma como o Estado se posiciona frente à diversidade sociocultural da sua população, fato que continua sendo um grande desafio da política contemporânea”, resume Claudia López.

Os leitores terão acesso a trabalhos descritos com sofisticação teórica e metodológica, garantem os organizadores. Cristhian Teófilo enumera uma série de virtudes que demonstram a originalidade da obra, como a “pesquisa etnográfica, a perspectiva comparativa, o uso de bibliografia compartilhada, produzida no contexto latino-americano, tanto quanto estadunidense, canadense e europeu. O diálogo horizontal com indígenas que são inclusive autores e pesquisadores no livro, lado-a-lado com pesquisadores e autores não-indígenas. Enfim, uma produção densamente antropológica e colaborativa, sem perder o espírito crítico das Ciências Sociais latino-americanas”.

Foto:Divulgação/Goeldi

Contribuições

A obra esmiúça casos específicos de como tem se dado a relação entre os povos originários nesses cinco países do continente americano. De um lado, é possível verificar uma variedade de formas de protesto, de processos de associativismo e reorganização social e mesmo de estratégias formais de protagonismo político de indígenas. Por outro lado, permite lançar o olhar sobre modelos lineares de exclusão desses povos e de suas organizações no decorrer de processos decisórios delineados pelos Estados nacionais, além de iniciativas de indigenização de partidos, governos e Estados.

A nota introdutória da coletânea, produzida pelos três organizadores, antecipa aos leitores justamente este complexo panorama de conquistas históricas dos povos: os grupos étnicos sempre foram obrigados a reelaborar suas tradições para sobreviver, mas igualmente está nítida a “permanente transformação dos papéis, funções, estruturas e constituições dos Estados nacionais para fazer frente ao protagonismo político dos povos e movimentos indígenas, ora se opondo, ora dirigindo, ora cedendo às suas reivindicações”.

Os organizadores estruturaram a obra em três partes. “O desafio da reorganização política social face ao desenvolvimento”, com experiências como a do Território Indígena e o Parque Nacional Isiboro Sécure (Tipnis), na Bolívia; as da rádio Totopo e da implantação da energia eólica, ambas em Oaxaca (MEX); as de povos do Baixo Rio Tapajós e da Terra Indígena Maró, no Brasil. Em “O desafio do reconhecimento jurídico dos direitos indígenas”, dois artigos enveredam por questões relativas ao direito consuetudinário no Brasil e a processos recentes no Canadá. Por fim, “O desafio da descolonização do Estado e das relações interétnicas” reserva aos leitores estudos sobre gestões públicas encabeçadas por indígenas em cidades brasileiras; sobre relações interétnicas no Equador; e sobre a construção do Estado plurinacional da Bolívia.

Textualmente, os organizadores apontam que o campo da política interétnica “não deve ser reduzido a uma posição dicotômica entre ‘brancos’ e ‘índios’, mas sim, ampliado como campo inter societário, cuja diversificação das formas de protagonismo político indígena é elucidativa da importância atribuída à interculturalidade como postura conciliatória para viabilizar o diálogo interétnico que reúne ‘burocratas e índios’, ‘burocratas índios e lideranças indígenas’, ‘técnicos e pesquisadores’, ‘políticos profissionais e militantes’, ‘acadêmicos e operadores do direito’, entre outros atores”.

As análises feitas pelos autores partem de múltiplas abordagens antropológicas, como a antropologia das relações interétnicas e raciais, a etnologia indígena, a antropologia política e a antropologia do Estado e da administração pública.

Foto:Divulgação/Goeldi


História

O e-book reúne as contribuições do Grupo de Trabalho “Movimentos indígenas, políticas indígenas e indígenas na política: repensando a política interétnica indígena para o Século XXI”, da 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada em 2014. Elas agora se traduzem em ferramenta para novos estudos.

“No momento em que o Museu Goeldi abre um programa de pós-graduação em Diversidade Sociocultural (PPGDS), a publicação deste livro, em parceria com a Universidade de Brasília e o Ciesas, do México, é uma importante contribuição acadêmica e um convite à leitura atenta, que nos motive a pensar, compreender e acompanhar processos sociais e políticos voltados para a construção de ‘um mundo onde muitos mundos sejam possíveis’”, observa Claudia López – o PPGDS foi aprovado em 2018 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que avaliou a proposta do curso como inédito e inovador.

Diretora do Museu Goeldi, Ana Luisa Albernaz celebra. “Esperamos que, ao publicar este livro, o Museu Goeldi traga uma contribuição significativa às Ciências Humanas e Sociais, mas sobretudo contribua para o maior reconhecimento do pensamento político indígena e dos seus aportes para a construção da pluralidade democrática no país e nas Américas”.

Lançamento

“Desafiando Leviatãs: experiências indígenas com o desenvolvimento, o reconhecimento e os Estados” será apresentado publicamente nesta quarta-feira (3), na Universidade de Brasília (UNB), por ocasião da terceira edição do Cipial. A obra ficará disponível na íntegra e gratuitamente na aba Publicações, do portal do Museu Goeldi.

Assista ao book trailer:

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