Manejo na Amazônia permite maior empoderamento de mulheres na pesca, atestam pesquisadoras

O pirarucu (Arapaima gigas) é um peixe grande e pesca-lo exige técnica e conhecimento repassados por gerações em comunidades ribeirinhas da Amazônia. Nas imagens de pesca do animal, cuja carne é valorizada por chefs renomados, é comum o retrato homens em canoas puxando com o arpão o pesado animal ou transportando-o muitas vezes em mais de duas mãos.

 

A pesca do maior peixe de escamas de água doce, entretanto, só é possível graças a um extenso e exaustivo trabalho realizado pelas mães, filhas e esposas dos retratados.

 

As mulheres ribeirinhas são responsáveis por montar os acampamentos nas áreas de pesca, lavar as roupas de toda a família, garantir a comida e a garrafa de café cheia dos homens que vão pescar.

Foto: Aline Fidelix/Instituto Mamirauá 

Não se limita à logística, entretanto, a atuação das mulheres na atividade que garante a sobrevivência de centenas de famílias nas comunidades amazônicas. As ribeirinhas atuam também diretamente na captura dos animais, ofício aprendido muitas vezes ainda na infância.

 

É o que mostra o artigo “Participação, Cooperação e Empoderamento: A Atuação das Pescadoras em Projetos de Gestão de Recursos Pesqueiros na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá-AM. Brasil”, de autoria das pesquisadoras, Isabel Soares de Sousa e Edna Ferreira Alencar, do Instituto Mamirauá e da Universidade Federal do Pará (UFPA), respectivamente.

 

O plano de manejo do pirarucu, mostram as pesquisadoras, possibilitou às mulheres maior participação e visibilidade na atividade da pesca.

 

A pesquisa publicada no livro “Mulheres na Atividade Pesqueira no Brasil”, publicado pela Editora da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (EDUENF), foi realizada com coleta de dados de 2015 a 2017 na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no estado do Amazonas.

 

“As informações da pesquisa também foram incluídas no relatório da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação [FAO, na sigla em inglês]. Assim, o estudo também deu visibilidade ao trabalho que as mulheres desenvolvem na atividade pesqueira”, afirma Isabel Soares de Sousa, pesquisadora do Programa de Gestão Comunitária do Instituto Mamirauá e uma das autoras do estudo.

Foto: Eunice Venturi/Instituto Mamirauá 

As mulheres na pesca do pirarucu

 

As mulheres ribeirinhas realizam a organização das expedições de pesca, mas também arpoam os pirarucus e os transportam até a base da logística, onde são medidos, pesados e limpos. E começam cedo. Das 116 manejadoras de pirarucu entrevistadas para a pesquisa, 24% iniciaram o aprendizado na pesca com idade inferior aos 10 anos e 65% com idade entre 10 e 18 anos.

 

São, em geral, as responsáveis pela pesca de espécies pequenas, como o pacu e matrinchã. Muitas vezes, entretanto, os homens envolvidos nos acordos de pesca só consideram ‘pescadora’ quem maneja o pirarucu. “Essa pesca que as mulheres realizam ainda é invisibilizada para os elaboradores de políticas públicas e, até mesmo, para as organizações de pescadores e pescadoras”, relata o artigo.

 

As pescadoras também relatam dificuldades, como a exaustiva jornada dupla visto que, ao retornarem da pesca, precisam preparar o jantar e lavar as roupas dos filhos e do marido.

 

“Algumas pescadoras podem não participar das pescarias que ocorrem nos lagos e visam a captura de pirarucus, seja porque estão doentes, sem condições físicas para realizar o trabalho árduo de pescar durante todo o dia, e sob o sol forte, seja porque precisam cuidar de filhos pequenos […] Algumas mulheres que possuem filhos pequenos encontram resistência dos maridos de participar dessa atividade, por considerarem que a pesca é muito sofrida para as mulheres”, afirmam as autoras.

 

O trabalho envolve um paradoxo, este identificado através dos depoimentos dados às pesquisadoras. Apesar de exaustiva e desgastante, a atividade também é considerada divertida e prazerosa.

“Elas gostam mesmo de estar lá, na pesca! A gente pede pra fazer a comida, mas elas querem estar lá na pescaria. […]. É animado! E as mulheres daqui gostam mesmo! E se dizer pra elas não irem, elas vão achar ruim”, relata um comunitário entrevistado para a pesquisa.

 

Manejo de pirarucu da Reserva Mamirauá e empoderamento feminino

 

A unidade de conservação de mais de 1 milhão de hectares foi o local de implementação do pioneiro Plano de Manejo do Pirarucu, espécie que, na década de 1980, esteve sob risco de extinção local na área. Proibidas, à época, de pescar a espécie, as centenas de comunidades ribeirinhas que vivem na área hoje têm, com o Plano de Manejo de Pesca, resguardadas sua cultura e garantidas subsistência e fonte de renda proveniente do peixe, que sofria com a sobrexploração provocada por barcos pesqueiros que vinham de fora. 

 

O plano foi fruto de uma parceria de pesquisadores do Instituto Mamirauá, organização social fomentada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), com os próprios comunitários. Juntos, estabeleceram acordos de pesca que definem épocas de defeso e cotas de pesca para garantir a sobrevivência da espécie.

 

Analisado pela pesquisa, o acordo de pesca da região de Jutaí-Cleto permitiu que as mulheres participem ativamente dos processos de discussão e tomadas de decisão sobre o acesso aos recursos pesqueiros. As pescadoras também passaram a assumir cargos dentro do coletivo.

 

A pesquisa apontou que as pescadoras, além disso, estão investindo parte da renda obtida com a venda do pirarucu na compra de materiais de trabalho como redes malhadeiras, canoas e arpões.  “Esse fato deixa evidente o processo de profissionalização da atividade e de tomada de consciência sobre sua identidade de pescadora”, constata a pesquisa.

 

Com as normas de participação do acordo, as ribeirinhas passaram a se reafirmar enquanto pescadoras. “Constatamos que a participação das mulheres na pesca manejada está contribuindo para uma mudança significativa nos espaços de atuação das mulheres na pesca”, conclui o estudo.

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