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Sexta, 26 Abril 2024

Estudo revela que ave comum na Amazônia na verdade é um grupo composto por talvez até 17 espécies distintas

Uma das espécies de aves mais frequentes na América do Sul, a Pseudopipra pipra, pode ser, na verdade, um grupo formado por até 17 espécies diferentes, de acordo com um estudo internacional publicado este mês na revista científica 'Molecular Phylogenetics and Evolution', que sugere existir muito mais espécies de pássaros na região do que se imagina.

Conhecida popularmente como Manakin-de-coroa-branca, a Pseudopipra pipra provavelmente surgiu nas florestas altas dos Andes, no norte do Peru, mas, ao longo de séculos, migrou para outras regiões do continente, descreve o artigo. "Atualmente, essa ave também é encontrada em toda a Bacia Amazônica, em demais florestas do Brasil [Mata Atlântica], no Peru e em muitos outros países, incluindo partes da América Central", explica o autor principal do estudo, Jacob Berv, pesquisador da Universidade de Michigan.

Considerando que a América do Sul e Central abriga diversos biomas com paisagens diferentes, os pesquisadores sugerem que algumas das populações ancestrais de Pseudopipra pipra que migraram dos Andes ficaram isoladas em outras regiões por barreiras físicas - como montanhas, clima, rios e cânions.

Com o passar dos séculos, essas populações evoluíram independentemente e se tornaram diferentes umas das outras, de modo que devem agora ser reconhecidas como espécies separadas. Assim, o que hoje é chamado de maneira generalizada de Pseudopipra pipra é, na realidade, "um complexo de espécies composto de pelo menos oito, e talvez até 17 espécies distintas que surgiram nos últimos 2,5 mil anos", diz trecho do estudo.

Espécie de ave Manakin, Pseudopipra pipra, pode ser, na verdade, 17 espécies diferentes. Foto: Tomaz Nascimento de Melo

"Conhecemos pouco sobre a Amazônia"

No início da pesquisa, há quase dez anos, o americano Berv quis compreender como as populações de Pseudopipra pipra variavam ao longo de sua distribuição, em especial na Amazônia - uma vasta região que abriga mais da metade da área de todas as florestas tropicais remanescentes do planeta, mas que é considerada um único bioma.

Para isso, Berv pediu ajuda ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Outros pesquisadores que participaram do estudo foram os da Cornell University, da Universidade da Cidade de Nova York, de Yale e do Inpa descreveram e compararam as variações genéticas e físicas do Manakin-de-coroa-branca ao longo da América do Sul.

Os pesquisadores do Inpa analisaram variações de plumagem e de canto da espécie em diferentes regiões da Amazônia. Para isso, eles gravaram o som de 200 Manakin-de-coroa-branca. Para a sua surpresa, eles identificaram 14 tipos diferentes de cantos apenas dentro do bioma.

"O canto é algo muito importante para as aves se encontrarem e se reconhecerem dentro de um bosque. Um pássaro não costuma acasalar com outro que não tenha o mesmo canto que o seu", explica a coordenadora de Biodiversidade do Inpa, Camila Ribas, única brasileira que assina o artigo.

Manakin produz sons com o bater das asas para atrair as fêmeas

O estudo lembra que, uma vez que a definição de espécie é "uma população de indivíduos que cruzam entre si", se for comprovado que as populações de Manakin-de-coroa-branca da Amazônia com canto diferente entre si não se cruzam, mais espécies desta ave poderão ser descobertas por aqui.

"O Manakin-de-coroa-branca é um exemplo de fenômeno que provavelmente é mais regra do que exceção na Amazônia: a diversidade na floresta é amplamente subestimada pela taxonomia atual", diz Ribas

Ainda conhecemos pouco sobre a diversidade da Amazônia.

Camila Ribas, pesquisadora do Inpa.

Estima-se que a Amazônia abrigue 10% da biodiversidade do mundo, tendo sido identificada cerca de 1.300 espécies de aves no bioma. "Mas esse número deve ser muito maior", diz Ribas.

A pesquisadora explica que, quando parte da floresta é devastada, seja por desmatamento, queimada ou qualquer outra atividade, o impacto ambiental é medido pelo número de espécies que vivem naquela região. "Se não sabemos quantas espécies vivem em cada região da Amazônia, não sabemos até o momento o impacto do desmatamento que temos visto nos últimos anos", completa.

"A Amazônia não é uma coisa só, como costumamos pensar, ela é regionalizada. Diferentes partes da Amazônia abriga diferentes espécies. Por isso, não adianta estar preservando aqui perto de Manaus, por exemplo, se lá perto de Belém não tem mais floresta", afirma Ribas.

Com base em que se conhece atualmente na Amazônia, um estudo internacional com a participação de cientistas brasileiros publicado em setembro na 'Nature' revelou que os incêndios que atingiram a Amazônia desde 2001 podem ter afetado 95,5% das espécies de plantas e animais vertebrados conhecidos no bioma.

Espécie é encontrada na América do Sul. Foto: Phillip Edwards, Macaulay Library e Cornell Lab of Ornithology

Como se forma uma espécie

Uma nova espécie costuma surgir a partir de dois principais tipos de seleção: a natural e a sexual. A seleção natural ocorre quando parte da população de uma espécie fica isolada em uma região por causa de barreiras geográficas, como montanhas, cânions, rios etc , e não consegue mais ter contato com o restante da espécie. Já a seleção sexual ocorre quando parte da população de determinada espécie passa a acasalar somente entre eles.

"Quando determinada espécie está distribuída por uma grande área entrecortada por barreiras geográficas, pode significar que, na realidade, a espécie ainda é mal compreendida - e provavelmente não é uma coisa só em toda a sua distribuição", explica a pesquisadora do Inpa.

Além da variedade de cantos e plumagens, a análise do DNA mostrou que a maioria dos pontos de diferenciação genética identificados entre as populações de Manakins coincide com as barreiras físicas ao longo da América do Sul.

Ou seja, além das barreiras geográficas, as diferentes populações de Manakin-de-cabeça-branca possivelmente passaram por uma seleção sexual em sua história evolutiva, o que resultou nas novas espécies. "Diversos autores já tinham descrito variações da Pseudopipra pipra entre uma região e outra, mas ninguém nunca tinha feito um trabalho que comparasse a ave em toda a sua distribuição. E foi o que nós fizemos", afirma Ribas.

Para a pesquisadora, é urgente que mais pesquisas como esta seja feitas com outras espécies da região tropical. 

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