Nas últimas três décadas, as armadilhas fotográficas nos proporcionaram uma rara e inédita visão da vida dos animais. Usadas por organizações de conservação, pesquisadores acadêmicos e projetos de ciência cidadã ao redor do mundo, as armadilhas fotográficas se tornaram referência no monitoramento da biodiversidade e no estudo de espécies pouco vistas na natureza. No entanto, um estudo inédito publicado na revista Remote Sensing in Ecology and Conservation descobriu que as armadilhas fotográficas continuam ausentes de áreas que realmente poderiam se beneficiar delas.
“Você pode pensar em uma armadilha fotográfica como um assistente automático e incansável que permanece no campo, faça chuva ou faça sol, dia e noite, [e] simplesmente captura [imagens ou vídeos de] qualquer coisa que passe na frente dela,” diz Jorge Ahumada, um biólogo tropical que lidera a maior plataforma de armadilhas fotográficas do mundo, chamada Wildlife Insights. “Ela está apenas coletando muita informação de maneira padronizada, algo que não seria possível para os humanos.”
Com a biodiversidade do planeta declinando rapidamente devido às atividades humanas — da caça e a expansão agrícola à construção de estradas e a mineração —, dados de armadilhas fotográficas podem ajudar os conservacionistas a monitorar a saúde, os números e os comportamentos de diferentes espécies da vida selvagem. A ferramenta também pode nos dizer se ações específicas de conservação estão realmente funcionando.
Isso só é válido se implantarmos armadilhas fotográficas nos lugares certos: pontos críticos de biodiversidade que enfrentam as maiores ameaças. No entanto, o novo estudo encontrou uma disparidade enorme entre as localizações dos estudos com armadilhas fotográficas e as regiões com maior risco de extinção de mamíferos, como a Bacia do Congo e a Floresta Amazônica.
“Mostramos que a pesquisa com armadilhas fotográficas nas últimas duas décadas não acompanhou, de fato, as áreas onde a defaunação [perda de vida selvagem] estava ocorrendo,” diz o coautor do estudo, Badru Mugerwa, do Instituto Leibniz de Pesquisa em Zoológicos e Vida Selvagem, na Alemanha. Em vez disso, os pesquisadores descobriram que a renda do país, a acessibilidade, a riqueza de espécies de mamíferos e o tipo de bioma determinaram a localização desses estudos.
Ahumada, que não participou do estudo, diz que não está surpreso com os resultados.
“Acho que é justo dizer que precisamos de mais armadilhas fotográficas proporcionalmente em áreas com maior biodiversidade,” aponta. “O estudo é um bom ponto de partida para analisar as relações entre a produção científica em diferentes partes do mundo e os fatores que afetam esse processo.”
Disparidades em armadilhas fotográficas
Os pesquisadores examinaram estudos científicos e a chamada literatura cinza — relatórios, documentos de trabalho, documentos governamentais e outros — publicados entre 2000 e 2019 focados em mamíferos terrestres. Em seguida, selecionaram um subconjunto de estudos contendo as palavras-chave “armadilha fotográfica”, “câmera remota” ou “armadilha fotográfica”, e focaram em 2.300 estudos. Então, extraíram manualmente as coordenadas GPS e as mapearam para cada estudo. Os pesquisadores também identificaram dez preditores para determinar quais fatores afetavam a localização das armadilhas fotográficas. Esses fatores incluíram a renda do país, perda de florestas, biomas, relevo e áreas protegidas conforme definido pela IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza).
“O que realmente se destacou nesta pesquisa é que algumas das áreas que estão sendo atualmente devastadas por atividades humanas — as bacias do Amazonas e do Congo — receberam a menor quantidade de pesquisa com armadilhas fotográficas nas últimas duas décadas,” diz Mugerwa. “Há algo errado nisso.”
Mesmo em geografias onde os estudos com armadilhas fotográficas aumentaram nas últimas duas décadas, como no Sudeste Asiático e na Índia, quase dois terços (64,2%) desses estudos foram realizados fora das áreas com os maiores riscos de extinção animal.
A maioria dos estudos com armadilhas fotográficas ocorreu em florestas tropicais e subtropicais úmidas, seguidas por florestas temperadas, pastagens tropicais e biomas mediterrâneos. A maior densidade de armadilhas fotográficas foi encontrada em manguezais, enquanto a menor foi em florestas boreais e na tundra.
Entre 130 países com estudos de armadilhas fotográficas, países de alta renda e de renda média-alta dominaram. Países como os EUA, Brasil, Austrália, Índia, México e China lideraram a lista com o maior número de locais de pesquisa. Em contraste, nações africanas como Mauritânia, República Democrática do Congo, Níger e Angola ficaram atrás, com menos de cinco estudos cada.
Os dados também indicaram que os estudos com armadilhas fotográficas eram mais prováveis de serem realizados na América do Norte, na Europa continental, no Reino Unido e no Japão, enquanto os países africanos tinham algumas das menores chances.
Esta reportagem foi originalmente publicada no site da Mongabay Global em 17/07/2024.