As palavras do ex-madeireiro e atual empreendedor de turismo Roberto Brito, ribeirinho morador da comunidade do Tumbira, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro, em Iranduba, há cerca de uma hora de barco de Manaus, exemplificam bem as mudanças que aconteceram e que vêm acontecendo em certas comunidades ribeirinhas e indígenas do Amazonas.
Da infância de Roberto até aqui são mais de 30 anos. Lá pelos tantos de 2008 a comunidade dele e toda aquela região da margem direita do Rio Negro se tornou parte de uma Unidade de Conservação, 103.086 hectares de terras se tornaram protegidas. Naquela época, a organização não-governamental Fundação Amazonas Sustentável (FAS), juntamente com parceiros, começou a levar ações de desenvolvimento sustentável, conservação ambiental e melhoria de qualidade de vida aos povos que ali viviam, com objetivo maior de “fazer a floresta valer mais em pé do que derrubada”.
“A gente vivia normalmente como qualquer outro caboclo vive no meio do mato, tendo a extração de madeira como sustento das nossas famílias e do nosso povo. Era um trabalho difícil, de sacrifício, não tinha valorização. E a nossa sobrevivência agredia o Planeta”, comenta Roberto. “Quando veio a RDS foi um impacto. Passamos por muitas oficinas e coisas que eram ‘escuras’ para nós se tornaram claras”.
Com a atuação da FAS, iniciativas de educação foram levadas à comunidade e à RDS Rio Negro. Roberto passou por cursos e treinamentos de empreendedorismo e de turismo de base comunitária e viu uma oportunidade de largar o corte de madeira e ter uma vida mais tranquila no turismo. “Naquela época a gente reivindicava a legalização da extração de madeira e mais escolas na comunidade. Quando eu vi que podia parar de cortar madeira, começar a ganhar dinheiro com turismo, e meus filhos passaram a ter educação, vi que era o caminho certo”.
Atualmente dono e gerente de pousada, Roberto é uma das 39 mil pessoas beneficiadas com ações de educação da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), ações de educação para o desenvolvimento sustentável que chegam a 581 comunidades, remotas ou não, espalhadas em 16 Unidades de Conservação, o equivalente a 10,9 milhões de hectares de terra, que abrange 27 municípios: Anori, Barcelos, Beruri, Borba, Carauari, Coari, Codajás, Eirunepé, Fonte Boa, Ipixuna, Iranduba, Itapiranga, Japurá, Jutaí, Manacapuru, Manaus, Manicoré, Maraã, Maués, Novo Airão, Novo Aripuanã, Presidente Figueiredo, S. Sebastião do Uatumã, Tapauá, Tefé, Tonantins e Uarini.
As escolas
Professora há 25 anos, Izolena Garrido, 45, também do Tumbira, viu de perto as mudanças acontecendo. “Trabalho aqui desde o início, bem antes de virar reserva, era uma realidade bem diferente. Aqui só tinha até o quinto ano, muitos paravam de estudar e outros tentavam, com bastante dificuldade, continuar os estudos na cidade grande (Manaus), uma realidade que não era para todos. Tinha livro didático, um acompanhamento generoso da secretaria, mas tinha dificuldade”.
A partir dos projetos e programas da FAS, com recursos de parceiros como Bradesco, Samsung, Fundo Amazônia/BNDES, Coca-Cola, Lojas Americanas e Petrobras, atividades de educação passaram a ser desenvolvidas no Tumbira, assim como nas 581 comunidades com atuação da fundação. Iniciativas tanto de educação formal, como Ensino Básico, Fundamental, Médio, como da chamada “educação relevante”.
Educação ambiental, educação para gestão de recursos naturais, geração de renda, empoderamento comunitário, educação financeira, gestão de água e lixo, incentivo à leitura e à escrita, iniciação científica, esporte, música, teatro, dança, empreendedorismo, educomunicação, formação de professores… tudo desenvolvido com apoio de parceiros, de prefeituras municipais e do Governo do Estado, pelas secretarias de Meio Ambiente (Sema), Educação (Seduc), Cultura (SEC), Produção Rural (Sepror), a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e o Centro de Educação Tecnológica (Cetam).
“Hoje a educação melhorou bastante. Nossos jovens têm até a oportunidade de se formar no Ensino Médio e alguns estão graduados. Temos na nossa escola um laboratório digital com acesso à internet, que antes não tinha, o que abre o espaço para pesquisa dos jovens e da própria comunidade. Pessoas que nunca tinham tido acesso estão tendo oportunidade de aprender e navegar em busca de conhecimento e informação”, completou a professora Izolena.
Os laboratórios foram construídos dentro dos chamados Núcleos de Conservação e Sustentabilidade (NCS), uma minisede da FAS no meio da floresta, na comunidade, que funciona como ponto central das atividades de educação para o desenvolvimento sustentável, com salas de aula, sala de professores, biblioteca, horta, auditório e alojamento. No Tumbira e em outras oito comunidades existem os Núcleos.
De 2016 a 2019, mais 340 cursos e formações foram desenvolvidas nesses espaços e só neste ano, de janeiro a setembro, mais de 750 alunos estavam matriculados participando de atividades de educação nos NCS. “Hoje ainda não temos graduação presencial aqui na comunidade, mas com os laboratórios funcionando e internet de qualidade os jovens poderão fazer por meio de Ensino à Distância”, explica a professora Izolena.
A juventude
Uma das estudantes que participaram das atividades de educação da FAS lá no início foi Odenilze Ramos, hoje com 23 anos e natural da comunidade do Carão, também na RDS Rio Negro. Quando ela tinha 16 começou a se envolver com os programas e projetos de educação. “Foi uma porta de entrada, participei de ações que me ajudaram muito. Tive a oportunidade de gerar impacto na minha comunidade. Naquela época já podíamos ver a diferença acontecendo, as pessoas parando de jogar lixo no chão com atuação, por exemplo, do projeto dos resíduos sólidos”.
Hoje universitária em Gestão Pública, ela se tornou ativista socioambiental e integrante de organizações de liderança juvenil, onde atua em defesa das populações tradicionais e da Amazônia. “A FAS me ajudou a se tornar liderança, a perceber a dimensão do meu papel e meus direitos, meu lugar de fala, entender quem eu sou, onde estou e o que posso fazer para mudar o meu lugar enquanto casa, família, mundo”.
Há cerca dois meses, Odenilze Ramos foi convidada para ir até a sede das Nações Unidas (ONU), em Nova York, apresentar um documentário coproduzido por ela com histórias de vida das comunidades tradicionais na Amazônia. “Com os projetos de educação da FAS comecei a conhecer um pouco mais das comunidades, da reserva, das pessoas, me ajudou a entender mais da minha identidade, quem a gente é e se reconhecer como população tradicional, lutar pelos nossos direitos”, concluiu.
Educação premiada Nos últimos 11 anos de atuação, os investimentos em educação “relevante” oriundos de cooperação internacional e do financiamento de empresas parceiras alcançaram resultados extremamente positivos reforçando a tendência de que a conservação ambiental está proporcionalmente ligada à melhoria da qualidade de vida dos povos da floresta.Em dez anos, entre 2008 e 2018, as taxas de desmatamento diminuíram 76% nas áreas onde a FAS levava os projetos de educação, conforme dados do Inpe/Prodes, e o número de focos de calor nessas Unidades de Conservação (UC), entre janeiro e agosto deste ano, comparado ao mesmo período do ano passado, também caiu 33%, também conforme o Prodes. A renda média mensal per capita nas UCs aumentou 202%.Todos esses resultados em educação e conservação ambiental renderam à fundação um reconhecimento único: o Prêmio Unesco-Japão de Educação para o Desenvolvimento Sustentável, o ESD Prize, em inglês, bancado pelo governo do Japão e concedido a soluções inovadoras de todo o mundo capazes de transformar a realidade do meio ambiente, da economia e da sociedade pelo desenvolvimento sustentável. A FAS é a primeira organização brasileira e sul-americana em toda a história a receber tal prêmio.Outros dois projetos no mundo também foram premiados, um em Botsuana, sobre educação para a vida e o trabalho, e outro na Alemanha, com ações para combater as mudanças climáticas. Ao todo, 115 projetos de 63 países concorreram e cada um dos três premiados receberá um prêmio de US$ 50 mil financiados pelo Governo do Japão. A entrega do prêmio acontece hoje, sexta (15), na sede da Unesco em Paris, na França.“Temos apoiado desde o início ações inovadoras de educação capazes de fazer com que as pessoas consigam fazer uma ponte entre o saber tradicional e o conhecimento científico contemporâneo. Nossa estratégia é fazer das pessoas empreendedoras da floresta, líderes de processos inovadores capazes de valorizar a biodiversidade, gerando emprego e renda, cuidando das pessoas para que elas cuidem da floresta”, ressaltou o superintendente-geral da FAS, Virgílio Viana.
Bradesco
O Bradesco é um dos co-fundadores da FAS. Desde 2008 tem feito aportes em caráter institucional que permeiam todos os programas e projetos com destaque para geração de renda, infraestrutura comunitária, apoio a políticas públicas, capacitação de lideranças além de implementação e gestão estratégica da instituição. Desde 2010, atua também na vertente de inclusão e educação financeira com postos do Bradesco Expresso em três UCs e um programa de capacitação cocriado junto às lideranças comunitárias.
Samsung
A Samsung é parceria da Fundação Amazonas Sustentável desde 2010 quando iniciou apoio na construção e operação do Núcleo de Conservação e Sustentabilidade (NCS) Assy Manana, na comunidade Três Unidos, na APA do Rio Negro, onde fica a Escola Samsung. A partir de 2014 se tornou mantenedora do programa de educação com aportes que permeiam suporte na operação de sete NCS e programas complementares, entre eles o Repórteres da Floresta e a capacitação para práticas agroecológicas.
Fundo Amazônia
O Fundo Amazônia é um mecanismo internacional de financiamento climático baseado no conceito de pagamento por resultados obtidos na redução das emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento. Criado em 2008 com objetivo central de promover projetos para a prevenção e o combate ao desmatamento e para a conservação e o uso sustentável das florestas no bioma amazônico, ele é um dos principais mantenedores das ações da FAS, com recursos aplicados por financiamentos não reembolsáveis geridos pelo BNDES.
Lojas Americanas
A Lojas Americanas S.A. é parceira da FAS desde 2018 com apoio a projetos de educação nos NCS, como acesso à internet e informática, educação ambiental, gestão de resíduos sólidos, capacitação empreendedora e formação de professores, por meio de parceria com secretarias de educação. Adicionalmente, a B2W Digital, o grupo da qual a Lojas Americanas pertence, também apoia a FAS na manutenção da loja virtual Jirau da Amazônia, no marketplace da LASA, com venda artesanatos das comunidades ribeirinhas e indígenas.
Petrobras
A Petrobras é parceira da FAS desde 2018 com projetos voltados em educação profissionalizante, técnicas de produção sustentável, empreendedorismo jovem e formação continuada dos professores do ensino multisseriado em áreas remotas da Amazônia. O projeto atua na melhoria da infraestrutura educacional do Núcleo de Conservação e Sustentabilidade (NCS) Márcio Ayres, na comunidade Punã, na RDS Mamirauá.