A ausência do barco hospital na pandemia

A Coluna Amazônia Ribeirinha prioriza a divulgação de produções científicas e conteúdos sobre populações tradicionais na Amazônia, com ênfase às populações ribeirinhas na perspectiva de olhar Amazônia com pertencimento e justiça social.

Em decorrência do combate a pandemia da COVID-19 é fundamental a mobilização social, viabilização de profissionais de saúde e suportes logísticos necessários para o atendimento de moradores residentes em áreas ribeirinhas da Amazônia.

Com a alta incidência de casos confirmados da COVID-19 no estado de Rondônia e a transferência de pacientes para outras cidades do país, procura-se mostrar as medidas locais que poderiam ter sido adotadas no enfrentamento da pandemia em comunidades ribeirinhas, como o retorno das atividades do único barco hospital em Porto Velho.

Trata-se do barco hospital Dr. Floriano Riva Filho, construído no Estaleiro Rio Negro – ERIN em Manaus, com a finalidade de atender a população ribeirinha no Município de Porto Velho. Sua inauguração ocorreu no dia 22 de julho de 2004, na capital de Rondônia, sendo permeada por discursos políticos e comemorações.  

Inauguração do Barco Hospital em Porto Velho (2004) – Foto: Divulgação

A embarcação era equipada com sala de espera, recepção, consultórios médico e odontológico, enfermaria, laboratório de análises clínicas, farmácia, alojamentos, cozinha e voadeiras (25 HP). Havia equipe multidisciplinar composta por médico, odontólogo, enfermeiro, bioquímico, entre outros que atendiam em média 1.500 pessoas por viagem.

Os serviços ofertados à população ribeirinha consistiam em atendimento clínico e odontológico, exames preventivos, exames em geral, vacinação, aferição de pressão, soro em situação de acidente ofídico (picada de cobra), palestras, colaborando na prevenção, no combate a doenças diversas e controle de enfermidades.

Muitas das comunidades ribeirinhas se beneficiaram com a oferta desses serviços até o início de 2013, quando o barco hospital deixou de prestar atendimento médico, ficando nas memórias individuais e coletivas dos moradores emoções, lembranças e indignações. Suas atividades foram interrompidas por causa de uma vistoria na parte elétrica, más gestões, ocasionando a total paralisação dos serviços prestados à população amazônica. 

Fase do abandono e descaso – 

 A história desse barco daria um documentário, pois se passaram 16 anos e há oito anos encontra-se atracado à margem do rio Madeira, entre o Complexo da lendária Estrada de Ferro Madeira Mamoré e Terminal do Cainágua (local de embarque e desembarque de passageiros e cargas), em Porto Velho sem prestar nenhum tipo de atendimento aos ribeirinhos nesse período de pandemia.

Porém, uma emenda parlamentar para a reforma da embarcação fez ressurgir a esperança dos ribeirinhos e tripulantes, tendo iniciado em 2020, mas continua atracada e sem previsão de retomada de suas atividades. 

O barco hospital no Terminal do Cainágua.

O barco hospital tem deixado de exercer sua função social, humanitária e os ribeirinhos dos rios Madeira, Jamari, Preto, Reserva Extrativista do Lago do Cuniã, Machado e Maicy vivem essa calamidade pública da pandemia, estando em situação de vulnerabilidade social. E caso a embarcação estivesse funcionando, ajudaria a minimizar o desconforto das distâncias, das emergências médicas com crianças e idosos, das perdas repentinas de familiares e amigos advindas da pandemia.

Logo, o morador que não consegue atendimento imediato em alguma comunidade de difícil acesso precisa se deslocar à área urbana de Porto Velho, via fluvial (barco recreio), para realizar suas consultas e exames, correndo sérios riscos de ser acometido com o novo Coronavírus porque o distanciamento a bordo do barco é inevitável.

Além disso, nem todos os moradores conseguem se deslocar rapidamente ao espaço urbano da cidade devido às condições de acessibilidade, distâncias e recursos financeiros. A pandemia evidenciou ainda mais as desigualdades sociais e os problemas sanitários/ambientais encontrados no espaço ribeirinho.

O acesso ao atendimento básico de saúde na área ribeirinha precisa de maiores investimentos públicos, tais como: a melhoria das “ambulanchas”, incluir no atendimento básico em saúde fisioterapeutas, psicólogos e/ou terapeutas, médicos especialistas (geriatria, pediatria, entre outros) para colaborarem na reabilitação, saúde e bem-estar dos pacientes.

A ampliação do atendimento médico, com equipe multidisciplinar, ajudaria muito na prevenção e auxílios aos ribeirinhos, desde o socorro numa emergência de afogamento, ataques de arraias, jacarés e cobras venenosas (pico de jaca, coral e jararaca), problemas de pele (coceiras e alergias) nas crianças como Acidente Vascular Cerebral (AVC) em um idoso.

A saúde é um direito de todos e dever do Estado, não devendo existir nenhuma distinção entre os cidadãos, sendo importante a melhoria do atendimento básico em saúde nas comunidades ribeirinhas e o funcionamento do barco hospital nesse estado de calamidade pública em saúde.

Que esta experiência de Olhar Amazônia com pertencimento e justiça social possa ser multiplicada para a definição de campos possíveis de ação nas políticas públicas destinadas às populações ribeirinhas. Continue nos acompanhando e envie suas sugestões no e-mail: lucileydefeitosa@amazoniaribeirinha.com

Lucileyde Feitosa

Professora, Pós-Doutoranda em Comunicação e Sociedade (Universidade do Minho/Portugal), Doutora em Geografia/UFPR, Integrante do Movimento Jornalismo e Ciência na Amazônia e colunista da Rádio CBN Amazônia/Porto Velho.

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