Islândia é a cidade peruana mais próxima ao Brasil. Foto: Man77/Wikimedia Commons
Na região amazônica, em uma área onde as fronteiras parecem perder sua rigidez diante da realidade do rio e da floresta, está localizada a cidade de Islândia. Apesar do nome remeter a um país europeu de clima glacial e paisagens de gelo, essa Islândia está longe do frio: fica no Peru, às margens do rio Javari, na tríplice fronteira com o Brasil e a Colômbia, e enfrenta temperaturas típicas dos trópicos.
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Com cerca de 3 mil habitantes, a cidade se destaca por sua geografia peculiar. Construída sobre uma ilha e erguida em palafitas, Islândia permanece parcialmente submersa durante seis meses do ano, devido à cheia dos rios.
Nos outros seis meses, é possível caminhar por suas passarelas de concreto e estruturas elevadas, construídas para garantir segurança e mobilidade durante os períodos de inundação. Esse cenário rendeu à cidade o apelido de “Veneza do Javari” ou “Veneza do trapézio amazônico”, uma tentativa local de atrair turismo para a região.
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Mas a chegada em Islândia não é simples. O acesso só é possível por via fluvial, em viagens que partem de Iquitos, a maior cidade da Amazônia peruana, ou em trajetos mais curtos desde Leticia, na Colômbia, e Benjamin Constant, no Amazonas (Brasil).
A proximidade com os países vizinhos torna a cidade um ponto estratégico de integração econômica e cultural. É comum encontrar nas ruas moradores falando espanhol e português, além da aceitação de três moedas diferentes no comércio local: sol peruano, peso colombiano e real brasileiro.
Integração, fé e cotidiano sobre o rio
Islândia pertence ao distrito de Yavarí, uma das divisões da região de Loreto, no Peru. O distrito abriga cerca de 15 mil pessoas, sendo que aproximadamente 30% são membros da seita religiosa Missão Israelita do Novo Pacto Universal, que tem forte presença na cidade.
Os seguidores do grupo costumam trajar vestimentas semelhantes às do tempo bíblico e são facilmente reconhecidos pelas longas barbas e cabelos. Aos sábados, dia sagrado para os fiéis, realizam cultos e rituais religiosos que incluem trajes específicos e práticas herdadas da tradição fundada por Ezequiel Ataucusi, líder religioso peruano que afirmou ser a reencarnação de Jesus Cristo.
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No dia a dia, a economia local gira em torno do comércio, agricultura e, mais recentemente, do turismo. Restaurantes e pequenos comércios ribeirinhos oferecem pratos típicos da culinária amazônica, e alguns moradores se dedicam a atividades de transporte fluvial de visitantes, especialmente turistas colombianos que saem de Leticia.
A cidade também recebe brasileiros de Benjamin Constant, que cruzam o rio para comprar produtos ou utilizar os serviços da cidade peruana. Há ainda muitos casos de famílias divididas entre os dois lados da fronteira, vivendo uma rotina binacional em plena Amazônia.

Desafios na Islânia peruana
A história de Islândia também guarda elementos curiosos sobre sua origem e fronteiras. Durante muito tempo, a região era considerada território brasileiro, até que mudanças naturais no curso do rio Javari alteraram a margem principal, deslocando Islândia para o lado peruano.
Apesar disso, a delimitação só foi formalizada em 1925, e há registros de atritos territoriais até os anos 1990. Em 2017, a prefeitura local chegou a tentar recuperar uma carga de madeira apreendida pelo Ibama, mas o barco foi impedido de atracar do lado brasileiro.
Além das questões de soberania, a cidade enfrenta desafios estruturais. Há escolas, mercado, uma pequena delegacia e até um hotel. No entanto, a ausência de um hospital ainda é um problema recorrente apontado pelas autoridades locais. Muitos moradores precisam recorrer ao sistema de saúde brasileiro, atravessando o rio até Benjamin Constant em busca de atendimento.
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Apesar das limitações, Islândia segue como uma cidade única no cenário amazônico. Seu modo de vida adaptado à floresta e ao regime das águas, a convivência entre três nacionalidades, a presença religiosa marcante e o esforço para se tornar um destino turístico fazem dela um exemplo de resistência e adaptação nas margens do Javari.
A cidade amazônica que flutua entre fronteiras permanece firme, não em blocos de gelo, mas sobre palafitas de madeira e concreto, desafiando as cheias do rio e escrevendo sua própria narrativa, onde o nome europeu contrasta com a identidade profundamente amazônica.
