Os witoto fugiram das perseguições sofridas no país vizinho e grupos se fixaram no Alto Solimões, no Amazonas, na região da tríplice fronteira com Peru e Colômbia.
O Estado do Amazonas abriga aldeias do povo Witoto, etnia da qual fazem parte as quatro crianças que sobreviveram na selva amazônica por 40 dias. O presidente da associação que representa os indígenas, Anderson Ortega Witoto, contou que, de origem colombiana, a etnia está no Brasil desde a década de 1930, quando os indígenas fugiram das perseguições no país vizinho. Na Colômbia, o nome do povo tem outras duas formas de escrita: Hitoto e Uitoto.
Quando migraram para o Brasil, os grupos se fixaram no Alto Solimões, na região da tríplice fronteira com Peru e Colômbia, mais precisamente nos municípios de Santo Antônio do Içá e Amaturá, no Amazonas. Hoje, dentre tantos desafios, eles tentam resgatar sua história e manter viva as tradições.
“Nossos avós vieram fugidos da Colômbia, mais especificamente do Rio Putumayo, onde foram perseguidos, massacrados e onde muitos tombaram. Ao chegarem no Brasil, vieram para a região da tríplice fronteira e aqui foram recebidos por um coronel, que também os impediu de falarem suas línguas, usarem suas pinturas e vestimentas, com medo deles serem descobertos”,
contou o líder indígena.
No Brasil, o grupo se dividiu e se fixou na região do Alto Solimões. Atualmente, são cerca de três aldeias com mais de 150 famílias, que vivem da caça, da pesca e do extrativismo. Outros indígenas da etnia começaram a viver dentro da cidade, como é o caso de uma pequena comunidade que mora em Manaus.
Segundo Anderson, a associação tenta encontrar outros parentes que vivem no país e na América do Sul. “Quando criamos [a associação], não encontramos parentes em outros estados. Sabemos que existe uma pequena população no Baixo Amazonas que, inclusive, buscamos contato, e também sabemos de uma outra comunidade na Colômbia, no quilômetro 8, próximo de Letícia. São indígenas aldeados, que vivem da forma tradicional e que praticam sua cultura e mantêm viva a nossa tradição”, disse.
A etnia, ainda que pequena, tem características próprias, como uma língua comum e de fácil entendimento até para as demais etnias que vivem na região. Também possui uma forma de organização bem definida, que representa a todos.
Isso fortalece o grupo, que tenta resgatar sua cultura suprimida por muito tempo por invasores e “coronéis de barranco”, como eram chamados os seringalistas, empresários e homens com poder político e/ou econômico que dominavam a região, especialmente no período áureo da borracha.
“Por muitos anos fomos impedidos de nos expressar. Nossos avós, como eu contei, foram perseguidos e tinham medo de nos repassar seus saberes com o receio de nós também sermos perseguidos. Hoje nós buscamos mudar isso e eles já se abrem mais, tentando passar para as nossas crianças a nossa história”,
afirmou o líder.
Mas nesse processo de reencontro com a cultura e de organização do seu povo, os Witoto também enfrentam problemas que são comuns nas comunidades indígenas da Amazônia, como a expansão do tráfico de drogas nas aldeias, pesca, caça e garimpo ilegais em comunidades tradicionais.
“Esses problemas vieram à tona com o caso Bruno e Dom, mas digamos que esse episódio só tirou uma venda daquilo que acontece há muito tempo. O tráfico de drogas está dentro das aldeias, os traficantes estão dentro das nossas comunidades. Não podemos mais preservar nossos rios e lagos porque são invadidos. Nem sabíamos o que era garimpo e hoje já é uma triste realidade vivida”, lamentou.
Anderson relatou que durante os últimos quatro anos esses problemas se intensificaram de maneira alarmante nas comunidades, contando, inclusive, com apoio de alguns parentes. Hoje, ações de órgãos ambientais na região ajudam a diminuir o abandono e o avanço do crime organizado, mas ainda há muito a ser feito.
“As comunidades ainda estão com medo, mas com um pouco mais de segurança porque vemos os órgãos de fiscalização, como o Ibama, atuando, coisa que a gente não via tempos atrás. Mas a insegurança ainda é muito grande, principalmente quando há lideranças corrompidas pelo tráfico e que também ajudam os invasores a entrarem em nosso território”, destacou.
As ameaças também são externas, como o Marco Temporal. O líder indígena contou que teme pela aprovação do projeto que limita as demarcações de terras indígenas em todo o país e espera que a questão seja analisada com serenidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Para ele, uma terra demarcada representa segurança para as futuras gerações dos Witoto. “Tendo nossas terras demarcadas são garantia para nós indígenas e para as nossas futuras gerações. É uma garantia de que estaremos menos vulneráveis”, finalizou.
*Por Matheus Castro, do g1 Amazonas