No Brasil, a manifestação de eventos climáticos extremos, como secas e chuvas intensas, exacerbada pelas características do El Niño, serve como um claro indicativo dessa realidade.
A mudança climática constitui um dos desafios mais urgentes da contemporaneidade, afetando desproporcionalmente as populações mais vulneráveis ao redor do mundo. No Brasil, a manifestação de eventos climáticos extremos, como secas e chuvas intensas, exacerbada pelas características do El Niño, serve como um claro indicativo dessa realidade.
No território brasileiro, os efeitos do El Niño se traduzem em anomalias nos regimes de chuva e temperatura, provocando secas severas em algumas regiões, enquanto outras são acometidas por precipitações excessivas. As secas impactam diretamente a disponibilidade de água para consumo humano e para a agricultura, essenciais para a subsistência das comunidades rurais e para a segurança alimentar do país. Adicionalmente, comprometem-se a produção de energia hidrelétrica, afetando a economia e a qualidade de vida da população em geral.
Por outro lado, as chuvas torrenciais ocasionam inundações e deslizamentos de terra, com consequências devastadoras para as áreas urbanas, especialmente nas periferias e favelas, onde a infraestrutura é precária. Tais eventos exacerbam a disseminação de doenças relacionadas à água e impõem desafios significativos à mobilidade e à habitabilidade.
As populações vulneráveis, já em desvantagem devido a fatores socioeconômicos, são as mais atingidas por esses eventos, evidenciando a necessidade urgente de políticas públicas inclusivas e de estratégias de adaptação e mitigação eficazes. As diversas restrições comprometem o acesso à água potável e à segurança alimentar, fundamentalmente para a subsistência das comunidades agrícolas.
Durante o período da pandemia de Covid-19, o Brasil registrou um aumento sem precedentes nos índices de pobreza social, segundo uma pesquisa divulgada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Em 2021, o número de pessoas que vivem em condições de pobreza atingiu 64,6 milhões, representando 30,4% da população brasileira. O incremento de 11,7 milhões de brasileiros em situação de pobreza entre 2020 e 2021 destaca a gravidade do impacto econômico provocado pela pandemia. A análise também aponta que a região Norte do Brasil apresentou a segunda maior proporção de indivíduos nessa condição, com 33,9% de sua população afetada (Catto, 2023)¹. De acordo com a introdução feita até agora, propomos discutir abaixo sobre a vulnerabilidade social e os riscos associados às mudanças climáticas, com foco nos desafios relacionados à segurança alimentar e aos desastres geo-hidrológicos na região Norte do Brasil.
O mapa abaixo refere-se ao Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) dos estados do Brasil para o ano de 2021, conforme informações disponíveis no Atlas da Vulnerabilidade Social, acessível pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em seu portal on-line.
¹ CATTO, André. Pobreza social bate recorde e atinge 64,6 milhões de brasileiros durante pandemia. G1 Economia. Disponível em: Pobreza social bate recorde e atinge 64,6 milhões de brasileiros durante pandemia, diz estudo | Economia | G1 (globo.com). Acesso em: 06 fev. 2023.
Uma análise do IVS permite uma compreensão do nível de vulnerabilidade social a que esses estados estão expostos. Os valores do índice de variação de 0 a 1, onde valores mais próximos de 1 indicam maior vulnerabilidade social. Os valores apresentados no mapa revelam que, entre os estados da região Norte, o Acre apresenta maior vulnerabilidade social (0,366), seguido por Amazonas (0,342) e Pará (0,299). Roraima possui um IVS de 0,28, o Tocantins tem um IVS de 0,254 e Amapá tem um índice de 0,229. Por outro lado, Rondônia apresenta o menor índice de vulnerabilidade social (0,189).
Apesar de alguns valores serem considerados aceitáveis, é fundamental analisar esses números à luz do quantitativo de pessoas que eles representam. Mesmo um IVS relativamente baixo pode significar um grande número de indivíduos em situação de vulnerabilidade, especialmente em estados com populações globais. Isso é particularmente relevante no contexto do Norte do Brasil, uma região que enfrenta desafios significativos em termos de infraestrutura, acesso a serviços básicos e condições socioeconômicas.
Os estados da região Norte do Brasil, conforme indicado pelo Índice de Vulnerabilidade Social (IVS), apresentam desafios únicos no contexto das mudanças climáticas. Estas populações, especialmente as mais vulneráveis, são desproporcionalmente afetadas pelos impactos climáticos devido a uma série de fatores socioeconômicos e ambientais.
A plataforma AdaptaBrasil, visa fornecer informações sobre a vulnerabilidade, exposição e riscos associados às mudanças climáticas no país, ela destaca a importância de entender e monitorar a resiliência dos municípios brasileiros. O site oferece dados e ferramentas que ajudam a identificar e compreender os riscos e vulnerabilidades climáticas ao nível local, e servem como um recurso para o planejamento de medidas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas. A incorporação de informações do AdaptaBrasil ao contexto dos estados do Norte do Brasil com altos IVS é crucial para desenvolver estratégias que abordem tanto as questões sociais quanto as ambientais. Uma observação atenta e contínua do comportamento climático e seus efeitos nessas regiões pode orientar intervenções mais eficazes, com o objetivo de proteger as populações vulneráveis e promover o desenvolvimento sustentável.
A imagem detalha o índice de risco de impacto para seca. Aqui, observa-se que a maioria dos municípios é dividida como “Baixo” (206 municípios) e “Muito baixo” (109 municípios) risco de impacto para seca, enquanto uma quantidade menor é considerada “Médio” (120 municípios) e ” Alto” (15 municípios). Esta distribuição sugere que, embora a seca seja uma preocupação, a capacidade de resistência e a vulnerabilidade a esse tipo de evento climático variam significativamente entre os municípios da região Norte. A seca, definida como um período prolongado, pode causar escassez de água que afeta não apenas a agricultura e a disponibilidade de alimentos, mas também diversos grupos vulneráveis da população.
Além disso, o Índice de Vulnerabilidade para Segurança Alimentar também fornecido pela plataforma AdaptaBrasil mostra que uma grande proporção de municípios se enquadra nas categorias “Médio” (189 municípios) e “Alto” (191 municípios), com uma minoria significativa como “Muito alto” (34 municípios). Há apenas 36 municípios categorizados como “Baixo” e “Muito baixo” (1 município), indicando que a maior parte da região enfrenta riscos substanciais para a segurança alimentar. Isso significa que as alterações climáticas ou eventos climáticos extremos podem afetar severamente a vida, os meios de subsistência e a disponibilidade de alimentos de qualidade e em quantidade suficiente nessas localidades.
Ao combinar as informações dos índices, torna-se evidente que, enquanto a região Norte como um todo pode ter um risco variável de impacto para seca, a vulnerabilidade geral à segurança alimentar é preocupante, com muitos municípios enfrentando riscos médios a altos. Isso destaca a importância de políticas e estratégias robustas de adaptação e mitigação, particularmente no que tange ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e práticas alimentares sustentáveis. Os dados sublinham a necessidade de um monitoramento contínuo dos riscos associados às mudanças climáticas, bem como de uma resposta proativa para fortalecer a resiliência das comunidades da região Norte do Brasil.
A imagem fornece uma representação gráfica do Índice de Risco para desastres geo-hidrológicos – especificamente inundações, enxurradas e alagamentos – nos 450 municípios da região Norte do Brasil. A distribuição dos municípios por classe de risco é a seguinte: Muito Baixo (11 municípios); Baixo (69 municípios); Médio (185 municípios); Alto (131 municípios), Muito Alto (54 municípios). Este índice reflete o potencial de impacto das mudanças climáticas nos sistemas socioecológicos, levando em conta não apenas a ocorrência de precipitações intensas, mas também fatores como a geomorfologia do terreno, o uso do solo e as condições geológicas que influenciam a probabilidade e a severidade dos desastres geo-hidrológicos.
Interpretando os dados dos gráficos, é evidente que uma proporção significativa dos municípios da região Norte exposta está a um risco médio a muito alto de enfrentar desastres relacionados à água, como inundações, enxurradas e alagamentos. Os 131 municípios na categoria de alto risco e os 54 na categoria de muito alto risco são de especial preocupação, uma vez que indicam uma suscetibilidade específica a eventos que podem resultar em danos substanciais à infraestrutura, ecossistemas e comunidades locais.
Estes dados são particularmente importantes para o planejamento urbano e gestão de emergência, pois municípios com alto e muito alto risco precisam de infraestruturas resilientes, sistemas de alerta precoce e planos de evacuação eficazes para minimizar os danos e proteger as populações. A preparação e a resposta rápida são essenciais para reduzir as consequências negativas desses eventos, que tendem a se tornar mais frequentes e intensas devido às mudanças climáticas.
O índice também destaca a necessidade de políticas de adaptação climática e gestão de risco de desastres para melhorar a resiliência dos municípios, principalmente aquelas identificadas como de risco médio a muito alto. Isso pode incluir a reavaliação do uso do solo, o reforço das margens dos rios, a implementação de práticas de drenagem urbana e o investimento em sistemas de monitoramento climático para prever e responder a eventos extremos de incidentes.
Conclusões
Com a colaboração de:
Prof. Dr, Yunier Sarmiento Ramírez possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade do Estado do Amazonas, mestrado em Gestão de Empresas pela Universidad de Holguín – Cuba e doutorado em Economia pela Universidade Federal de Rio Grande do Sul. Atualmente é professor da Universidade Federal do Amazonas no Departamento de Economia e Análise – DEA e no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia – PPGSS. Desenvolve pesquisas na área de Economia aplicada, teoria econômica e métodos quantitativos
Sobre o autor
Prof. Dr, José Barbosa Filho possui graduação em Engenharia de Pesca pela Universidade Federal do Ceará (1989), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (1992) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005). Atualmente é professor Titular da Universidade Federal do Amazonas. Desenvolve pesquisas na área de Contabilidade Ambiental, Matemática Financeira e Econometria, com ênfase em Gestão Ambiental, atuando principalmente nas seguintes áreas: valoração ambiental, desenvolvimento sustentável, avaliação de impactos ambientais e gerenciamento de processos.
Contato: jbarbosa@ufam.edu.br
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