Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Por Yunier Sarmiento Ramírez e Jose Barbosa Filho
O território amazônico tem sido marcado pela intensificação de atividades ilegais que ameaçam a integridade dos ecossistemas, entre as quais a mineração clandestina se destaca pela amplitude de seus impactos. Como mostra a Figura 1, grande parte dessa pressão ocorre em áreas próximas ou sobrepostas às Terras Indígenas, evidenciando a vulnerabilidade desses espaços frente à expansão do garimpo.
Figura 1. Delimitação dos Estados da Amazônia Legal e das Terras Indígenas Demarcadas

Ao longo das últimas décadas, o avanço da mineração ilegal aprofundou processos de degradação ambiental associados ao desmatamento, à contaminação por mercúrio, ao assoreamento de cursos d’água e à perda de biodiversidade. Além dos danos ecológicos, a atividade também afeta diretamente as populações indígenas e ribeirinhas, que enfrentam riscos sanitários, conflitos territoriais e desestruturação de modos de vida tradicionais. Esse conjunto de impactos exige análises que articulem a dimensão ambiental com dinâmicas históricas e territoriais de ocupação da Amazônia.
Nesse contexto, este estudo tem como objetivo examinar a evolução espacial e temporal da mineração ilegal na Amazônia Legal, no período de 1985 a 2023, destacando como a intensificação dessa atividade representa um obstáculo crescente à conservação ambiental na região. Para isso, utiliza-se a série histórica disponibilizada pelo MapBiomas, que permite identificar padrões de expansão, estados mais pressionados e mudanças na intensidade da atividade ao longo dos últimos 38 anos.
Ao revelar tendências e concentrações territoriais, a análise busca contribuir para o debate sobre os desafios contemporâneos da conservação ambiental na Amazônia, evidenciando a necessidade urgente de ações integradas de fiscalização, gestão territorial e proteção dos ecossistemas.
A análise apresentada nesta seção baseia-se na série histórica disponibilizada pelo MapBiomas, uma das plataformas mais completas para o monitoramento sistemático do uso e cobertura da terra no Brasil. Considerou-se exclusivamente o recorte geográfico da Amazônia Legal, abrangendo os estados do Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. O estado do Acre não aparece nos resultados por ausência de registros de mineração — industrial ou garimpeira — na base consultada, o que explica sua exclusão das comparações posteriores.
1. Evolução da área minerada (1985–2023)
A série histórica analisada, que se estende de 1985 a 2023, permite acompanhar de forma contínua a evolução da mineração na região e identificar tanto sua expansão territorial quanto as mudanças em sua intensidade ao longo do tempo. Entre os indicadores disponibilizados pela plataforma, destacam-se dois: a área anual ocupada pelas diferentes classes de mineração, expressa em hectares, e a proporção relativa dessas áreas no conjunto da Amazônia Legal. Esses elementos são fundamentais para compreender o ritmo de expansão e a escala dos impactos ambientais associados.
Embora o recorte fundiário — como Terras Indígenas e Unidades de Conservação — não esteja discriminado nos dados do MapBiomas, é amplamente reconhecido que boa parte da mineração ilegal ocorre justamente nesses territórios, que figuram entre os mais vulneráveis da região. Isso torna ainda mais relevante observar como a atividade se distribui espacialmente ao longo da Amazônia, considerando que grande parte do avanço garimpeiro incide sobre áreas oficialmente protegidas.
O Gráfico 1 sintetiza a evolução das áreas ocupadas por mineração industrial e garimpo entre 1985 e 2023. Os dados revelam um padrão inequívoco: ao longo de quase quatro décadas, o garimpo se consolidou como a modalidade dominante na Amazônia Legal, tanto em extensão territorial quanto em velocidade de expansão. Desde 1985, quando já ocupava cerca de 22 mil hectares, a atividade avançou de forma contínua, alcançando mais de 264 mil hectares em 2023.
Gráfico 1. Evolução da Área Ocupada por Mineração Industrial e Garimpo na Amazônia Legal (1985-2023)

Em contraste, a mineração industrial apresentou crescimento muito mais lento e moderado: passou de aproximadamente 8 mil hectares em 1985 para cerca de 59 mil hectares em 2023. Como resultado, sua proporção relativa diminuiu ao longo do período, representando apenas cerca de 22,5% da área ocupada pelo garimpo no último ano da série.
Essa disparidade evidencia não apenas o caráter expansivo da mineração ilegal, mas também a fragilidade institucional no controle e fiscalização das frentes garimpeiras, especialmente após 2016, quando se observa uma aceleração expressiva da atividade. O intervalo entre 2016 e 2021, em particular, marca um dos períodos de crescimento mais intenso da série, refletindo a intensificação de redes ilegais, a valorização do ouro no mercado internacional e a redução das ações de fiscalização ambiental.
Por outro lado, a mineração industrial — por estar sujeita a processos mais rígidos de licenciamento e controle — apresenta um comportamento mais estável, com variações graduais ao longo do tempo. O contraste entre as curvas reforça o papel crítico do garimpo como principal vetor de pressão ambiental na região.
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2. Estrutura das áreas garimpadas em 2023
A Tabela 1 apresenta a distribuição da área ocupada por diferentes classes de garimpo no ano de 2023, totalizando 264.227 hectares. A composição revela forte concentração na categoria de garimpo metálico, que representa 96,23% de toda a área garimpada. Dentro desse grupo, destaca-se amplamente o garimpo de ouro, que sozinho responde por 232.261 hectares — o equivalente a 91,34% da extração ilegal registrada.
Tabela 1. Distribuição da Área Ocupada por Classe de Garimpo na Amazônia Legal em 2023
| Garimpo Classes | 264227 | 100,00 |
| Metálicas | 254274 | 96,23 |
| Manganês | 690 | 0,27 |
| Estanho | 21322 | 8,39 |
| Ouro | 232261 | 91,34 |
| Não Metálicas | 7506 | 2,84 |
| Minerais Classe 2 | 7506 | 100,00 |
| Pedras preciosas e rochas ornamentais | 2446 | 0,93 |
| Pedras preciosas | 2058 | 84,14 |
| Rochas ornamentais | 388 | 15,86 |
Fonte: Elaboração própria com base em dados do MapBiomas – Plataforma de Mineração, versão 9.0 (2023).
Minerais metálicos como estanho (8,39%) e manganês (0,27%) aparecem em proporções muito inferiores, evidenciando sua participação residual na dinâmica garimpeira da Amazônia. A extração não metálica representa 2,84% da área total, concentrada principalmente em Minerais Classe 2. Pedras preciosas e rochas ornamentais ocupam uma área bastante reduzida, reforçando que o garimpo amazônico segue predominantemente orientado à exploração de metais de alto valor no mercado.
Esse perfil demonstra um padrão consolidado e historicamente estável: o garimpo de ouro permanece hegemônico, impulsionado tanto pela facilidade de extração quanto pela demanda crescente no mercado global. Tal predominância intensifica os danos ambientais, dado que a extração aurífera costuma envolver dragas, maquinário pesado e uso intensivo de mercúrio — um dos principais contaminantes dos ecossistemas amazônicos.
3. Distribuição espacial do garimpo entre os estados
O Gráfico 2 compara a área ocupada pelo garimpo em 2023 com a média histórica calculada para o período 1985–2023. Os resultados apontam para fortes assimetrias territoriais. O Mato Grosso aparece como o epicentro da atividade, com 68.354 hectares garimpados em 2023 — valor significativamente superior à sua média histórica (40.096 hectares). A magnitude dessa diferença revela uma intensificação recente da atividade no estado, que já era, historicamente, o principal polo minerário da região.
Gráfico 2. Distribuição da Área Ocupada pelo Garimpo na Amazônia Legal por Estado, 2023

O Amazonas ocupa a segunda posição, com 16.046 hectares, também muito acima de sua média histórica (4.303 hectares). Rondônia (10.758 hectares) e Maranhão (6.872 hectares) apresentam comportamento semelhante, com valores recentes que ultrapassam com folga suas médias históricas, indicando um avanço acelerado do garimpo nesses estados.
Amapá e Roraima registram áreas menores em termos absolutos, mas ambas também apresentam valores superiores às médias históricas, evidenciando que o crescimento da atividade é um fenômeno disseminado por toda a Amazônia Legal, ainda que em diferentes intensidades.
Por outro lado, Pará e Tocantins aparecem com as menores áreas ocupadas — 384 e 78 hectares, respectivamente — embora ainda acima de suas médias históricas, sugerindo um crescimento mais discreto, porém ainda presente.
O conjunto desses resultados mostra que a expansão garimpeira recente não se concentra apenas nos estados tradicionalmente mineradores, mas se dissemina por toda a região, alcançando inclusive áreas onde a atividade historicamente era menos expressiva. Isso reforça a tendência de interiorização do garimpo ilegal e a ampliação de sua área de influência territorial.
4. Análise conjunta dos efeitos espaciais e temporais
Para compreender de forma integrada a influência das diferenças territoriais e das mudanças ao longo do tempo, realizou-se uma ANOVA de dois fatores, avaliando simultaneamente o impacto do Estado e do Ano sobre a área anual de mineração. Como a variável dependente não atendia plenamente ao pressuposto de normalidade, aplicou-se a transformação logarítmica natural. Ainda assim, a heterogeneidade de variâncias levou ao uso de estimativas robustas (HC3) no SPSS.
Os resultados mostram efeitos altamente significativos tanto para o fator Estado quanto para o fator Ano. O primeiro apresenta a maior magnitude, indicando que a localização geográfica é determinante para explicar a variação observada na área de mineração. O fator temporal também é significativo, embora com menor impacto, mostrando que a atividade experimentou mudanças importantes ao longo das quase quatro décadas analisadas.
O modelo como um todo explicou 98% da variabilidade da variável transformada, com baixo erro residual, o que confirma sua forte capacidade explicativa. O elevado coeficiente de determinação reforça a robustez da análise e evidencia que os fatores espaciais e temporais atuam de forma articulada na expansão da mineração ilegal.
As comparações post hoc mostraram que o Mato Grosso supera significativamente todos os demais estados, enquanto Tocantins e Pará integram o grupo com menores médias. Amapá e Maranhão formam um par sem diferença estatística significativa, sugerindo dinâmica semelhante. Roraima e Pará também exibem valores próximos, ainda que com diferença significativa.
O Gráfico 3 ilustra essas diferenças, destacando a posição de liderança do Mato Grosso e a ampla distância que o separa de estados com menor presença minerária. As posições intermediárias de Amazonas, Maranhão e Amapá reforçam a ideia de que o garimpo se distribui de forma marcadamente desigual pela Amazônia Legal.
Gráfico 3. Médias Marginais Estimadas da Área Anual Ocupada por Classe de Mineração na Amazônia Legal (LN), por Estado (1985-2023)

Além disso, observa-se uma forte queda nas médias marginais estimadas para o Pará, seguida de um novo aumento em Rondônia, o que evidencia oscilações significativas entre estados vizinhos e demonstra que a atividade garimpeira não segue um padrão linear na região.
Roraima apresenta um comportamento intermediário, mas ainda inferior ao registrado em Rondônia, enquanto Tocantins aparece com o menor valor da série, encerrando o gráfico com a média marginal mais baixa. Esse conjunto de variações revela que, embora o Mato Grosso concentre a maior pressão minerária, a atividade se manifesta de maneira heterogênea e irregular ao longo de todo o território amazônico.
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5. Implicações para a conservação ambiental na Amazônia Legal
Os resultados apresentados permitem afirmar que a expansão do garimpo ilegal na Amazônia Legal não é apenas um fenômeno de crescimento econômico informal, mas um processo de reconfiguração territorial com profundas consequências para a conservação ambiental. A predominância do garimpo sobre a mineração industrial ao longo de quase quatro décadas (Gráfico 1), a hegemonia da extração de ouro (Tabela 1) e a forte concentração da atividade em determinados estados (Gráficos 2 e 3) ajudam a dimensionar a escala das pressões exercidas sobre os ecossistemas amazônicos.
A centralidade do Mato Grosso e o avanço recente em estados como Amazonas, Rondônia e Maranhão indicam que grandes áreas de floresta estão sendo convertidas em frentes de extração mineral, muitas vezes em regiões de cabeceiras de rios e áreas de alta sensibilidade ecológica. Nesses contextos, o desmatamento associado à abertura de clareiras, estradas vicinais e acampamentos garimpeiros provoca fragmentação de habitats, perda de cobertura vegetal e alteração de ciclos hidrológicos, comprometendo serviços ecossistêmicos essenciais, como regulação climática, proteção de solos e manutenção da biodiversidade.
A predominância do garimpo de ouro adiciona outra camada de gravidade à situação. A utilização recorrente de mercúrio nos processos de beneficiamento contamina cursos d’água e cadeias alimentares, afetando peixes, fauna silvestre e populações humanas que dependem desses recursos para sua subsistência. Assim, as áreas mapeadas pelo MapBiomas não representam apenas manchas de uso econômico do solo, mas também zonas potenciais de risco toxicológico, muitas vezes sobrepostas a Terras Indígenas e territórios de comunidades tradicionais, como já sinalizado pela distribuição geográfica evidenciada na Figura 1.
A desigualdade espacial identificada pela ANOVA e pelas comparações post hoc também tem implicações diretas para a gestão ambiental. Estados com maior intensidade de garimpo concentram impactos mais profundos e complexos, exigindo estruturas robustas de fiscalização, monitoramento e recuperação ambiental. Já aqueles com participação relativa menor, mas em crescimento, demandam políticas preventivas capazes de evitar que novas frentes de expansão reproduzam o mesmo padrão de degradação observado nas áreas historicamente mineradas.
Do ponto de vista da conservação, os resultados indicam três desafios centrais. O primeiro é a necessidade de integrar informações de monitoramento, como as fornecidas pelo MapBiomas, às estratégias de comando e controle, permitindo respostas mais rápidas às novas frentes de garimpo e aos focos de expansão ilegal. O segundo é fortalecer a proteção de territórios vulneráveis, especialmente Terras Indígenas e Unidades de Conservação, que se encontram na linha de frente da pressão minerária. O terceiro diz respeito à urgência de articular políticas ambientais com alternativas econômicas sustentáveis, capazes de reduzir a dependência de atividades de alto impacto e baixa sustentabilidade.
Em síntese, a dinâmica espacial e temporal da mineração ilegal na Amazônia Legal evidencia um processo contínuo de intensificação das pressões sobre a floresta e seus povos. A consolidação do garimpo como forma dominante de ocupação minerária reforça o caráter estrutural do problema e demonstra que a conservação ambiental na região depende, de maneira crescente, da capacidade do poder público e da sociedade de enfrentar essa atividade em múltiplas frentes: monitoramento, fiscalização, ordenamento territorial e promoção de modelos de desenvolvimento que preservem a integridade dos ecossistemas amazônicos.
Com a colaboração de:
Prof. Dr, Yunier Sarmiento Ramírez possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade do Estado do Amazonas, mestrado em Gestão de Empresas pela Universidad de Holguín – Cuba e doutorado em Economia pela Universidade Federal de Rio Grande do Sul. Atualmente é professor da Universidade Federal do Amazonas no Departamento de Economia e Análise – DEA e no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia – PPGSS. Desenvolve pesquisas na área de Economia aplicada, teoria econômica e métodos quantitativos
Sobre o autor
Prof. Dr, José Barbosa Filho possui graduação em Engenharia de Pesca pela Universidade Federal do Ceará (1989), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (1992) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005). Atualmente é professor Titular da Universidade Federal do Amazonas. Desenvolve pesquisas na área de Contabilidade Ambiental, Matemática Financeira e Econometria, com ênfase em Gestão Ambiental, atuando principalmente nas seguintes áreas: valoração ambiental, desenvolvimento sustentável, avaliação de impactos ambientais e gerenciamento de processos.
Contato: jbarbosa@ufam.edu.br
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