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Sexta, 03 Mai 2024

Desvendando a precariedade: a influência do trabalho na saúde dos migrantes venezuelanos em Manaus

Trabalho precarizado é uma realidade preocupante no Brasil. Muitos trabalhadores enfrentam condições de emprego mal remunerado, inseguro e desprotegido. Isso ocorre principalmente devido a fatores como a globalização, mudanças tecnológicas e crises econômicas.

A precariedade do emprego varia por região. Estados do Norte e Nordeste têm taxas ainda mais altas de informalidade, chegando a quase 60% no Pará segundo dados do ano passado. Isso está relacionado ao desempenho econômico dessas regiões e à falta de indústrias e empregos formais.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A taxa de desocupação no Brasil diminuiu para 7,6% no trimestre encerrado em janeiro de 2024, o nível mais baixo desde 2015, conforme divulgado pelo IBGE. A estabilidade do desemprego em comparação ao trimestre anterior e a elevação para 100,6 milhões de trabalhadores ocupados refletem um crescimento no mercado de trabalho. No entanto, é importante destacar que os migrantes frequentemente se encontram em posições de trabalho mais precárias, o que não só afeta suas condições de trabalho mas também tem implicações significativas para a saúde. O setor informal, que abriga uma grande parcela desses trabalhadores, manteve-se estável, representando 39% da força de trabalho, ou 39,2 milhões de pessoas. A precarização do trabalho entre os migrantes, portanto, constitui um desafio persistente, impactando diretamente a saúde e o bem-estar dessa população. Além disso, o aumento no número de empregados com carteira assinada e o crescimento do rendimento real dos trabalhadores são indicadores positivos, mas não necessariamente refletem a realidade de todos os segmentos da população, especialmente os migrantes enfrentando condições de trabalho precárias.

Os resultados de uma dissertação do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia da UFAM, com apoio da FAPEAM, revelam os impactos do trabalho precarizado na saúde dos migrantes venezuelanos em Manaus. Utilizando uma metodologia de análise de regressão logística com uma amostra de 94 migrantes.

A regressão logística é utilizada para estimar a probabilidade de um determinado evento ocorrer, baseando-se nas condições presentes. No estudo em questão, ela ajuda a estimar a probabilidade de os migrantes experimentarem impactos negativos em sua saúde devido a condições precárias de trabalho. Permite analisar a relação entre uma variável dependente binária (por exemplo, impacto na saúde: sim ou não) e uma ou mais variáveis independentes (como remuneração, jornadas de trabalho, acesso a benefícios previdenciários, etc.). Isso ajuda a entender como diferentes condições de trabalho influenciam a saúde dos migrantes.

Em Manaus, a chegada diária de migrantes venezuelanos em busca de melhores condições de vida destaca a luta contra as adversidades enfrentadas em sua terra natal. Este estudo, ao explorar a intersecção entre trabalho precarizado e saúde, ilumina as complexidades enfrentadas por essa comunidade. A análise revela um quadro preocupante: a prevalência de condições de trabalho inadequadas e seu impacto direto sobre a saúde dos migrantes.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
A pesquisa evidencia que a remuneração baixa é uma realidade para a maioria dos migrantes venezuelanos em Manaus, com 77,3% dos participantes relatando que tal condição afeta negativamente sua saúde. Dentre estes, uma análise detalhada mostra variações no grau de impacto percebido, onde 29,5% sentem um efeito moderado, e uma parcela similar (21,6%) considera o impacto baixo. A regressão logística binária utilizada para explorar essas relações indica uma correlação significativa entre a falta de renda e o aumento da probabilidade de problemas de saúde, com aqueles sem renda tendo 13,5 vezes mais chances de relatar impactos negativos na saúde em comparação com aqueles que recebem de 2 a 3 salários mínimos.

Além disso, a pesquisa aponta para as extensas jornadas de trabalho como um fator agravante, com 89,5% dos migrantes indicando que jornadas superiores a 8 horas diárias comprometem sua saúde. A análise estatística reforça essa percepção, mostrando que migrantes submetidos a longas jornadas de trabalho têm 9,3 vezes mais chances de experienciar problemas de saúde.

Outros indicadores de trabalho precarizado, como a falta de compensação por horas extras e a ausência de benefícios previdenciários, também são destacados. Cerca de 70,5% dos entrevistados reportaram não receber por horas extras, e uma grande maioria (88,6%) disse não ter acesso a benefícios previdenciários, evidenciando uma vulnerabilidade significativa a condições de trabalho exploratórias. Deles o 11,4% que recebem ou já receberam benefício previdenciário, o 4,5% declararam que receberam o auxílio acidente, 2,3% tiveram acesso à licença maternidade, 2,3% receberam o auxílio doença e 2,3% obtiveram o salário família. Além do mais, os respondentes também afirmaram que 77,3% nunca gozou de férias no desenvolvimento de suas atividades, período importante para o descanso do corpo e da mente, podendo este indicar sinais de exaustão ao passar do tempo.

A análise revela que os migrantes que não são compensados por horas extras apresentam uma probabilidade 1,8 vezes maior de relatar impactos negativos na saúde em comparação com aqueles que recebem essa compensação. Adicionalmente, a falta de direito a férias e acesso a benefícios previdenciários amplia ainda mais os riscos à saúde, com esses migrantes enfrentando chances 1,9 e 2,7 vezes maiores, respectivamente, de experimentar problemas de saúde devido às suas condições laborais.

O acesso a recursos básicos como alimentação e água potável no local de trabalho foi reportado por 88,6% dos participantes, sugerindo uma faceta positiva em meio a desafios gerais. Contudo, a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) foi uma preocupação para 59,1% dos migrantes, indicando uma área crítica de vulnerabilidade à saúde e segurança no trabalho. Interrogados sobre o ambiente de trabalho, 29,5% dos migrantes perceberam-no como insalubre, apontando para riscos adicionais à saúde.

Apesar desses indicativos de risco, a pesquisa mostra que a percepção dos migrantes sobre a relação direta entre condições de trabalho e saúde é complexa. Embora 54,5% tenham reconhecido que seus problemas de saúde poderiam ser atribuídos ao ambiente laboral, a análise estatística não encontrou uma correlação significativa entre condições de trabalho específicas, como o uso de EPIs, e impactos na saúde. Isso sugere que, enquanto a precariedade laboral indubitavelmente afeta a saúde dos migrantes, a natureza multifacetada das experiências laborais e as necessidades imediatas de sobrevivência podem ofuscar a clareza dessa relação.

Esses resultados sublinham a urgência de abordar a precariedade do trabalho entre os migrantes venezuelanos em Manaus, não apenas do ponto de vista econômico, mas também pela sua saúde e bem-estar. Evidencia-se a necessidade de políticas públicas e práticas empresariais que garantam condições de trabalho dignas, incluindo remuneração justa por horas extras, acesso a férias e benefícios previdenciários, e um ambiente de trabalho seguro e saudável. Este estudo lança luz sobre a realidade desafiadora enfrentada pelos migrantes e chama a atenção para a importância de intervenções holísticas que considerem tanto os aspectos econômicos quanto os de saúde no contexto da migração e do trabalho precarizado. 

Com a colaboração de:

Prof. Dr, Yunier Sarmiento Ramírez possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade do Estado do Amazonas, mestrado em Gestão de Empresas pela Universidad de Holguín – Cuba e doutorado em Economia pela Universidade Federal de Rio Grande do Sul. Atualmente é professor da Universidade Federal do Amazonas no Departamento de Economia e Análise – DEA e no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia – PPGSS. Desenvolve pesquisas na área de Economia aplicada, teoria econômica e métodos quantitativos

Sobre o autor

Prof. Dr, José Barbosa Filho possui graduação em Engenharia de Pesca pela Universidade Federal do Ceará (1989), mestrado em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará (1992) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005). Atualmente é professor Titular da Universidade Federal do Amazonas. Desenvolve pesquisas na área de Contabilidade Ambiental, Matemática Financeira e Econometria, com ênfase em Gestão Ambiental, atuando principalmente nas seguintes áreas: valoração ambiental, desenvolvimento sustentável, avaliação de impactos ambientais e gerenciamento de processos.

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*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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