Líderes indígenas comentam tensão na fronteira e se posicionam contra estrada entre Acre e Peru

As lideranças voltaram a se posicionar contra estrada que liga o Estado brasileiro ao país vizinho e se manifestaram contra projetos de lei que liberam exploração das terras dos povos originários.

Lideranças do Acre participaram esta semana de um ciclo de debates em São Paulo, na exposição do fotógrafo Sebastião Salgado, um dos mais respeitados do mundo, onde destacaram os anos de resistência que segue até hoje e também pontuaram sobre os riscos da construção da estrada entre Acre e Peru.

O ciclo de palestras faz parte da exposição do fotógrafo sobre a Amazônia, que está em cartaz no Sesc Pompeia, e o destaque era a participação das lideranças do Acre no ciclo de debates.

A participação das lideranças também ocorre em um momento em que os povos protestam no estado acreano e manifestam contra projetos de lei que liberam exploração das terras dos povos originários e também enviaram uma carta pedindo pela demarcação de terras e denunciando ameaças por parte de invasores.

Uma das grandes preocupações nos debates, pontuada pelo presidente da Associação Ashaninka do Rio Amônia (Apiwtxa), Wewito Piyãko, é a construção da estrada que dá acesso ao Peru.

“Estamos na divisa com o Peru e a estrada que estão construindo já saiu no nosso rio e está chegando um caminho que vai trazer muitas coisas ruins para nós, varando a nossa floresta, tirando a nossa riqueza, a nossa madeira, poluindo o nosso rio, nossa água que a gente bebe todos os dias, onde nossas crianças tomam banho. E nossa luta é para cuidar disso para que a gente tenha sempre esse espaço para a vivência cultural do nosso povo. Tudo isso, a gente vem trabalhando”,

pontuou Wewito Piyãko.

Foto: Reprodução

Ele relatou ainda sobre a pressão vivida na região que faz fronteira com o Peru, além de também fazer divisa com pecuaristas e a luta pela defesa territorial, manutenção da cultura e da própria língua.

“Muitos pensam que a gente é passado, mas quero dizer que estamos aqui presentes e vamos continuar ainda por muito tempo. Vivemos conflitos com madeireiros, não diferente dos nossos parente Yanomami, que é o garimpo, e são coisas estão nos afetando diretamente há muitos anos e continuamos até hoje nessa luta. Precisamos do entendimento de cuidar desse território”, acrescentou.

“Passado perdoado” 

Para o cacique e líder espiritual Yawanawá Biraci Brasil, o passado foi perdoado, sendo necessário reconstruir um novo caminho sem mágoas e ressentimentos. Ele afirma que dentro de seu povo há amor, respeito e solidariedade e que as famílias dentro das aldeias cultivam o mesmo sentimento que é transmitido a todos que chegam, mas que muitas vezes estão abraçando espinhos.

“Os povos que protegem as florestas tropicais do mundo viraram adversários dos governos mundiais, especialmente do meu país. Todos nós sabemos que as terras indígenas são patrimônio da união e nós defendemos esse território como patrimônio da vida e viramos adversários do estado brasileiro. Lamentável. A floresta é nosso manto sagrado e a temos como nossa bíblia, nosso alcorão. Lamento a posição desse governo, não quero voltar à época de quando Cabral chegou com suas caravelas. Vivemos um momento triste no Brasil”, discursou.

Foto: Yara Piyãko/Arquivo pessoal

As discussões com os indígenas do Acre foram mediadas pelo jornalista Leão Serva. O líder Ashaninka Francisco Piyãko ressaltou sobre a recuperação de seu povo, assim como da terra, através de muitos anos de luta e resistência ao mesmo tempo que a ameaça ainda uma das maiores lutas. 

“Alguns estudos apontam que em 2050 vai ter mais lixo no mar do que peixe. Nós que estamos dentro da floresta, conseguimos enxergar vocês aqui e vocês não enxergam a gente lá. Talvez a gente tenha uma visão mais global porque a gente está preocupado com a natureza. Essa faz uma diferença muito grande porque quando a gente pensa em desenvolver é compartilhando e quando a gente compartilha conhecimento e nisso pensamos e trabalhamos muito porque esse modelo nosso está sendo ameaçado”,

destacou.

O líder indígena também enfatizou que estão gastando muita energia, hoje, para se proteger e por isso esse diálogo é muito importante. E critica a exploração dentro das terras indígenas.

“Só se tira da natureza aquilo que faz sentido, não se tira por tirar e estou vendo que um pequeno gesto é que não faz sentido tirar ouro, a não ser que alguém me mostre que ele faz a mágica de transformar a vida de alguém. Então se a gente para de comprar, já ajuda porque o que vejo são colares, e isso pra mim não faz sentido. Também não faz sentido as pessoas acumularem riquezas e quanto mais você acumula, mais paredes precisam ser construídas para se proteger e para nós isso não existe, o que nos protege é a floresta então é muito diferente o jeito de ver a riqueza. Há coisas que passam hoje no Brasil que ficamos preocupados, querem criar coisas e nós vivemos o contrário que é nos afastar de algumas coisas que nos gera paz, tranquilidade”, avaliou.

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