Imigrantes voltam para o Acre após invadirem cidade peruana

O objetivo do grupo era atravessar para o lado peruano da fronteira e, de lá, e seguir para o Equador e México

O grupo de imigrantes que invadiu a cidade de Iñapari está seguindo para o lado brasileiro e volta a acampar na Ponte da Integração que liga a cidade acreana de Assis Brasil ao Peru. Nesta terça-feira (16), a tensão na fronteira aumentou após os imigrantes enfrentarem a polícia peruana e invadir a cidade depois de ficarem três dias acampados na ponte.

Os imigrantes, em sua maioria haitianos, estavam acampados na ponte há três dias. O objetivo do grupo era atravessar para o lado peruano da fronteira e, de lá, e seguir para o Equador e México.

O grupo estava retido na cidade morando em abrigos porque a fronteira do Acre com o Peru foi fechada devido à pandemia. A maioria dos imigrantes estão retornando do Sul, Centro-Oeste e Sudeste do país, segundo a prefeitura.

Foto: Jefson Dourado/Rede Amazônica Acre

A informação foi confirmada pelo Grupo Especial de Fronteiras (Gefron), que diz que acompanha a volta dos imigrantes para o lado brasileiro. O coordenador do grupo, Rêmulo Diniz, diz que as Forças de Segurança acompanham a volta dos imigrantes e só depois deve ser traçado o plano de atendimento a essas pessoas.

“Vamos sentar e determinar depois qual o posto de cada um. Neste momento, temos que recepcionar quem está vindo e evitar problemas maiores”, disse.

Ainda não há informação sobre o posicionamento do governo peruano com relação ao grupo. O G1 tentou contato com o Itamaraty e também com Consulado do Peru no Acre, mas não obteve retorno até esta publicação.

Retorno

Ousmane Diallo, natural de Guiné, diz que está há dois anos no Brasil e que procura uma vida melhor. Ele diz que o grupo decidiu voltar porque ficou com medo de represálias da polícia peruana.

“Massacraram [policiais peruanos] haitianos, massacraram outras pessoas. Bateram em um monte de gente, mas graças a Deus estamos aqui recebendo apoio da Assistência Social da cidade, que está dando suporte de todas as necessidades que precisamos”, disse.

Segundo ele, os comandantes da polícia peruana chegaram a pedir os documentos de alguns deles para tentar liberar a passagem.

“Tentamos conversar, ninguém é violento, somos imigrantes, pessoas em busca de uma vida melhor. Voltamos para o lado brasileiro, porque as polícias estão cuidando, de maneira mais carinhosa, não precisa violência”, disse.

Ele conta que chegou ao Brasil há dois anos e morou em São Paulo, mas, segundo ele, a crise fez com que eles quisessem ir embora. “Piorou tudo, estava trabalhando em um frigorífico. Quero tentar outra maneira, porque sempre existem planos A, B e C. Eu quero chegar nos Estados Unidos”, contou.

Foto: Jefson Dourado/Rede Amazônica Acre

O governo do Acre informou que está reunido com a bancada federal juntamente com governador e Itamaraty por videoconferência. “Por enquanto, a solução é a diplomacia brasileira buscar um acordo com o Peru para os imigrantes passarem e seguirem viagem”, diz a porta-voz do governo, Mirla Miranda.

Prefeito quer Exército na fronteira
O prefeito de Assis Brasil, Jerry Correia, disse que na videoconferência pediu ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, a volta do Exército Brasileiro nas fronteiras, como aconteceu no ano passado.

“É uma questão humanitária, não podemos negar alimento a essas pessoas, os que chegarem ao nosso abrigo, vamos alimentar e vamos cuidar. Cobramos a presença das forças armadas, o Exército se retirou da ponte ainda em novembro do ano passado, não compreendemos porque foi o momento de maior confronto na fronteira. Ou faz isso ou pedimos que se interrompa esse fluxo de pessoas que querem sair do Brasil via Acre ou que se crie um corredor de acesso no Peru para que possam seguir viagem”, disse.

O atual gestor criticou ainda a morosidade do governo federal em tomar medidas efetivas contra a crise imigratória.

“Nós colocamos os fatos: essa crise migratória é de competência do governo federal. Então, não entendemos a inércia desse período de quase um ano de não ter uma solução, de não ter uma atitude efetiva nesse local”, disse.

Ainda no ano passado, a cidade recebeu um aporte financeiro de R$ 160 mil do governo federal que, segundo o prefeito, foi usado para a construção de um abrigo que deve ser entregue no dia 24 de fevereiro.

A entrega dessa obra deve desafogar as escolas que são usadas para acomodar esses imigrantes. Além disso, a cidade recebeu ainda mais R$ 130 mil do governo do estado. A prefeitura tem usado esse dinheiro para alimentação e apoio a esse grupo.

“Nós temos uma população carente para cuidar e quando temos que dedicar esforços, recursos financeiros e pessoal pra tomar de conta dos imigrantes que chegam em Assis Brasil. Não temos como negar que deixamos de amparar grande parte da nossa população. A prefeitura de Assis Brasil não tem capacidade financeira, nem estrutural nem de pessoal para atender tanta gente”, desabafou.

Calamidade pública

Com a chegada dos imigrantes desde o início de fevereiro, a cidade de Assis Brasil voltou a decretar situação de calamidade pública, após receber mais de 400 imigrantes em pouco mais de duas semanas. A medida permite agilizar serviços e procedimentos legais e administrativos que ajudam a conter a disseminação da pandemia da Covid-19 e da crise humanitária.

O documento apresentado pela prefeitura tem data dessa segunda-feira (15), porém ainda não saiu na edição desta terça, do Diário Oficial do Estado (DOE).

Em abril do ano passado, a cidade já tinha decretado situação de calamidade pública, quando recebeu mais 300 imigrantes instalados em abrigos do município.

O decreto deve ser encaminhado para Assembleia Legislativa do Acre (Aleac) para poder ser reconhecida da situação de calamidade.

Assis Brasil registrou até a segunda, 12 óbitos pela Covid-19 e 1.037 casos confirmados da doença, no boletim da Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre).

Foto: Jefson Dourado/Rede Amazônica Acre

Entenda o caso

Os imigrantes começaram a ficar retidos na cidade de Assis Brasil desde o ano passado, quando as fronteiras do Acre com Peru e Bolívia foram fechadas devido à pandemia. O grupo, que havia entrado no Brasil em anos anteriores em busca de melhorar de vida. Entre 2013 e 2014, houve um crescimento na entrada desses imigrantes no Brasil.

Com a pandemia crescendo no Brasil, os imigrantes que estavam no Sul e Sudeste do país, resolveram sair do Brasil usando mais uma vez o Acre como rota. No ano passado, a prefeitura já havia decretado emergência devido ao fluxo.

Em outubro, o então prefeito de Assis Brasil, Antônio Barbosa, informou que a cidade já tinha gastado mais de R$ 1 milhão para fornecer alimentação, alojamento entre outros serviços e afirmou que situação era crítica.

Em janeiro deste ano, a situação estava controlada e havia poucos imigrantes nos abrigos da cidade. O atual prefeito Jerry Correia informou que um abrigo estava sendo construído em um prédio público, de propriedade do governo federal, e que foi cedido ao município para atender esses imigrantes.

Porém, os imigrantes voltaram a ir para a fronteira e no domingo (14) se rebelaram, saíram dos abrigos e acamparam na ponte da Integração que liga a cidade acreana de Assis Brasil, na fronteira com o Peru. O grupo pede que a polícia peruana abra o acesso para que eles sigam para Equador e México.

Tanto o lado brasileiro, como o peruano estava dando suporte para alimentação e fazendo a segurança no local, mas na manhã desta terça-feira (16), o grupo se recusou a receber ajuda.

*escrito por Tácita Muniz e Jefson Dourado 

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