Educação empreendedora

Muitos acreditam que empreendedorismo seja uma qualidade de alguns poucos brindados com uma configuração genética apropriada. Há outros que acham que todos nascem com a capacidade empreendedora. Como o gene do empreendedor ainda não foi isolado, essa disputa não tem fim. O seminário “Renovar Idéias”, que o Instituto Teotônio Vilela promove amanhã e sexta-feira, decidiu abrir um espaço para discutir essa questão. 

O debate é importante porque essas duas concepções resultam em práticas e propostas educacionais diferentes. Se o empreendedor é alguém geneticamente diferente, a tarefa educacional será a de pinçar quem nasceu empreendedor, identificar quem tem a estrela na testa, para lapidar o seu potencial. Por outro lado, se todos nascemos empreendedores, as propostas educacionais deverão ser universalizantes, democráticas e includentes. 

O empreendedor é alguém que provê, de forma independente, o próprio sustento. É alguém que oferece valor positivo para a comunidade. Somente esse critério nos permite distinguir o empreendedor proprietário de uma boa escola daquele que opera no tráfico de drogas. Ambos podem ser talentosos e eficazes, mas um oferece valor positivo para a coletividade enquanto o outro subtrai. 

O sistema educacional, estruturou-se para “formar” competências para a indústria, sob a forma de emprego. A descrição de cargos molda o currrículo escolar. Por isso, desde sempre alguns temas foram banidos ou não incluídos nos programas escolares: autoconhecimento, auto-estima, criatividade, inovação, identificação de oportunidades, ideologia, política, democracia e cooperação. Eles seriam dispensáveis em um sistema que transforma pessoas em mão-de-obra. Na escola não se pergunta ao aluno: qual é o seu sonho? Certamente porque sonhar é perigoso. 

O mundo mudou e a era pós-industrial pede protagonismo, rebeldia, inovação. As escolas devem aprender a preparar especialistas naquilo que não existe – tarefa rotineira do empreendedor. O emprego ainda existe, mas não é mais o canal óbvio (nem recomendável) para o trabalho. O profissional tem que ser capaz de conceber sistemas, não somente de operá-los. Deve estar preparado para lidar com a complexidade e estabelecer múltiplas interfaces com o ambiente em que atua. 

Quando a especialização significa uma única conexão, o emprego se dá sob uma forte relação de dependência. Este é o dever de casa que o nosso sistema educacional ainda não fez. A atividade empreendedora não é um fenômeno individual. Nasce da capacidade dos membros de uma comunidade se associarem para enfrentar problemas e prosperar através das próprias escolhas. Por isso, depende da democracia e da cooperação. 

Vamos a um caso real surgido a partir da nossa proposta de educação empreendedora para crianças e adolescentes, em escolas de comunidades pobres. Ocorreu, em 2002, Nela, os alunos estudam empreendedorismo e respondem a duas perguntas: “Qual é o seu sonho?” e “O que você vai fazer para realizá-lo?” Quando a professora fez essas perguntas, um aluno de 15 anos respondeu: “Quero traficar drogas porque minha mãe passa fome”. 

Era a única forma de ganhar dinheiro que julgava estar a seu alcance. Vários colegas “entraram” no sonho do menino. E eles criaram a Tá Limpo, uma pequena fábrica de material de limpeza, com logomarca, folder e seis produtos. A professora de ciências deu a fórmula – isso começou em 2002. O adolescente não entrou no tráfico e sua mãe teve três pratos de comida por dia. A Tá Limpo existe e incorporou adultos da vizinhança Notem que o estímulo não foi “Abram uma empresa”; foi algo dirigido à emoção daqueles meninos dependentes, e os transformou em cidadãos. “Qual é o seu sonho?” Com isso, eles se sentiram autores, a auto-estima renasceu. 

Esse é um dos centenas de casos que tenho visto. São todos diferentes. Mas fica evidente que o caminho está em devolver a dignidade às pessoas e derrubar o mito de que empreendedorismo é coisa de rico.

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