Conheça as influências da migração nordestina no Amazonas

 
 
 

O nordestino tem tido uma presença muito forte no Amazonas, em especial durante o apogeu da borracha

 
O nordestino tem tido uma presença muito forte no Amazonas, em especial durante o apogeu da borracha, principalmente por causa da mão de obra. No período da Segunda Guerra Mundial, o Nordeste passava por uma fase difícil em relação à seca e, em decorrência disso, existia uma mão de obra muito farta, em especial os das zonas rurais. A migração para a chamada ‘Terra da Fartura’, foi sempre estimulada com o aval dos governos estaduais nordestinos, porém com os Acordos de Washington assinados por Getúlio Vargas em 1943, esta passou a ser estimulada e organizada pelo governo federal.

O órgão responsável por este movimento migratório foi o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA). Calcula-se que mais de 60 mil pessoas migraram para a região amazônica para trabalharem como Soldados da Borracha. “Se divulgava o transporte gratuito para que o nordestino viesse, era dado um adiantamento para ser deixado com as famílias que lá ficavam, então tudo isso fez com que viesse uma grande corrente migratória de nordestinos para cá”, explica o sociólogo potiguar Francisco Canindé Marinho, que preside a Associação Recreativa dos Nordestinos no Amazonas (Arnam). 
 
O sociólogo afirma ainda que não é possível precisar a quantidade exata de trabalhadores nordestinos que desembarcaram no Amazona para a extração da borracha. Segundo ele existem os dados oficiais, que eram fornecidos ao programa que o governo federal incentivava, e existem outros papéis e estudos que mostram outros números.
 
Diante da incerteza, ele cita o amazonense Samuel Benchimol que acreditava que mais de 60% da população amazonense é de origem nordestina. “Em relação à quantidade existem controvérsias. O saudoso historiador Samuel Benchimol, que foi o homem que mais estudou sobre migrações nordestinas aqui no Amazonas, com vários livros falando sobre isso, dizia uma coisa interessante já naquela época.

Foto: Reprodução/Shutterstock
 
Segundo Benchimol o Amazonas era tão nordestino que, se fosse feito um censo no Amazonas, teríamos 65% da população formada por nordestinos e descendentes”, afirmou Francisco Canindé. Canindé explica ainda que hoje Manaus deixou de ser um atrativo em decorrência do crescimento das cidades do Nordeste. As cidades nordestinas de modo geral se desenvolveram, inicialmente com o apoio da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e, posteriormente, com novos programas de apoio aos nordestinos, especialmente os das zonas rurais; o crescimento das cidades do Nordeste; a chegada de indústrias em vários polos; o crescimento econômico de alguns setores como agricultura, exploração de petróleo na Bahia e Rio Grande do Norte. “Em decorrência disso a economia do Nordeste acelerou e segurou o homem”.

Outra situação que contribuiu com o fim da migração nordestina para a Amazônia foi o crescimento industrial de São Paulo no pós-Guerra. Quando a borracha começou a cair, o Estado paulista começou a absorver a mão de obra e os migrantes nordestinos que vinham para o Amazonas. “Hoje a população nordestina na Amazônia diminuiu bastante. Quando Benchimol dizia, há mais de 20 anos, que havia 65% de formação nordestina na população amazonense, naquela época já se iniciava outras migrações. Não existe um censo exato que diga quantos nordestino vivem hoje no Amazonas ou em Manaus. O que existe hoje, de forma prosaica, é a história de que em toda esquina existe um nordestino”, comenta o sociólogo.
 
Influências

Com grande parte da população do Estado tendo origem nos Estados do Nordeste brasileiro, as influências destes povos nos hábitos e modo de vida do amazonense são inúmeras. O presidente da Arnam destaca as principais contribuições destes  povos em diversas áreas:  Economia

Segundo o estudioso, no período da borracha, a grande contribuição nordestina foi a mão de obra. “Não se pode esquecer que por trás da ostentação e da riqueza do período da borracha existia uma mão de obra chamada arigós – que eram chamados assim porque eram trabalhadores que vinham da zona rural do nordeste e eram arredios”. 
 
Além disso, Francisco Canindé destaca que essa forte presença nordestina pode ser percebida, por exemplo na economia informal. “99% dos prestamistas são nordestinos. Uma coisa interessante é que cada nordestino que aqui chega, traz um primo, um amigo, um irmão, e assim o fluxo continua. Muitos dos nordestinos que aqui chegaram para ser prestamistas são hoje grandes empresários. Na Manaus Moderna, cerca de 90% dos armazéns pertencem a nordestinos ou filhos de nordestinos”.

Presença em cirandas, xotes, quadrilhas e bois-bumbás

Canindé garante que as raízes das danças e do folclore também estão atreladas aos arigós. “Quando eles adentravam as matas para fazer suas casas, nas horas de folga eles faziam rituais de danças folclóricas. Hoje, todos os festivais de danças que existem em Manaus têm um dedinho dos nordestinos. No início estes eventos não eram chamados festivais folclóricos, eram festivais de ciranda, de xote e quadrilha e, tudo isso, tem raízes nordestinas”, explicou
 
Além da ciranda, xote e quadrilha, o sociólogo destaca também a grande contribuição nordestina para a maior expressão do folclore amazonense nos dias de hoje: o Festival Folclórico de Parintins. “Parintins tem hoje esta festa internacional e linda, mas não podemos esquecer –e ao esquecermos disso estamos agredindo a cultura –de que o boi de Parintins é uma mistura francesa –a indumentária é inspirada na França –e o ritual é nordestino –em especial ao Maranhão, onde se dançava o Boi Mamão. Obviamente em decorrência da diversidade cultural, nós temos esse show belíssimo que é hoje o Boi de Parintins. Mas todo o ritual do Festival folclórico é nordestino, as raízes são nordestinas”, observa.
 
Política

Para Francisco Canindé, uma das principais contribuições do Nordeste brasileiro para o Amazonas está na política. Na opinião dele, alguns dos grandes homens que vêm participando da política, que já participaram ou que já fizeram alguma coisa por esse Estado tem um sangue nordestino. “Eduardo Ribeiro, maranhense, foi um grande governador do Amazonas. 
 
Apesar de toda essa massa de políticos nordestinos no Estado, uma questão muito presente e séria no Nordeste, que é a figura do cacique e do curral eleitoral não foi trazida para o Amazonas. “Não encontramos no Amazonas os coronéis que existiam no Nordeste, ou seja, os políticos que aqui se formaram contribuíram muito mais democraticamente do que como coronéis. Como representante dos nordestinos aqui eu fico muito orgulhoso em não encontrar na história do Amazonas a figura do nordestino coronel. Aquele nordestino que veio para cá e criou o seu curral eleitoral”, comemora.
 
Sobre a Arnam

A Associação Recreativa dos Nordestinos no Amazonas (Arnam) é uma instituição que tem 28 anos e o objetivo dela é a integração entre nordestinos e amazônidas. Segundo seu presidente, a Arnam foi criada para preservar os hábitos, costumes e tradições da região Nordeste do Brasil em toda a região Amazônica. “Nesses 28 anos a Arnam tem se preocupado muito, principalmente com a questão migratória”. Apesar do trabalho que já dura 28 anos, o sociólogo Francisco Canindé Marinho lamenta o fato de Manaus ser a única capital do Brasil que não tem um referencial dos nordestinos, apesar da grande contribuição que os nordestinos têm dado ao Estado do Amazonas. “No Rio de Janeiro, por exemplo, existe o Centro Cultural Luiz Gonzaga, em São Cristóvão.

Francisco Canindé Marinho Natural de Natal, no Rio Grande do Norte, o sociólogo e terapeuta holístico, Francisco Canindé Marinho, está em Manaus há 22. Estudioso das questões nordestinas, ele se considera um “nordestino convicto e de carteirinha”. Questionado se hoje ele é mais amazonense ou mais nordestino, o sociólogo foi enfático. “Negativo de ser mais amazonense. Eu sou nordestino! Mas sou grato ao Amazonas porque aqui tem um povo maravilhoso que se parece muito com o povo nordestino: é um povo sofrido, de garra e hospitaleiro. Mas eu amo o nordeste. Primeiro o nordeste, segundo o nordeste e, em terceiro, o Amazonas”, finalizou.

 
 
Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

Livrarias físicas de Manaus resistem a era digital

Segundo um estudo divulgado em 2023 pela Associação Nacional de Livrarias, existem quase 3 mil livrarias no Brasil.

Leia também

Publicidade